STJ: a agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea “f”, do CP, aplica-se ao crime de abandono material
No Processo em segredo de justiça, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “a agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal, aplica-se ao crime de abandono material quando este ocorre em contexto de relações domésticas e de coabitação”.
Informações do inteiro teor:
A agravante do art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal é de natureza objetiva e visa a recrudescer a censurabilidade da conduta delitiva em contextos de relações de proximidade e vulnerabilidade intensificada. As relações domésticas referem-se àquelas estabelecidas entre membros de um núcleo familiar, independentemente de vínculo consanguíneo, sendo suficiente a convivência sob laços de afetividade e assistência mútua. Trata-se de conceito amplo, abrangendo situações em que há dependência material ou emocional, sendo prescindível a existência de parentesco formal.
A coabitação, por sua vez, denota a partilha de um mesmo espaço habitacional, caracterizando uma convivência sob o mesmo teto que, por sua própria natureza, propicia um ambiente de controle e influência recíproca. É nesse cenário de proximidade cotidiana que se potencializam os riscos de abusos e violências, o que justifica, sob a ótica do legislador, a exacerbação da resposta penal quando da prática de ilícitos sob essas circunstâncias.
No que tange ao abandono material, tipificado no art. 244 do Código Penal, cuida-se de crime omissivo próprio, cuja consumação prescinde de resultado naturalístico, bastando a conduta negativa do agente em prover os meios de subsistência aos seus dependentes legais. A reprovabilidade do tipo penal assenta-se na quebra do dever jurídico de assistência material, especialmente em contextos de vulnerabilidade acentuada.
A análise dos fundamentos normativos da agravante permite vislumbrar que sua aplicação transcende a mera constatação de vínculo familiar ou de coabitação. A prevalência de relações domésticas ou de convivência sob o mesmo teto, quando utilizada como instrumento de controle, dominação ou abuso para perpetração do abandono material, eleva a reprovabilidade da conduta.
No caso em análise, a situação de abandono e negligência ficou evidenciada, pois as vítimas (crianças em situação de extrema vulnerabilidade) eram submetidas a condições de vida indignas, marcadas pela privação de alimentação adequada, falta de higiene básica e ausência de cuidados médicos essenciais. A coabitação entre os acusados (a mãe e o padrasto) e as vítimas é aspecto determinante para a aplicação da referida majorante. Isso porque, a convivência sob o mesmo teto, revela que a exposição das crianças à situação de abandono se dava em ambiente doméstico, espaço que, por natureza, deveria representar segurança e proteção.
Nesse contexto, a responsabilidade dos acusados, por serem os responsáveis diretos, transcende a mera obrigação legal de sustento, alcançando o campo da tutela integral e contínua, que se manifesta no dever de cuidado, zelo e assistência. Com efeito, o vínculo de convivência doméstica acentua a gravidade da omissão, uma vez que a exposição constante das vítimas à situação de negligência reforça a vulnerabilidade, potencializando os efeitos deletérios da conduta omissiva.
Diante desse panorama, indiscutível a aplicação da agravante, haja vista a coexistência dos requisitos normativos previstos no art. 61, II, f, do Código Penal: (i) a relação de coabitação entre agentes e vítimas; (ii) a preexistência de um vínculo doméstico que impunha aos acusados o dever de amparo e proteção; e (iii) a perpetração do abandono material no ambiente familiar, agravando a situação de vulnerabilidade das crianças.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Código Penal (CP), arts. 61, II, f e 244
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 856, de 5 de agosto de 2025 (leia aqui).
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