O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não há nulidade na busca e apreensão efetuada sem mandado judicial em residência sem sinais de habitação.
De acordo com a decisão da Quinta Turma, a proteção constitucional à casa pressupõe que o indivíduo a utilize para fins de habitação/moradia, ainda que de forma transitória.
Logo, estando a casa desabitada, não se verifica nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, se a aparente ausência de residentes no local se alia à fundada suspeita de que tal imóvel é utilizado para a prática de crime permanente (armazenamento de drogas e armas), o que afastaria a proteção constitucional concedida à residência/domicílio.
Confira a ementa relacionada:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. CRIMES DE ARMAZENAMENTO DE DROGAS E DE ARMAS. BUSCA E APREENSÃO EM APARTAMENTO NÃO HABITADO, UTILIZADO COMO LOCAL DE ARMAZENAMENTO, SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONCEDIDA À RESIDÊNCIA/DOMICÍLIO QUE SOMENTE ABRANGE BENS MÓVEIS OU IMÓVEIS DESTINADOS À HABITAÇÃO, AINDA QUE DE FORMA TRANSITÓRIA, E O LOCAL DE TRABALHO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. FUNDADAS SUSPEITAS DE FLAGRANTE DE CRIME PERMANENTE. INVIABILIDADE DE REVOLVIMENTO DE PROVAS NA VIA MANDAMENTAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018)
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010).
Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
Precedentes desta Corte.
3. A Corte Suprema assentou, também, que “o conceito de ‘casa’, para o fim da proteção jurídico-constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo (HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 12/04/2005, DJe de 02/06/2006; RE 251.445/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, decisão monocrática publicada no DJ de 03/08/2000), pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, (a) qualquer compartimento habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade” (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 03/04/2007, DJe de 18/05/2007).
Conclui-se, portanto, que a proteção constitucional, no tocante à casa, independentemente de seu formato e localização, de se tratar de bem móvel ou imóvel, pressupõe que o indivíduo a utilize para fins de habitação, moradia, ainda que de forma transitória, pois tutela-se o bem jurídico da intimidade da vida privada.
4. Sem desconsiderar a proteção constitucional de que goza a propriedade privada, ainda que desabitada, não se verifica nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, em apartamento que não revela sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou eventual, se a aparente ausência de residentes no local se alia à fundada suspeita de que tal imóvel é utilizado para a prática de crime permanente (armazenamento de drogas e armas), o que afastaria a proteção constitucional concedida à residência/domicílio.
Situação em que, após denúncia anônima detalhada de armazenamento de drogas e de armas, seguida de informações dos vizinhos de que não haveria residente no imóvel, de vistoria externa na qual não foram identificados indícios de ocupação da quitinete (imóvel contendo apenas um colchão, algumas malas, um fogão e janela quebrada, apenas encostada), mas foi visualizada parte do material ilícito, policiais adentraram o local e encontraram grande quantidade de drogas (7kg de maconha prensada, fracionadas em 34 porções; 2.097, 8kg de cocaína em pó, fracionada em 10 tabletes e 51 gramas de cocaína petrificada, vulgarmente conhecida como crack) e de armas (uma submetralhadora com carregador, armamento de uso proibido; 226 munições calibre .45; 16 munições calibre 12; 102 munições calibre 9mm; 53 munições calibre .22; 04 carregadores, 01 silenciador, 02 canos de arma curta, 03 coldres).
5. A transposição de portão em muro externo que cerca prédio de apartamentos, por si só, não implica, necessariamente, afronta à garantia de inviolabilidade do domicílio. Para tanto, seria necessário demonstrar que dito portão estava trancado, ou que havia interfone ou qualquer outro tipo de aparelho/mecanismo de segurança destinado a limitar a entrada de indivíduos que quisessem ter acesso ao prédio já no muro externo, o que não ocorre no caso concreto, em que há, inclusive, depoimento de policial afirmando que o portão estaria aberto.
6. De mais a mais, havendo depoimento de policial, asseverando que teria sido visualizada, pela janela, parte do material ilícito ali existente, é de se concluir que a entrada dos policiais na quitinete em questão se deu em razão da suspeita concreta de flagrância do crime de armazenamento de drogas, que é permanente.
7. Modificar as premissas tidas como válidas pela instância ordinária demandaria o revolvimento de todo o material fático/probatório dos autos, o que inviável na sede mandamental.
8. Habeas corpus de que não se conhece.
(HC 588.445/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe 31/08/2020)
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