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Evinis Talon

STF: possibilidade de aplicação do princípio da insignificância para caso em que não há reincidência específica

06/05/2020

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Decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 126866, julgado em 02/06/2015 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

Habeas corpus. 2. Furto (artigo 155, § 4º, inciso IV, do CP). Bens de pequeno valor (sucata de peças automotivas, avaliadas em R$ 4,00). Condenação à pena de 2 anos e 4 meses de reclusão. 3. Registro de antecedentes criminais (homicídio). Ausência de vínculo entre as infrações. Não caracterização da reincidência específica. 4. Aplicação do princípio da bagatela. Possibilidade. Precedentes. Peculiaridades do caso. 5. Reconhecida a atipicidade da conduta. 6. Ordem concedida para trancar a ação penal na origem, ante a aplicação do princípio da insignificância. (HC 126866, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 19-06-2015 PUBLIC 22-06-2015)

Leia a íntegra do voto do Relator Min. Gilmar Mendes:

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): No caso concreto, discute-se a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância em virtude de suposta prática de furto de bens avaliados em R$ 4,00 (quatro reais).

Registro que, na Turma, tenho-me posicionado, juntamente com Sua Excelência o Ministro Celso de Mello, na possibilidade de aplicação do princípio da bagatela em casos a envolver reincidentes. Cito o HC 112.400/RS de minha relatoria, DJe 8.8.2012 e o HC 116.218/MG, rel. originário min. Gilmar Mendes, redator do acórdão min. Teori Zavascki.

No entanto, as turmas do STF já se posicionaram no sentido de afastar a aplicação do princípio da insignificância a acusados reincidentes ou de habitualidade delitiva comprovada: HC 97.007/SP, rel. min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 31.3.2011; HC 101.998/MG, rel. min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 22.3.2011; HC 102.088/RS, rel. min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 21.5.2010 e HC 112.597/PR, rel. min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 10.12.2012.

Não obstante o STJ ter decidido a questão em conformidade com a jurisprudência desta Corte, reconheço, em princípio, plausibilidade à tese sustentada pela impetrante.

Em casos análogos, esta Suprema Corte tem reconhecido, por inúmeras vezes, a possibilidade de aplicação do referido princípio. A propósito, menciono os seguintes precedentes:

“HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. VALOR DOS BENS SUBTRAÍDOS. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. CONTUMÁCIA DE INFRAÇÕES PENAIS CUJO BEM JURÍDICO TUTELADO NÃO É O PATRIMÔNIO. DESCONSIDERAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado ‘princípio da insignificância’ e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que ‘a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa’ (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. Trata-se de furto de um engradado que continha vinte e três garrafas vazias de cerveja e seis cascos de refrigerante, também vazios, bens que foram avaliados em R$ 16,00 e restituídos à vítima. Consideradas tais circunstâncias, é inegável a presença dos vetores que autorizam a incidência do princípio da insignificância. 4. À luz da teoria da reiteração não cumulativa de condutas de gêneros distintos, a contumácia de infrações penais que não têm o patrimônio como bem jurídico tutelado pela norma penal não pode ser valorada, porque ausente a séria lesão à propriedade alheia (socialmente considerada), como fator impeditivo do princípio da insignificância. 5. Ordem concedida para restabelecer a sentença de primeiro grau, na parte em que reconheceu a aplicação do princípio da insignificância e absolveu o paciente pelo delito de furto”. (HC 114.723/MG, rel. min. Teori Zavascki, 2ª Turma, DJe 12.11.2014);

“HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME DE FURTO. LIVROS DE BIBLIOTECA DE UNIVERSIDADE FEDERAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. O valor irrisório dos bens furtados – cinco livros da Biblioteca de Universidade Federal –, a restituição do objeto do crime à vítima, a ausência de violência, de grave ameaça ou de circunstâncias desfavoráveis, autorizam, na hipótese, a aplicação do princípio da insignificância com o trancamento da ação penal. 3. Ordem concedida”. (HC 116.754/CE, rel. min. Rosa Weber, 1ª Turma, DJe 6.12.2013).

É bem verdade que neste caso o paciente já havia cumprido pena por crime de homicídio, o qual fora cometido há aproximadamente dez anos, e encontrava-se em liberdade condicional quando ocorreu o novo delito.

No entanto, não vislumbro característica de criminoso contumaz, porquanto ausente o vínculo entre as infrações, isto é, o delito contra a vida executado anteriormente não torna o acusado reincidente específico nos crimes contra o patrimônio. Além disso, destaco que o delito foi cometido sem emprego de violência ou grave ameaça.

Saliento ainda, por oportuno, que o réu foi preso em flagrante delito e permaneceu cautelarmente encarcerado por 7 (sete) meses, mesmo diante da possibilidade do reconhecimento da insignificância à conduta praticada.

Reconheço que incide, na espécie, o postulado da bagatela, porquanto não é razoável que o Direito Penal e todo o aparelho do estado-polícia e do estado-juiz movimentem-se para atribuir relevância à hipótese de furto de duas peças de sucata que estavam em um terreno particular, avaliadas em R$ 4,00 (quatro reais). Isso porque, ante o caráter eminentemente subsidiário que o Direito Penal assume, impõe-se sua intervenção mínima, somente devendo atuar na proteção dos bens jurídicos de maior relevância e transcendência para a vida social. Em outras palavras, não cabe ao Direito Penal — como instrumento de controle mais rígido e duro que é — ocupar-se de condutas insignificantes, que ofendam com o mínimo grau de lesividade o bem jurídico tutelado.

Ademais, as circunstâncias do caso demonstram a presença dos vetores traçados pelo Supremo Tribunal Federal para configuração do mencionado princípio, quais sejam: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica causada (cf. HC n. 84.412/SP, rel. min. Celso de Mello, 2ª Turma, unânime, DJe 19.11.2004).

Dessarte, tenho que – a despeito de restar patente a existência da tipicidade formal (perfeita adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal) – não incide, no caso, a tipicidade material, que se traduz na lesividade efetiva e concreta ao bem jurídico tutelado.

Nesses termos, concedo a ordem para cassar as decisões emanadas do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e trancar a Ação Penal n. 0439.11.013903-7 (0139037- 66.2011.8.13.0439), da Vara Criminal da Comarca de Muriaé/MG, ante a aplicação do princípio da insignificância.

É como voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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