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Evinis Talon

STF: Crime praticado no interior de organização militar impede a aplicação do princípio da insignificância

05/05/2019

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Decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 135674, julgado em julgado em 27/09/2016 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. CONSUMAÇÃO INDEPENDENTEMENTE DA POSSE MANSA E PACÍFICA DA COISA. DECISÃO IMPUGNADA EM PERFEITA CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. CRIME PRATICADO NO INTERIOR DE ORGANIZAÇÃO MILITAR. ELEVADO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. I – A decisão ora questionada está em perfeita consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que a consumação do furto ocorre no momento da subtração, com a inversão da posse da res, independentemente, portanto, de ser pacífica e desvigiada da coisa pelo agente. Precedentes. II – O elevado grau de reprovabilidade de conduta criminosa praticada por militar no interior de organização militar impede a aplicação do princípio da insignificância. III – O trancamento da ação penal, em habeas corpus, constitui medida excepcional que só deve ser aplicada nos casos de manifesta atipicidade da conduta, de presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou de ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, o que não ocorre na situação sob exame. IV – Habeas Corpus denegado. (HC 135674, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 27/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-218 DIVULG 11-10-2016 PUBLIC 13-10-2016)

Confira a íntegra do voto:

V O T O

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Bem examinados os autos, tenho que é caso de denegação da ordem.

Eis a ementa do acórdão ora atacado:

 “EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. MPM. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ART. 240 DO CPM. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. IMPUTAÇÃO LASTREADA EM SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO. PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E FRAGMENTARIEDADE NÃO APLICÁVEIS AO CASO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. UNÂNIME. 1. Ao rejeitar a Denúncia pelo crime de furto, a magistrada singular asseverou que a subtração e a restituição da res ocorreram em um lapso temporal exíguo de forma que a coisa sequer teria saído da esfera de vigilância da vítima. Sendo assim, não haveria abalo ao patrimônio do Ofendido. 2. Com efeito, a justa causa para a ação penal consiste na necessidade de um lastro probatório mínimo de prova para o exercício da ação penal, ou seja, indícios de autoria e prova de materialidade, o que se denota ao caso vertente. Além do mais, a denúncia apresentou suporte de causalidade entre a conduta do denunciado e o crime imputado, cujas particularidades serão apuradas oportunamente no deslinde da instrução criminal. 3. Diante das particularidades trazidas aos autos, não há de considerar pertinente o Princípio da Intervenção Mínima, também conhecido como ultima ratio, tampouco o da Fragmentariedade, pois esses não se aplicam à conduta penalmente relevante, como o caso destes autos. 4. Recurso conhecido e provido. Decisão unânime”

Conforme relatado, a impetrante pretende que seja reconhecida, no caso sob exame, a falta de justa causa para a ação penal, tendo em vista que a res furtiva foi devolvida à vítima, bem como a aplicação do princípio da insignificância.

Sem razão, contudo.

No caso concreto, a denúncia dá conta de que o paciente, “de forma dolosa, livre e consciente, subtraiu, em proveito próprio, o aparelho telefônico pertencente ao Soldado Eric Douglas Silva Moreira, avaliado em R$ 690,00”. (pág. 68 do documento eletrônico 2).

Consta ainda, no inquérito policial militar, que o paciente “confessou que pegou o celular no chão do alojamento e o repassou para outro militar, pelo valor de R$ 200,00 (duzentos reais)”. (pág. 74 do documento eletrônico 2).

Verifico que o fato narrado não apresenta situação apta a afastar a tipicidade da conduta descrita como furto. Na melhor das hipóteses, estaria configurado o arrependimento eficaz.

Vê-se, dessa forma, que o entendimento adotado pelo Superior Tribunal Militar está em perfeita consonância com a jurisprudência desta Corte.

Desde o julgamento, pelo Plenário, do RE 102.490/SP, Rel. Min. Moreira Alves, a jurisprudência desta Corte tem entendido que a consumação do roubo ocorre no momento da subtração, com inversão da posse da res, independentemente, portanto, da posse pacífica e desvigiada da coisa pelo agente.

Eis a ementa desse julgado:

 “Roubo. Momento de sua consumação. – O roubo se consuma no instante em que o ladrão se torna possuidor da coisa móvel alheia subtraída mediante grave ameaça ou violência. – Para que o ladrão se torne possuidor, não é preciso, em nosso direito, que ele saia da esfera de vigilância do antigo possuidor, mas, ao contrário, basta que cesse a clandestinidade ou a violência, para que o poder de fato sobre a coisa se transforme de detenção em posse, ainda que seja possível ao antigo possuidor retomá-la pela violência, por si ou por terceiro, em virtude de perseguição imediata. Aliás, a fuga com a coisa em seu poder traduz inequivocamente a existência de posse. E a perseguição – não fosse a legitimidade do desforço imediato – seria ato de turbação (ameaça) à posse do ladrão. Recurso extraordinário conhecido e provido”.

No mesmo sentido é o entendimento em relação ao crime de furto, no qual menciono precedentes das duas Turmas deste Supremo Tribunal:

 “HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA NO CASO. CONTUMÁCIA DELITIVA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. PACIENTE MONITORADO POR SISTEMA ELETRÔNICO DE VIGILÂNCIA. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DA POSSE MANSA E PACÍFICA DA COISA FURTADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA MODALIDADE TENTADA. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. O paciente retirou a coisa móvel da esfera de disponibilidade da vítima e, ainda que por um curto período, teve a livre disposição da coisa, moldura fática suficiente para, na linha de precedentes desta Corte, caracterizar o crime de furto na modalidade consumada. 2. Na hipótese em que o sistema de vigilância não inviabiliza, mas apenas dificulta a consumação do crime de furto, não há que falar na incidência do instituto do crime impossível por ineficácia absoluta do meio (CP, art. 17). Precedentes. 3. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado “princípio da insignificância” e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 4. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo,de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que ‘a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa’ (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 5. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade é indispensável, portanto, averiguar a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo, a fim de apurar se o fato imputado, que é formalmente típico, tem ou não relevância penal. Esse contexto social ampliado certamente comporta, também, juízo sobre a contumácia da conduta do agente. 6. Não se pode considerar atípica, por irrelevante, a conduta formalmente típica, de delito contra o patrimônio, praticada por paciente que possui condenações anteriores transitadas em julgado, sendo uma delas por crime contra o patrimônio. 7. Ordem denegada” (HC 114.877/MG, Rel. Min. Teori Zavascki. Segunda Turma).

“HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO CONTRA ACÓRDÃO UNÂNIME DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. FURTO A RESIDÊNCIA MEDIANTE ESCALADA. MOMENTO DE CONSUMAÇÃO DO DELITO DE FURTO. 1. Para a consumação do furto, é suficiente que se efetive a inversão da posse, ainda que a coisa subtraída venha a ser retomada em momento imediatamente posterior. Jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal. 2. Ordem denegada” (HC 114.329/RS, Rel. Min. Roberto Barroso. Primeira Turma).

Ressalto, ainda, que a doutrina também tem reconhecido que “a consumação do crime de roubo se perfaz no momento em que o agente se torna possuidor da res furtiva, subtraída mediante violência ou grave ameaça, independentemente de sua posse mansa e pacífica” (in: BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado, 8ª. ed, São Paulo: Saraiva, 2014, p. 735).

No mesmo sentido foi o parecer do Órgão Ministerial, como se vê no trecho abaixo transcrito:

 “10. Ressalte-se, ademais, que a consumação do crime de furto perfaz-se no momento em que o agente obtém a posse da res furtiva , ainda que não seja mansa e pacífica, sendo prescindível que o objeto do crime saia da esfera de vigilância da vítima. Nesse norte, cumpre transcrever o seguinte jugado: ‘E M E N T A: 1. Roubo: consumação. A jurisprudência do STF, desde o RE 102.490, 17.9.87, Moreira Alves, dispensa, para a consumação do furto ou do roubo, o critério da saída da coisa da chamada “esfera de vigilância da vítima” e se contenta com a verificação de que, cassada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da “res furtiva”, ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata; com mais razão, esta consumado o crime se, como assentado no caso, não houve perseguição, resultando a prisão dos agentes, pouco depois da subtração da coisa, a circunstância acidental de o veículo, em que se retiravam do local do fato, ter apresentado defeito mecânico. (HC 69.753, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma)’. 11 Por último, esvai-se a arguição da falta de justa causa para a instauração da ação penal, dada a restituição imediata da res furtiva , porquanto ‘A restituição do bem furtado à vítima não leva à aplicação do princípio da insignificância e à atipicidade material da conduta imputada, mas está prevista como atenuante da pena a ser imposta pelo juiz quando proferir a sentença, nos termos do art. 240, caput, $ $ 1° e 2°, do Código Penal Militar.”. Confira-se: ‘[…] A restituição do bem furtado à vítima não leva à aplicação do princípio da insignificância e à atipicidade material da conduta imputada, mas está prevista como atenuante da pena a ser imposta pelo juiz quando proferir a sentença, nos termos do art. 240, caput, § § 1° e 2°, do Código Penal Militar. Precedentes. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como, a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 4. Impossibilidade de incidência, na espécie vertente, do princípio da insignificância. Bem furtado dentro das instalações de instituição militar e de valor quase três vezes e meia o valor do salário mínimo da data dos fatos. 5. Ordem denegada. (HC 112224, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma)’” (página 7 do documento eletrônico 11).

Entendo, ainda, não ser aplicável o princípio da insignificância ao presente caso. Em situação idêntica, a Primeira Turma afastou tal aplicação, tendo em vista o elevado valor do bem furtado e “a alta reprovabilidade da conduta do militar que se aproveita do ambiente da caserna para subtrair aparelho celular de um colega de farda”, litteris:

 “HABEAS CORPUS. FURTO. MILITAR. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ELEVADA REPROVABILIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando não só o valor do dano decorrente do crime, mas igualmente outros aspectos relevantes da conduta imputada. 2. O elevado valor do bem furtado, avaliado acima do salário mínimo da época dos fatos, e a alta reprovabilidade da conduta do militar que se aproveita do ambiente da caserna para subtrair aparelho celular de um colega de farda inviabilizam, na hipótese, a aplicação do princípio da bagatela. Precedentes. 3. Aos militares cabe a guarda da lei e da ordem, competindolhes o papel de guardiões da estabilidade, a serviço do direito e da paz social, razão pela qual deles se espera conduta exemplar para o restante da sociedade, o que não se verificou na espécie. 4. Ordem denegada” (HC 123.393/DF, Rel. Min. Rosa Weber. Primeira Turma).

Ademais, o trancamento da ação penal, em habeas corpus , constitui medida excepcional que só deve ser aplicada nos casos de manifesta atipicidade da conduta, de presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou de ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, o que não ocorre na situação sob exame.

Ante o exposto, denego a ordem.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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