STJ

Evinis Talon

STJ: a decisão que defere a progressão de regime é declaratória, e não constitutiva

11/06/2019

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Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 369.774/RS, julgado em julgado em 22/11/2016 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. SUBSEQUENTE PROGRESSÃO DE REGIME. MARCO INICIAL. DATA EM QUE O REEDUCANDO PREENCHEU OS REQUISITOS DO ART. 112 DA LEP. ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO DA SEXTA TURMA. ADEQUAÇÃO À JURISPRUDÊNCIA DO STF E DA QUINTA TURMA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Revisão da jurisprudência da Sexta Turma desta Corte Superior, para alinhar-se ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal e da Quinta Turma de modo a fixar, como data-base para subsequente progressão de regime, aquela em que o reeducando preencheu os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal e não aquela em que o Juízo das Execuções deferiu o benefício. 2. Consoante o recente entendimento do Supremo Tribunal, a decisão do Juízo das Execuções, que defere a progressão de regime – reconhecendo o preenchimento dos requisitos objetivo e subjetivo da lei (art. 112 da LEP) – é declaratória, e não constitutiva. Embora se espere celeridade da análise do pedido, é cediço que a providência jurisdicional, por vezes – como na espécie – demora meses para ser implementada. 3. Não se pode desconsiderar, em prejuízo do reeducando, o período em que permaneceu cumprindo pena enquanto o Judiciário analisava seu requerimento de progressão. 4. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem de ofício, para restabelecer a decisão do Juízo das Execuções Penais. (HC 369.774/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 22/11/2016, DJe 07/12/2016)

Leia a íntegra do voto:

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):

O Superior Tribunal de Justiça, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, não admite que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso próprio, tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do(a) paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

Sob tais premissas, constato a ocorrência de flagrante ilegalidade que reclama a concessão ex officio da ordem.

A controvérsia do habeas corpus cinge-se à data-base para fins de subsequente progressão de regime e foi assim dirimida no acórdão recorrido:

 […] A questão a respeito da nova data-base para a progressão de regime prisional já estava pacificada. Tanto o Primeiro Grupo Criminal quanto o Superior Tribunal de Justiça firmaram o entendimento que a data a ser contada para efeitos de uma próxima progressão de regime será aquela da decisão concessiva do benefício citado (progressão). DECISÃO: Agravo ministerial provido, por maioria (fl. 49).

Deveras, ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção deste Superior Tribunal eram firmes em assinalar que o termo inicial para obtenção de nova progressão pelo apenado era a data do seu efetivo ingresso no regime anterior e não a data da decisão judicial concessiva do benefício ou aquela em que houve o preenchimento dos requisitos do art. 112 da LEP.

Confira-se, nesse sentido, precedentes da Sexta Turma:

 […] 1. O Superior Tribunal de Justiça possui o firme entendimento de que, para fins de nova progressão, deve ser considerada a data em que o condenado efetivamente ingressou no regime anterior, e não aquela em que teria sido cumprido o requisito objetivo para a obtenção do benefício. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 359.027/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 30/6/2016).

 […] 1. De acordo com o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, o marco inicial para a progressão de regime é a data do efetivo ingresso no regime anterior, sendo vedada a retroação à data da suposta implementação do requisito objetivo, sob pena de progressão per saltum (Súmula 491/STJ). 2. Agravo interno improvido. (AgInt no Resp n. 1581688/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 13/6/2016).

[…] 1. “Esta Corte Superior firmou orientação segundo a qual o termo a quo para obtenção da progressão de regime é a data do efetivo ingresso do Apenado ao regime anterior, não podendo a decisão judicial considerar tempo ficto ou retroagir à data do preenchimento dos requisitos. Precedentes. (AgRg no HC 218262/MG, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, QUINTA TURMA, julgado em 22/5/2014, DJe 28/5/2014)”. (AgRg no REsp 1437392/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/02/2015, DJe 20/02/2015). 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 304.209/MG, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 11/12/2015)

No entanto, consoante destaque do Subprocurador-Geral da República Luciano Mariz Maia, a Quinta Turma, recentemente, modificou o entendimento sobre o tema e, alinhando-se à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, passou a considerar como data-base para concessão de nova progressão aquela em que o apenado preencheu os requisitos do art. 112 da LEP. Confira-se:

EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROGRESSÃO DE REGIME. MARCO INICIAL. DATA DA EFETIVA DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 112 DA LEP. PRECEDENTE DO STF. AGRAVO PROVIDO. 1. Revisão da jurisprudência da Quinta Turma desta Corte Superior, para adequar-se ao posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no HC 115.254, Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 26/2/2016, no sentido de que a data inicial para a progressão de regime deve ser aquela em que o apenado preencheu os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal, e não a data da efetiva inserção do reeducando no atual regime. 2. Aplica-se à progressão de regime, por analogia, o regramento da LEP sobre a regressão de regime em caso de falta grave (art. 118), que estabelece como data-base a prática do fato, e não da decisão posterior que reconhece a infração. 3. É de se considerar a necessidade de que os direitos sejam declarados à época adequada, de modo a evitar que a inércia estatal cause prejuízo ao condenado. 4. Agravo regimental a que se dá provimento. (AgRg no Resp n. 1.582.285/MS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 24/8/2016).

De fato, consoante o posicionamento recentemente exarado pelo Supremo Tribunal Federal:

Habeas Corpus. 2. Execução Penal. Progressão de regime. Data-base. 3. Nos termos da jurisprudência do STF, obsta o conhecimento do habeas corpus a falta de exaurimento da jurisdição decorrente de ato coator consubstanciado em decisão monocrática proferida pelo relator e não desafiada por agravo regimental. Todavia, em casos de manifesto constrangimento ilegal, tal óbice deve ser superado. 4. Na execução da pena, o marco para a progressão de regime será a data em que o apenado preencher os requisitos legais (art. 112, LEP), e não a do início do cumprimento da reprimenda no regime anterior. 5. A decisão que defere a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva. 6. Deve ser aplicada a mesma lógica utilizada para a regressão de regime em faltas graves (art. 118, LEP), em que a data-base é a da prática do fato, e não da decisão posterior que reconhece a falta. 7. Constrangimento ilegal reconhecido, ordem concedida.” (HC n. 115.254, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 26/2/2016).

À vista do claro confronto do acórdão recorrido com os últimos julgamentos deste Superior Tribunal e do Supremo Tribunal Federal e, em atendimento aos princípios da segurança jurídica e ao dever de estabilidade da jurisprudência, objetivo a ser sempre alcançado por esta Corte de Precedentes, voltada à interpretação das leis federais e à uniformização de sua aplicação pelos tribunais do país, penso que o posicionamento da Sexta Turma também deve ser revisto.

Em verdade,

[…] a força vinculante do precedente não impede que uma determinada tese dominante, antes sedimentada, possa ser superada, passando-se a um novo processo de ‘normatização pretoriana’. A mutação progressiva de paradigmas de interpretação de um determinado episódio da vida, dotado de relevância jurídica, sempre veio imposto pela historicidade da realidade social, constituindo mesmo uma exigência de justiça…’ (CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 180)

Na espécie, o paciente foi progredido do regime fechado ao regime semiaberto, por decisão exarada em 2/10/2015. Na decisão, o Juízo das Execuções estabeleceu como data-base para nova progressão o dia em que o reeducando implementou os requisitos do art. 112 da LEP, qual seja, 2/5/2015. O Tribunal de origem, em 23/3/2016, reformou a decisão de primeira instância para estabelecer, como data-base dos cálculos penais, aquela em que foi prolatada a decisão que concedeu a progressão de regime ao reeducando.

A defesa não pleiteia, neste habeas corpus, a progressão per saltum, tida por inadmissível, consoante a Súmula n. 491 do STJ. O paciente cumpria a pena no regime fechado, foi progredido ao regime semiaberto e não se insurgiu contra o sistema progressivo da execução penal, somente requer lhe seja concedido o benefício com efeitos a partir da época em que teria preenchido os requisitos legais.

Não vejo óbice em estabelecer o mesmo paralelo traçado pelo Supremo Tribunal Federal e pela Quinta Turma.

Esta Corte Superior, em casos de punição disciplinar, determina que a data-base para nova progressão de regime será contada a partir do dia da falta grave, e não do dia em que for publicada decisão que a reconhece judicialmente. Na situação de progressão de regime, a regra deverá ser a mesma, para que a data do cumprimento dos requisitos do art. 112 da LEP seja o marco inicial da contagem do próximo benefício.

Penso que o sistema progressivo da execução penal não pode ser erigido em detrimento do apenado em casos específicos de mora judiciária. Observo que, em situções de falta de vaga em estabelecimento penal adequado, consoante decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no RE n. 641.320/RS (RE n. 641.320, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, Dje de 29/7/2016) admite-se, excepcionalmente, que o apenado seja transferido do regime fechado diretamente para o aberto, sem que obtenha o devido período aquisitivo para o regime carcerário menos gravoso.

Ante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a alteração do entendimento da Quinta Turma, cabe a esta Sexta Turma, no plano infraconstitucional, conferir idêntico tratamento a todos os casos semelhantes, trazendo segurança na interpretação da LEP, máxime porque não se pode admitir como isonômica, por ocasião da concretização da função jurisdicional, a postura de órgãos judicantes do Estado que, diante da mesma situação, chegam a resultados distintos.

A teor de julgados do Supremo Tribunal Federal, a decisão do Juízo das Execuções, que defere a progressão de regime, é meramente declaratória, e não constitutiva. Primeiramente o reeducando preenche os requisitos objetivo e subjetivo e, depois, pronunciamento judicial reconhece seu direito ao benefício. Embora a análise célere do pedido seja o ideal (law on the books, mundo do dever-ser), é cediço que a providência jurisdicional não ocorre dessa forma e, por vezes, pode demorar meses ou anos para ser implementada.

Também não se pode perder de vista projeto para atualização da Lei de Execução Penal, sob debate no Congresso Nacional, por meio do PLS n. 513/2013, que propõe a automatização dos benefícios na execução penal, para que as progressões aconteçam de forma automática, sem prévia deliberação judicial, exigível apenas para negá-las. Confira-se as propostas de alteração, in verbis:

Art. 107, § 3°: “O juiz da execução penal será informado com antecedência de 30 dias da data de soltura do apenado e das datas de progressão e livramento. Se até esta data não houve manifestação a liberação do preso ou condenado se dará automaticamente”. Art. 112. A pena privativa de liberdade será executava em forma progressiva, com a transferência automática para regime menos rigoroso, quando o preso houver cumprido ao menos 1/6 da pena no regime anterior, exceto se constatado mau comportamento carcerário, lançado pelo diretos do estabelecimento no registro eletrônico de controle de penas e medidas de segurança, caso em que a progressão ficará condicionada ao julgamento do incidente […]

Por tais motivos, o período de permanência no regime mais gravoso, por mora do Judiciário em analisar requerimento de progressão ao modo intermediário de cumprimento da pena, deverá ser considerado para o cálculo de futuro benefício, sob pena de ofensa ao princípio da dignidade do apenado, como pessoa humana (art. 1°, III, CF) e prejuízo ao seu direito de locomoção.

Entendo, assim, que o entendimento da Sexta Turma deve alinhar-se à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para estabelecer, como marco para a subsequente progressão, a data em que o reeducando preencheu os requisitos legais do art. 112 da LEP e não aquela em que o Juízo das Execuções, em decisão declaratória, deferiu o benefício ou aquela em que o apenado, efetivamente, foi inserido no regime carcerário, sob pena de constrangimento ilegal ao seu direito de locomoção.

À vista do exposto, não conheço do habeas corpus. Mas, ao analisar o seu teor, constato a existência de patente ilegalidade e concedo a ordem de ofício, para cassar o acórdão recorrido e restabelecer a decisão do Juízo das Execuções.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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