Decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no AgRg no AREsp 1078252/RJ, julgado em 27/06/2017 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCUSSÃO. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. Reconhecida a materialidade e a autoria do delito, a pretensão de ser absolvida em recurso especial esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. PENA-BASE. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE, CIRCUNSTÂNCIAS E MOTIVO DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO INERENTE AO TIPO PENAL. INIDONEIDADE. COAÇÃO ILEGAL EVIDENCIADA. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO.
1. O fato da acusada ser servidora pública instruída e ter utilizado o ofício para angariar recursos financeiros não constitui fundamento válido para elevação da pena-base, por serem inerentes ao tipo penal da concussão.
2. Agravo regimental a que se nega provimento. Ordem concedida de ofício para, afastando a valoração da culpabilidade, circunstâncias e motivo do crime, fixar a pena-base no mínimo legal, bem como o regime aberto. (AgRg no AREsp 1078252/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017)
Leia a íntegra do voto do Relator Min. Jorge Mussi:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator):
Os elementos existentes nos autos dão conta de que SONIA MARIA VARGAS PEREIRA, servidora pública, foi denunciada pela prática da conduta descrita no artigo 316 do Código Penal, por exigir vantagem indevida para dar andamento em procedimento administrativo.
A imputação foi julgada procedente, reformada a sentença em apelação para redimensionar a pena para 4 (quatro) anos de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos.
Interposto recurso especial pela defesa, alegou-se violação aos artigos 381, III e 386, III, ambos do Código de Processo Penal por inexistir prova apta para a condenação.
Inadmitido pelo Juízo Prévio de Admissibilidade, foi protocolado o correspondente agravo.
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal ofertou parecer pelo seu desacolhimento.
Por decisão monocrática desta Relatoria, se conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial, pois o pleito de absolvição exigiria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos.
Daí a apresentação deste regimental.
A irresignação, porém, não merece prosperar.
Isso porque, ao julgar a apelação, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região entendeu estar presente elementos suficientes a sustentar a condenação por infração ao artigo 316 do Código Penal, tendo o acórdão assim consignado:
Feitas tais digressões iniciais, verifica-se que a conduta imputada aos réus se amolda com perfeição ao delito de concussão, tipificado no art. 316 do Código Penal, na modalidade exigir de forma indireta a vantagem indevida que, no caso dos autos, era o pagamento de 30% do valor dos atrasados que a vítima alegava que tinha a receber, servindo-se os réus Bertoni e Sônia do corréu Rômulo para realizar a exigência indevida travestida de honorários contratuais. As provas da existência do crime, autoria e dolo são incontestes. […] Considero, pois, comprovadas a ocorrência do crime, bem como sua autoria pelos réus (fls. 1878/1882)
Da leitura do excerto acima transcrito, verifica-se que o Tribunal de origem, soberano na reanálise dos fatos e das provas, concluiu pela existência, nos autos, de elementos concludentes para fundamentar o decreto condenatório.
Nesse aspecto, desconstituir o julgado, buscando a absolvição da conduta criminosa analisada na origem, não encontra amparo na via eleita, dada a necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, procedimento de análise exclusivo das instâncias ordinárias e vedado a este Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, ante o óbice Sumular n. 7/STJ.
Nesse sentido:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE CONCUSSÃO. ABSOLVIÇÃO. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. DEFERIDA. 1. Para alterar a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias e decidir pela absolvição do recorrente, demandaria, necessariamente, revolvimento do acervo fático-probatório delineado nos autos, procedimento que encontra óbice na Súmula 7/STJ, que dispõe: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” 2. Agravo regimental não provido. Pedido de execução provisória da pena privativa de liberdade deferido. (AgRg no AREsp 527.376/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 12/05/2017)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME MILITAR. FURTO SIMPLES. ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Para adotar a tese suscitada pela defesa – de não haver certeza quanto ao envolvimento do agravante na prática delitiva – e, consequentemente, absolver o réu com base no art. 439, “e”, do Código de Processo Penal Militar, seria necessário o revolvimento das provas constantes dos autos, o que ultrapassa a mera revaloração das premissas estabelecidas no acórdão impugnado e, por conseguinte, atrai a incidência da Súmula n. 7 desta Corte Superior. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1376286/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 11/05/2017)
Todavia, cumpre reconhecer a ocorrência de ilegalidade manifesta no aresto recorrido, que reclama a concessão de habeas corpus de ofício.
No que se refere à dosimetria, cumpre destacar que a aplicação da pena-base é o momento em que o juiz, dentro dos limites abstratamente previstos pelo legislador, deve eleger, fundamentadamente, o quantum ideal de reprimenda a ser aplicada ao condenado criminalmente, visando à prevenção e à repressão do delito praticado.
Assim, para chegar a uma aplicação justa da lei penal, o sentenciante, dentro dessa discricionariedade juridicamente vinculada, deve atentar para as singularidades do caso concreto, guiando-se pelos fatores relacionados no caput do artigo 59 do Código Penal e indicar, especificamente, dentro destes parâmetros, os motivos concretos pelos quais as considera favoráveis ou desfavoráveis, pois é justamente a motivação da sentença que oferece garantia contra os excessos e eventuais erros na aplicação da resposta penal.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
HABEAS CORPUS. CRIME DE AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. […]. DOSIMETRIA DA PENA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL. […]. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. 1. A dosimetria da pena é o momento em que o magistrado, dentro dos limites abstratamente previstos na lei, aplica de forma fundamentada o quantum ideal de reprimenda a ser imposta ao condenado, obedecendo a um sistema trifásico, porque “tal critério permite o completo conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos elementos incorporados à dosimetria” (Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, item 51). […] 7. Habeas corpus denegado. (HC 359.050/SC, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20/04/2017)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. […]. DOSIMETRIA. PENAS-BASE ACIMA DOS MÍNIMOS LEGAIS. POSSIBILIDADE. […]. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. […] 2. A dosimetria da pena insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade. […] 7. Habeas corpus não conhecido. (HC 324.949/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 27/04/2017)
Na espécie, o Tribunal de origem manteve os fundamentos adotados na sentença condenatória para majorar a pena-base, que valorou negativamente a culpabilidade, as circunstâncias e o motivo do crime, in verbis:
Embora primários, todos têm boa formação intelectual e, à época dos fatos os dois primeiros já estavam no serviço público há anos e o terceiro, no ambiente funcional era bem credenciado, tinham portanto plena consciência do dimensionamento da ilicitude de sua conduta e da capacidade de violação dos parâmetros óticos a eles impostos, e, mais do que isso, do ordenamento jurídico como um todo a censurar a improbidade administrativa. As circunstâncias também não favorecem aos réus, por usar no interesse próprio a coisa pública com premeditação. O motivo da ação criminosa foi o ganho fácil, deteriorando, com a violação do dever de fidúcia, a imagem da instituição pública a que pertenciam. […]. (fls. 1679).
Desse excerto observa-se que o fato de serem servidores públicos instruídos e terem utilizado o ofício para angariar recursos financeiros foi o fundamento para elevação da pena-base.
Porém, essas circunstâncias são inerentes ao tipo penal da concussão, razão pela qual não são considerados aptos para exasperação da reprimenda.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. PERSONALIDADE NÃO AFERIDA. MOTIVOS INERENTES À CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO E COMPORTAMENTO NEUTRO DA VÍTIMA. FUNDAMENTOS INIDÔNEOS. REDUÇÃO DA PENA-BASE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. […] 3. No caso, parte da exasperação da pena, na primeira fase da dosimetria, baseou-se em circunstâncias inidôneas, como a personalidade não aferida, motivos inerentes à configuração do ilícito e o comportamento neutro da vítima, razão pela qual a pena-base do paciente comporta redução. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para reduzir a pena do paciente. (HC 371.501/PE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 05/05/2017)
HABEAS CORPUS. CRIME DE ROUBO SIMPLES EM CONTINUIDADE DELITIVA. DOSIMETRIA DA PENA. REPRIMENDA BÁSICA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AFIRMAÇÕES GENÉRICAS E BASEADAS EM ELEMENTOS INERENTES AO TIPO PENAL. REDUÇÃO DA PENA-BASE. […] 2. Na espécie, o magistrado sentenciante afirmou ser acentuada a culpabilidade do paciente, tendo em vista que se tratava de pessoa mentalmente sã, sabendo distinguir o certo do errado, tendo conhecimento da ilicitude de sua conduta, possuindo pleno entendimento de que não deveria subtrair mediante o uso de grave ameaça o objeto de terceiro. Entretanto, tal fundamentação não se mostra adequada para a exasperação da pena-base, pois a circunstância judicial em análise em nada se relaciona com a culpabilidade terceiro substrato do crime. O art. 59 do Código Penal, ao anunciar a culpabilidade como circunstância judicial, objetiva avaliar o maior ou menor grau de reprovabilidade da conduta do acusado ou menosprezo especial ao bem jurídico violado. Desse modo, carente de fundamentação, no pormenor, o aumento da pena-base. Precedentes. 3. Do mesmo modo, no que concerne aos motivos do crime, destacou o magistrado sentenciante que visava o réu amealhar bens da vítima para auferir dinheiro e comprar substâncias entorpecentes. Entrementes, tratando-se de crime contra o patrimônio, injustificado o aumento, porquanto inerente ao tipo incriminador. Precedentes. 4. Igualmente insuficiente a motivar a exasperação da pena-base a afirmação de que as consequências do crime foram desfavoráveis ao paciente, pois uma das vítimas não recuperou o aparelho telefone celular subtraído, porquanto espelha decorrência comum dos crimes patrimoniais. Precedentes. 5. Por derradeiro, o comportamento do ofendido, que “em nada contribuiu para o cometimento do crime” (e-STJ fl. 19), não pode igualmente ser valorado em desfavor do paciente. Nos termos da orientação do Superior Tribunal de Justiça, a mencionada circunstância judicial somente apresenta relevância jurídica para reduzir a reprimenda do réu. Assim, se o ofendido contribuiu para a prática do crime, a pena-base deverá ser diminuída; se, ao contrário, a vítima não facilitou, incitou ou induziu o sentenciado a cometer a infração penal, trata-se de circunstância judicial neutra. Precedentes. 6. Ordem concedida para, redimensionando a pena do paciente, estabelecê-la em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, mantido, no mais, o acórdão estadual. (HC 275.953/GO, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, DJe 21/03/2017)
Destarte, devem ser afastadas na negativação da culpabilidade, as circunstâncias e o motivo do crime, fixando a pena-base no mínimo legal, qual seja, 2 (dois) anos de reclusão.
Por todo o exposto, nega-se provimento ao agravo regimental, concedendo-se, contudo, habeas corpus de ofício, nos termos do art. 654, § 2.°, do Código de Processo Penal, para redimensionar a pena para 2 (dois) anos de reclusão e, por consequência, fixar o regime no aberto, na forma do art. 33, § 2º, c do Código Penal, mantidos os demais termos da condenação.
É o voto.
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