STJ: a assistência pela Defensoria Pública robustece a presunção de hipossuficiência
No AgRg no REsp 2.139.228-MG, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “o fato de o apenado ser assistido pela Defensoria Pública robustece a presunção de sua hipossuficiência, ao corroborar o prognóstico acerca da sua conjuntura socioeconômica, sendo tal circunstância apta a justificar a declaração de extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da reprimenda, não obstante o inadimplemento da pena de multa”.
Informações do inteiro teor:
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. 1.519.777/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, Terceira Seção, DJe 10/9/2015 – Tema 931), assentou a tese de que “nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”.
Entretanto, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n. 9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento obsta a extinção da punibilidade do apenado. (ADI 3.150, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. para acórdão Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-170 divulg. 5/8/2019 public. 6/8/2019).
Após o julgamento da referida ação constitucional, foi dada nova redação ao art. 51 do Código Penal, alteração legislativa promovida pela Lei n. 13.964/2019, passando o dispositivo legal a estabelecer que, “transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”.
Em decorrência do entendimento firmado pelo STF, bem como em face da mais recente alteração legislativa sofrida pelo artigo 51 do Código Penal, o Superior Tribunal de Justiça, reviu a tese anteriormente aventada no Tema 931, para assentar que, “na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”.
Essa já era a compreensão adotada pelo STF acerca da primazia das penas pecuniárias quanto aos delitos compreendidos no âmbito da criminalidade econômica. Percebe-se ser manifesto o endereçamento prioritário da decisão proferida na ADI 3.150/DF àqueles condenados por crimes de colarinho branco, que possuem condições financeiras de adimplir com a satisfação da pena pecuniária, de modo que o seu não pagamento constitui deliberado descumprimento de decisão judicial e implica sensação de impunidade.
Por tal razão, em nova apreciação da matéria, esta Corte reviu o entendimento consolidado no julgamento dos Recursos Especiais Representativos da Controvérsia n. 1.785.383/SP e 1.785.861/SP – Tema 931 (Rel. Ministro Rogerio Schietti, Terceira Seção, DJe 21/9/2021), assentando a seguinte tese: “na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”.
Ocorre que a necessidade de prévio e minucioso exame das condições econômico-financeiras do reeducando angariou novos contornos a partir da recente compreensão da Terceira Seção desta Corte acerca do Tema 931. Em tal oportunidade, o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento segundo o qual, “[o] inadimplemento da pena de multa, após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não obsta a extinção da punibilidade, ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada, que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária” (REsp 2.024.901/SP, Ministro Rogerio Schietti, Terceira Seção, DJe de 1/3/2024.).
É importante salientar que a imposição de barreiras ao reconhecimento da extinção da punibilidade dos condenados notoriamente pobres frustra fundamentalmente os fins a que se prestam a imposição e a execução das reprimendas penais, e contradiz a inferência lógica do princípio isonômico (art. 5º, caput, da Constituição Federal), segundo o qual desiguais devem ser tratados de forma desigual.
Não se desconhece a compreensão segundo a qual “[n]em todos os processados criminalmente, patrocinados pela Defensoria Pública, são hipossuficientes. No direito penal, é obrigatória a assistência jurídica integral ao réu, mesmo que ele tenha condições financeiras de contratar advogado particular, mas opte por não fazê-lo” (HC 672.632, DJe de 15/06/2021).
Todavia, nos termos do entendimento consolidado no Recurso Especial Repetitivo n. 2.024.901/SP, a hipossuficiência do apenado é passível de presunção, de modo que a assistência pela Defensoria Pública, em verdade, corrobora o prognóstico acerca da conjuntura socioeconômica do apenado. De toda sorte, é oportuno salientar que tal presunção se caracteriza por sua natureza iuris tantum, comportando a apresentação de prova em contrário pelo Parquet, bem como sua elisão, a partir de fundamentada decisão judicial.
A esse respeito, aliás, o Superior Tribunal de Justiça referendou o transbordamento da sedimentada compreensão acerca da presunção de hipossuficiência ao exame do adimplemento da multa em caso de progressão de regime. Na oportunidade, preservou-se a higidez de acórdão em que “[o] Tribunal de origem manteve a decisão que concedera a progressão de regime ao recorrido, à míngua do pagamento de multa, por entender que a autodeclaração de hipossuficiência e o fato de o apenado ser assistido pela Defensoria Pública são elementos aptos a comprovar a sua incapacidade financeira” (AgRg no REsp 2.118.258/RO, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 15/5/2024).
Dessa forma, no caso, a presunção de hipossuficiência do apenado foi robustecida pelo exercício de sua defesa técnica pela Defensoria Pública estadual, o que confere legalidade à declaração de extinção da punibilidade pelo cumprimento integral da reprimenda, não obstante o inadimplemento da pena de multa.
Leia a ementa:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. TEMA 931. CUMPRIMENTO DA SANÇÃO CORPORAL. PENDÊNCIA DA PENA DE MULTA. CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE OU DE RESTRITIVA DE DIREITOS SUBSTITUTIVA. INADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSOS ESPECIAIS REPRESENTATIVOS DA CONTROVÉRSIA N. 2.090.454/SP E 2.024.901/SP. PATROCÍNIO DA DEFESA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. ROBUSTECIMENTO DA PRESUNÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REVOLVIMENTO PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. 1.519.777/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 10/9/2015), assentou a tese de que “nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”. 2. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150 (Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-170 divulg. 5/8/2019 public. 6/8/2019), o STF firmou o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n. 9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento obsta a extinção da punibilidade do apenado. Tal compreensão foi posteriormente sintetizada em nova alteração do referido dispositivo legal, pela Lei n. 13.964/2019. 3. Em decorrência do entendimento firmado pelo STF, bem como em face da mais recente alteração legislativa sofrida pelo artigo 51 do Código Penal, o STJ, no julgamento dos Recursos Especiais Representativos da Controvérsia n. 1.785.383/SP e 1.785.861/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 21/9/2021), reviu a tese anteriormente aventada no Tema n. 931, para assentar que, “na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”. 4. Entretanto, a necessidade de prévio e minucioso exame das condições econômico-financeiras do reeducando angariou novos contornos a partir da recente compreensão da Terceira Seção desta Corte Superior acerca do Tema n. 931. Em tal oportunidade, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de voto de minha relatoria, assentou entendimento segundo o qual, “[o] inadimplemento da pena de multa, após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não obsta a extinção da punibilidade, ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada, que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária” (REsp n. 2.024.901/SP, Terceira Seção, DJe de 1/3/2024.) 5. A esse respeito, não desconheço a compreensão segundo a qual “[n]em todos os processados criminalmente, patrocinados pela Defensoria Pública, são hipossuficientes. No direito penal, é obrigatória a assistência jurídica integral ao réu, mesmo que ele tenha condições financeiras de contratar advogado particular, mas opte por não fazê-lo” (HC n. 672.632, DJe de 15/06/2021.). Entretanto, nos termos do entendimento consolidado no julgamento dos Recursos Especiais Representativos da Controvérsia n. 2.090.454/SP e 2.024.901/SP, a hipossuficiência do apenado é, consoante já mencionado, passível de presunção, de modo que a assistência pela Defensoria Pública, argumento elencado pelas instâncias ordinárias, em verdade, corrobora o prognóstico acerca da conjuntura socioeconômica do apenado. De toda sorte, é oportuno salientar que tal presunção se caracteriza por sua natureza iuris tantum, comportando a apresentação de prova em contrário pelo Parquet, bem como sua elisão, a partir de fundamentada decisão judicial. Dessa forma, trata a hipótese de presunção da hipossuficiência do apenado, o que foi, ainda, robustecido diante do apontado exercício de sua defesa técnica pela Defensoria Pública estadual, a afastar a asseverada ilegalidade da decisão impugnada. 6. Em recente julgamento, esta Corte Superior referendou o transbordamento da sedimentada compreensão acerca da presunção de hipossuficiência ao exame do adimplemento da multa em caso de progressão de regime. Na oportunidade, o Superior Tribunal de Justiça preservou a higidez de acórdão em que “[o] Tribunal de origem manteve a decisão que concedera a progressão de regime ao recorrido, à míngua do pagamento de multa, por entender que a autodeclaração de hipossuficiência e o fato de o apenado ser assistido pela Defensoria Pública são elementos aptos a comprovar a sua incapacidade financeira” (AgRg no REsp n. 2.118.258/RO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 15/5/2024.) 7. Ademais, consoante já concluiu esta Corte Superior, em conjuntura assemelhada, “o Tribunal de origem manteve a decisão do Juízo da Execução Penal que extinguiu a punibilidade, pois constatada a hipossuficiência do apenado. Rever os fundamentos utilizados pela Corte Estadual, a fim de decidir se houve ou não a comprovação da hipossuficiência, seria necessário revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ” (AgRg no REsp n. 2.120.823/CE, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, DJe de 14/6/2024.) 8. Agravo regimental provido para negar provimento ao recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais. (AgRg no REsp n. 2.139.228/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 6/6/2025.)
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Constituição Federal, art. 5º, caput;
Código Penal, art. 51;
Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984), art. 1º.
Precedentes Qualificados
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição Extraordinária nº 27 de 29 de julho de 2025 – leia aqui.
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