STF afasta criminalização da atuação funcional de juízes e promotores
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), afastou o enquadramento, como crime de prevaricação, da atuação dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que, no exercício de suas atividades funcionais e com amparo em interpretação da lei e do direito, sustentem posição discordante da defendida por outros membros ou atores sociais e políticos. O entendimento foi fixado em liminar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 881, que será levada a referendo do Plenário.
A ação foi ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), cujo intuito era afastar a possibilidade de incidência do crime de prevaricação à atividade de livre convencimento motivado dos membros do Ministério Público e do Poder Judiciário.
“Crime de hermenêutica”
O artigo 319 do Código Penal (CP) considera como crime praticado por funcionário público “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Segundo a Conamp, o tipo prescrito dispositivo pode ser utilizado para a criminalização de manifestações e de decisões dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público fundadas em interpretação jurídica do ordenamento jurídico – o chamado “crime de hermenêutica”.
Independência funcional
Ao deferir parcialmente a cautelar, Toffoli assinalou que a Constituição Federal assegura a autonomia e a independência funcional ao Poder Judiciário e ao Ministério Público no exercício de suas funções (artigos 99 e 127, respectivamente). Essa prerrogativa garante aos seus membros manifestar posições jurídico-processuais e proferirem decisões sem o risco de sofrerem ingerência ou pressões político-externas.
Nesse sentido, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman – Lei complementar 35/1979) garante aos magistrados o direito de não serem punidos ou prejudicados pelas opiniões que manifestarem ou pelo teor das decisões que proferirem, à exceção dos casos de impropriedade ou excesso de linguagem. A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993), por sua vez, assegura “inviolabilidade pelas opiniões que externar ou pelo teor de suas manifestações processuais ou procedimentos, nos limites de sua independência funcional”.
Para o relator, é imperativo que se afaste qualquer interpretação do artigo 319 do CP que venha a enquadrar as posições jurídicas dos membros do Judiciário e do Ministério Público – “ainda que ‘defendam orientação minoritária, em discordância com outros membros ou atores sociais e políticos’ – em mera ‘satisfação de interesse ou sentimento pessoal’”. Segundo ele, essa interpretação viola frontalmente os preceitos da Constituição que garantem a independência funcional do Poder Judiciário e do Ministério Público e a autonomia funcional dos membros dessas instituições, “em franca violação, também, ao Estado Democrático de Direito”.
Toffoli ponderou, porém, que isso não afasta eventual responsabilização penal de magistrados e de membros do MP no caso de dolo ou fraude sobre os limites éticos e jurídicos de suas funções, causando prejuízos a terceiros e obtendo vantagem indevida para si ou para outrem.
CPP
O deferimento da liminar foi parcial, porque o relator não acolheu o segundo pedido formulado pela Conamp, que busca a fixação de interpretação de dispositivos do Código de Processo Penal (CPP) para excluir a possibilidade de deferimento de medidas na fase de investigação, sem pedido ou manifestação prévia do Ministério Público. Para Toffoli, essa parte trata de “matéria de elevada complexidade”, que ainda requer maior reflexão e cuja análise não apresenta a mesma urgência.
Leia a íntegra da decisão.
Fonte: Supremo Tribunal Federal (STF) – leia aqui.
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