STJ: é nulo o interrogatório conduzido por juiz com postura inquisitorial
No REsp 2.214.638-SC, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “são nulos a inquirição de testemunhas e o interrogatório protagonizados por magistrado que adota postura inquisitorial, em lugar da atuação residual e complementar necessária para preservar a imparcialidade e o contraditório”.
Informações do inteiro teor:
A controvérsia cinge-se a determinar se a postura ativa da magistrada durante a audiência de instrução ultrapassou os parâmetros legais para a inquirição das testemunhas e o interrogatório do réu.
A consolidação do sistema acusatório no Brasil, reforçada pela reforma introduzida pela Lei n. 11.690/2008, impôs limites claros à postura do juiz na produção da prova oral.
O art. 212 do Código de Processo Penal passou a prever o chamado modelo de inquirição direta (cross-examination), no qual as perguntas são formuladas prioritariamente pelas partes. A atuação do magistrado, nesse sistema, é de natureza complementar, destinada a sanar pontos não esclarecidos, e não de substituição aos sujeitos processuais. Isto é, o juiz pode fazer perguntas, mas apenas para complementar ou esclarecer pontos que ficaram obscuros após a inquirição pelas partes. O objetivo da norma é claro: fortalecer o princípio do contraditório e a paridade de armas, resguardando a imparcialidade do julgador.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça entende que a estrutura acusatória do processo penal pátrio impede que se sobreponham, em um mesmo sujeito processual, as funções de defender, acusar e julgar. Embora não se elimine a iniciativa probatória do juiz, esta deve ocorrer de modo residual, complementar e sempre com o cuidado de preservar sua imparcialidade.
No caso, apesar de não ter havido inversão da ordem de inquirição de testemunhas prevista no art. 212 do Código de Processo Penal, a atuação da magistrada, em alguns depoimentos, não foi meramente residual e complementar às partes. A juíza de primeiro grau assumiu um papel ativo na produção da prova, muitas vezes induzindo as respostas, atuando como protagonista na inquirição de algumas testemunhas.
O mesmo padrão se repetiu no interrogatório do réu. Embora o art. 188 do Código de Processo Penal permita ao juiz iniciar o ato, a postura adotada pela magistrada transcendeu a função de esclarecimento e adentrou o campo acusatório. A sua atuação excessivamente ativa desvirtuou o interrogatório de sua função primordial de meio de defesa para uma busca inquisitorial de prova contra o réu, resultando em comprovada violação da imparcialidade. A iniciativa probatória da Juíza não se limitou ao esclarecimento de questões ou de pontos duvidosos sobre a prova. Transcendeu o esclarecimento e se revelou investigativa e acusatória, substituindo o ônus processual do Ministério Público e violando a isonomia processual.
Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, o prejuízo para a defesa é evidente. A prova que embasou o édito condenatório foi coligida em um ato processual no qual imperou o protagonismo da Juíza, que agiu em substituição à produção probatória que competia às partes. Tal conduta gera um desequilíbrio na estrutura paritária do processo e viola, em última análise, a sua formatação acusatória. Conforme a jurisprudência do STJ, em casos semelhantes, o prejuízo é manifesto, pois a condenação se baseia em provas não produzidas sob o crivo de um contraditório equilibrado.
Evidencia-se, na espécie, a quebra fundamental na estrutura do devido processo legal. Quando o juiz assume as funções do órgão acusador, a imparcialidade, que é a viga mestra da jurisdição, fica irremediavelmente comprometida.
Portanto, a atuação da magistrada afetou os direitos fundamentais do acusado, comprometendo o dever de imparcialidade tanto na produção da prova testemunhal quanto no interrogatório, o que torna nulo os atos judiciais praticados a partir da audiência de instrução.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Código de Processo Penal (CPP), o art. 188 e art. 212.
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 872, de 2 de dezembro de 2025 (leia aqui).
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