STJ7

Evinis Talon

STJ: é da competência da Justiça Federal processar e julgar disputa sobre direitos indígenas

10/11/2019

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Decisão proferida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no AgRg no CC 149.964/MS, julgado em 22/03/2017 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SUPOSTO CRIME DE HOMICÍDIO PRATICADO POR ÍNDIO CONTRA ÍNDIO. INEXISTÊNCIA DE DISPUTA SOBRE DIREITOS INDÍGENAS. APLICABILIDADE SÚMULA 140/STJ. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I – Nos termos do artigo 109, XI, da Constituição Federal, será da competência da Justiça Federal processar e julgar “disputa sobre direitos indígenas”.
II – Via de regra, crime praticado por índio ou contra ele, será processado e julgado pela Justiça Estadual, salvo comprovação efetiva de que a motivação se refere a disputa de direitos indígenas.
III – In casu, o suposto homicídio praticado por índio contra outro não teve conotação de disputa de seus direitos indígenas, não sendo relevante, para fins de competência, a crença pessoal do autor que alega ter praticado o crime em virtude de “feitiço”, porquanto tal fato não atinge direitos coletivos, ou seja, o crime não foi praticado para atingir a cultura indígena.
IV – A jurisprudência deste col. Superior Tribunal de Justiça se firmou nesse sentido, somente havendo interesse da União quando existir relevante interesse da coletividade indígena. Precedentes. Agravo regimental desprovido. (AgRg no CC 149.964/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/03/2017, DJe 29/03/2017)

Leia a íntegra do voto do Ministro Felix Fischer:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER:

O agravo regimental não merece prosperar, senão vejamos.

A Agravante aduz que, a motivação (feitiço), por decorrer da cultura indígena, inclusive com laudo antropológico, seria fundamento idôneo para o processamento e julgamento do feito pela Justiça Federal.

Efetivamente, a disputa de direitos indígenas prevista no inciso XI do artigo 109 da Constituição Federal não se resume as lides por terras, mas toda e qualquer contenda referente aos direitos previstos em rol exemplificativo no artigo 231 da CF: “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Concordo com a alusão do recorrente de que a afronta aos costumes indígenas deve ser processado pela Justiça Federal, contudo, in casu, não há qualquer violação aos costumes, crenças ou tradições.

Tem-se suposto homicídio praticado por índio contra outro, cuja motivação foi acreditar que a vítima lhe faria um “feitiço”, fato que não ofende em nada a cultura indígena, mas foi apenas o suposto móvel da prática delitiva

Inexiste, na hipótese dos autos, violação aos direitos indígenas, previsto na Constituição Federal ou Estatuto do Índio, de cunho coletivo que incorra em interesse da União, capaz de acarretar o deslocamento da competência para a Justiça Federal.

Destaca-se que, o em. Ministro Nefi Cordeiro, ao julgar o conflito de competência 144.819/MS, que versava sobre a mesma matéria, entendeu por eclarar competente o Juízo de Direito, acolhendo, naquela ocasião, o parecer do Ministério Público Federal.

Convém, novamente, transcrever trecho da r. decisão:

“[…] Ademais, bem referiu o Juízo suscitante que No presente caso, tem-se, em tese, a prática de um homicídio motivado por suposto “feitiço” – prática mística própria da cultura indígena da região; podendo ser considerada, pois, como um direito indígena coletivo.

No entanto, não se exsurge dos presentes autos o segundo elemento: a disputa sobre esse direito. Vale dizer, não há um ataque à prática mística em si, visando exterminá-la da cultura indígena. No contexto dos autos, o “feitiço” surge apenas como um elemento acidental, suposta motivação do acusado para investir contra seu adversário.

Não há, pois, competência da Justiça Federal para processar e julgar a demanda(fl. 145).

Nesse contexto, não tendo o delito sido motivado em razão de conflito de interesses indígenas, mas, em razão de crença pessoal de que o acusado teria sido enfeitiçado pela vítima, falece competência à Justiça Federal. […]”

Destaca-se que, a atuação do Ministério Público Federal nos autos do CC 144.819/MS foi diversa do presente feito, conforme dito, sendo conveniente transcrever trecho do parecer ministerial naqueles autos:

“9. O delito praticado pelo acusado Mariano Rodrigues Arce não foi motivado em conflito de interesses indígenas, mas, sim, por crença pessoal de que o acusado teria sido “enfeitaço” pela vítima.A existência de aspectos culturais indígenas na motivação peculiar do delito, por si só, não autoriza concluir que estamos diante da competência da justiça federal que exige a disputa sobre a titularidade de direitos, no caso, indígenas, e sua dimensão coletiva.

10. Não há, portanto, disputa sobre interesse ou direito indígena coletivamente considerados, o que determina a competência da Justiça Estadual para julgar e processar o feito.

Ante o exposto, opina este Órgão Ministerial pelo conhecimento do conflito, para que seja declarado competente o Juízo de Direito da Vara Criminal de Ponta Porã – MS, o suscitado.”

Desse modo, entendo aplicável a inteligência da súmula 140/STJ ao presente feito:

COMPETE A JUSTIÇA COMUM ESTADUAL PROCESSAR E JULGAR CRIME EM QUE O INDIGENA FIGURE COMO AUTOR OU VITIMA.

No recurso, o Agravante sustenta que a motivação (crença em “feitiço”) afronta a cultura indígena, no entanto, assim não penso, pois não houve, no caso concreto, violação à cultura indígena, um atentado aos costumes, mas sim ao direito à vida da vítima, não havendo, in casu, disputa sobre direitos indígenas.

O precedente citado pelo Agravante proferido no julgamento do HC 91.313, pelo Supremo Tribunal Federal, de relatoria da em. Ministra Ellen Gracie, não se aplica ao caso concreto, pois naquele feito foram praticados diversos crimes contra vários índios integrantes de uma mesma reserva em razão da condição étnica, conforme se extrai do voto:

“Há elementos nos autos que dão conta de que considerável parcela da comunidade indígena da reserva do Guarita/RS teria sido atingida pelos crimes supostamente praticados pelos pacientes, o que faz incidir a regra constante do art. 109, XI, da Constituição Federal”.

A existência de estudo antropológico sobre a “feitiçaria” não tem condão de modificar o aspecto do presente feito, inclusive, é incontroversa tal motivação, no entanto, não entendo que o crime praticado ofenda a cultura indígena de forma coletiva porque praticado sob tal perspectiva.

Nesse aspecto, citamos jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. CRIME PRATICADO POR ÍNDIO. AUSÊNCIA DE DISPUTA SOBRE DIREITOS INDÍGENAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Em se tratando de conduta sem conotação especial, inapta a revelar o interesse da coletividade indígena, não se vislumbra ofensa a interesse da União, pelo que aplicável na espécie o Enunciado Sumular 140 desta Corte que dispõe, verbis: “Compete a Justiça Comum Estadual processar e Julgar Crime em que o indígena figure como autor ou vítima.” 2. Conflito conhecido para determinar a competência do suscitado, Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Dourados – MS” (CC n. 43.328/MS, Terceira Seção, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 21/10/2008).

Tal conclusão também pode ser extraída do julgado abaixo, interpretando-se de forma contrária, pois nos casos citados abaixo houve efetivamente ofensa a direito coletivo indígena, diversamente do que ocorreu no caso ora analisado:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO DE ARMAS. INVESTIGAÇÃO DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO PRATICADA POR INDÍGENAS E MOTIVADA POR DISPUTA EM RELAÇÃO À DEFINIÇÃO DO CACIQUE DA TRIBO TEKOHA. AMEAÇAS DO EX-CACIQUE DIRECIONADAS A TODOS OS MEMBROS DA COMUNIDADE QUE APOIASSEM O NOVO LÍDER. INTERESSE COLETIVO DA COMUNIDADE INDÍGENA. NÃO INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO 140 DA SÚMULA DESTA CORTE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Ao estabelecer a competência da Justiça Federal para julgar os crimes relacionados à disputa sobre direitos indígenas (art. 109, XI, da CF), a Carta Magna colocou sob a jurisdição federal o julgamento de toda e qualquer controvérsia relacionada a direitos dos índios, assim como a direitos dos povos indígenas, neles inclusos os descritos no art. 231, quais sejam, aqueles sobre a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, além dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. 2. Inserida no sistema constitucional de garantia dos direitos de minorias, a disputa por direitos indígenas mencionada no inciso XI do art. 109 da CF não se restringe a questões envolvendo interesses econômicos, mas abrange, também, direitos relativos à forma de constituição, organização social das comunidades indígenas e definição de lideranças. 3. Como decorrência, não se aplica o enunciado n. 140 da Súmula do STJ quando o crime envolvendo direitos indígenas implicar em ofensa a interesses coletivos da comunidade indígena. 4. Se a motivação dos delitos investigados gira em torno de disputa pela liderança da aldeia, abrangendo, inclusive, ameaças de morte proferidas pelo ex-cacique a todos os que apoiassem o novo líder, evidencia-se o nítido interesse coletivo da comunidade indígena na solução da controvérsia, e, por consequência, a competência da Justiça Federal para julgamento do feito (art. 109, XI, c/c art. 231, CF/88). 5. Precedentes desta Corte: CC 123.016/TO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Seção, julgado em 26/6/2013, DJe 1/8/2013; CC 129.704/PA, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD – Desembargadora convocada do TJ/SE – Terceira Seção, julgado em 26/3/2014, DJe 31/3/2014; CC 99.406/RO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Terceira Seção, julgado em 13/10/2010, DJe 20/10/2010; HC 124.827/BA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 1/9/2009, DJe 28/9/2009 e CC 93.000/MS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Terceira Seção, julgado em 8/10/2008, DJe 14/11/2008. 6. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 1ª Vara de Guaíra (Seção Judiciária do Paraná), o suscitante, para julgar o presente pedido de busca e apreensão” (CC n. 140.391/PR, Terceira Seção, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 6/11/2015).

No âmbito do Supremo Tribunal Federal se observa jurisprudência também nesse sentido:

COMPETÊNCIA CRIMINAL. Conflito. Crime praticado por silvícolas, contra outro índio, no interior de reserva indígena. Disputa sobre direitos indígenas como motivação do delito. Inexistência. Feito da competência da Justiça Comum. Recurso improvido. Votos vencidos. Precedentes. Exame. Inteligência do art. 109, incs. IV e XI, da CF. A competência penal da Justiça Federal, objeto do alcance do disposto no art. 109, XI, da Constituição da República, só se desata quando a acusação seja de genocídio, ou quando, na ocasião ou motivação de outro delito de que seja índio o agente ou a vítima, tenha havido disputa sobre direitos indígenas, não bastando seja aquele imputado a silvícola, nem que este lhe seja vítima e, tampouco, que haja sido praticado dentro de reserva indígena. RE 419528, Tribunal Pleno, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Min. Cezar Peluso, DJ 09-03-2007

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIMINAL. HOMICÍDIO. CRIME PRATICADO POR ÍNDIO CONTRA ÍNDIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. Não havendo disputa sobre direitos indígenas, a competência para processar e julgar as causas em que envolvido indígena, seja como sujeito ativo ou sujeito passivo do delito, é da Justiça estadual. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI n. 496.653 AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 3/2/2006).

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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