Decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no RHC 105920, julgado em 08/05/2012 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
E M E N T A: RECURSO ORDINÁRIO EM “HABEAS CORPUS” – CRIME CONTRA A HONRA – QUEIXA-CRIME – INSTRUMENTO DE MANDATO JUDICIAL QUE NÃO PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 44 DO CPP – OMISSÃO SOBRE A NECESSÁRIA REFERÊNCIA INDIVIDUALIZADORA DO FATO CRIMINOSO – IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO – CONSUMAÇÃO DO PRAZO DECADENCIAL (CPP, ART. 38) – RECONHECIMENTO DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO ORA RECORRENTE E CONSEQUENTE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – RECURSO PROVIDO. (RHC 105920, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 08/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
Leia a íntegra do voto do Ministro Celso De Mello:
V O T O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator):
O exame da pretensão recursal em causa, no ponto em que se alega nulidade decorrente da ausência da formalidade imposta pelo art. 44 do CPP, revela assistir razão ao ora recorrente.
É que o instrumento de mandato judicial outorgado ao ilustre Advogado do querelante (fls. 22) não preenche os requisitos inscritos no art. 44 do CPP, eis que se refere, genericamente, a “graves injúrias” atribuídas ao querelado, ora recorrente, omitindo-se, no entanto, sobre a necessária referência individualizadora do fato criminoso, o que não se revela em conformidade com a orientação firmada pela jurisprudência desta Suprema Corte (Inq 1.197/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – Inq 1.238/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – Inq 1.418/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Inq 1.610/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Inq 1.875/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Na realidade, a ação penal privada, para ser validamente ajuizada , depende, entre outros requisitos essenciais, da estrita observância, por parte do querelante, da formalidade imposta pelo art. 44 do CPP, que exige constem da procuração a indicação do nome do querelado e a menção expressa ao fato criminoso, bastando, para tanto, quanto a esta determinação, que o instrumento de mandato judicial contenha, ao menos , referência individualizadora do evento delituoso (RT 729/463), mostrando-se dispensável, em consequência – consoante diretriz prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RT 605/384 – RT 631/384) –, a descrição minuciosa ou a menção pormenorizada do fato.
Esse entendimento – que se reflete na jurisprudência dos Tribunais em geral (RT 432/285 – RT 443/442 – RT 492/353 – RT 514/334 – RT 740/543) – encontra suporte em autorizado magistério doutrinário (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 50, 14ª ed., 1998, Saraiva; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Processo Penal”, vol. 1/466, item n. 3, 11ª ed., 1989, Saraiva; HÉLIO TORNAGHI, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. I, tomo 2º, p. 89, 1956, Forense; ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA, “Crimes contra a Honra”, p. 143, item n. 4, 1995, Saraiva; E. MAGALHÃES NORONHA, “Curso de Direito Processual Penal”, p. 35, item n. 13, 19ª ed., 1989, Saraiva; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 125, item n. 12.2, 2ª ed., 1998, Saraiva, v.g.).
Cumpre analisar, de outro lado, o argumento deduzido pelo Ministério Público Federal no sentido de que “a presença do querelante na audiência de conciliação, ocasião em que ele não aceitou o pedido de desculpas do querelado e pugnou pelo prosseguimento da ação penal (fls. 23), basta para evidenciar seu interesse na persecução penal quanto ao fato objeto da ação penal e, em conseqüência, suprir eventual defeito da procuração ” (grifei).
Tenho para mim, quanto a esse aspecto da questão, que, mesmo se se considerassem sanados os defeitos da procuração judicial pela presença do querelante na audiência de conciliação, ainda assim o prosseguimento da ação penal contra o ora recorrente encontraria óbice de natureza legal, considerada a circunstância – que também tenho por relevante – de que não se revela lícito ao querelante promover, a qualquer tempo, a regularização do instrumento de mandato judicial por efeito do que dispõe o art. 568 do CPP.
Essa providência já não mais se mostrava juridicamente viável, ao tempo da audiência de conciliação, em virtude da consumação, “in albis”, do prazo decadencial de seis (6) meses a que se refere o art. 38 do CPP, eis que referida audiência só foi realizada no dia 26/11/2008 (fls. 23), ou seja, mais de um (01) ano e oito (08) meses após a data em que supostamente consumado o delito atribuído ao ora recorrente (fls. 19).
A medida em questão somente se revelaria possível se a alegada omissão pudesse ser suprida dentro do prazo decadencial definido em lei (CP, art. 103), consoante adverte DAMÁSIO E. DE JESUS (“Código de Processo Penal Anotado”, p. 50, 14ª ed., 1998, Saraiva), com fundamento em diretriz firmada pela jurisprudência dos Tribunais (RT 432/285 – RT 514/334 – RT 539/322 – RT 544/380 – RT 545/378), notadamente aquela emanada desta Suprema Corte:
“(…) CRIME CONTRA A HONRA. QUEIXA-CRIME . INSTRUMENTO DE MANDATO JUDICIAL . INOBSERVÂNCIA DO ART. 44 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO. CONSUMAÇÃO DO PRAZO DECADENCIAL. EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO PENAL. – A ação penal privada, para ser validamente ajuizada, depende, entre outros requisitos essenciais, da estrita observância, por parte do querelante, da formalidade imposta pelo art. 44 do CPP, que exige constem da procuração a indicação do nome do querelado e a menção expressa ao fato criminoso, bastando, para tanto, quanto a esta exigência, que o instrumento de mandato judicial contenha, ao menos, referência individualizadora do evento delituoso (RT 729/463), mostrando-se dispensável, em conseqüência – consoante diretriz prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RT 605/384 – RT 631/384) –, a descrição minuciosa ou a menção pormenorizada do fato. Doutrina. Precedentes. – A mera outorga de mandato com a cláusula ‘ad judicia’ – tendo-se presente o que dispõe o art. 44 do CPP (que exige poderes especiais) – desatende as finalidades impostas por essa norma legal. Embora supríveis as omissões (CPP, art. 568), a regularização do instrumento de mandato judicial somente poderá ocorrer se ainda não consumada a decadência do direito de queixa (RT 609/444), pois, decorrido, ‘in albis’, o prazo decadencial sem a correção do vício apontado, impor-se-á o reconhecimento da extinção da punibilidade do querelado. Precedentes . ” (Inq 1.418/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Com o decurso, “in albis”, do prazo decadencial sem que, nele, o querelante houvesse suprido, tempestivamente, a omissão referida, impõe-se, no caso ora em exame, o reconhecimento da extinção da punibilidade do querelado, ora recorrente, consoante entendimento jurisprudencial prevalecente no Supremo Tribunal Federal (RT 609/444).
Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, dou provimento ao presente recurso ordinário, para invalidar, desde a origem, o procedimento penal instaurado contra Stefano Porto da Silva (Processo-crime nº 2007.041.003757-9 – Vara Única da comarca de Paraty/RJ) e declarar extinta a sua punibilidade (CP, arts. 103 e 107, IV, e CPP, arts. 38 e 44), por efeito da consumação, na espécie, do prazo decadencial.
É o meu voto.
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