Presunção de inocência e prisão
Um dos principais princípios relacionados à prisão é o da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição. Ao tratar desse princípio, Lopes Jr. (2012, p. 778) diz que, na sua dimensão interna:
[…] é um dever de tratamento imposto – primeiramente – ao juiz, determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador (pois, se o réu é inocente, não precisa provar nada) e que a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição; ainda na dimensão interna, implica severas restrições ao (ab)uso das prisões cautelares (como prender alguém que não foi definitivamente condenado?).
Esse princípio também está previsto no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e no art. 8º, item 2, do Pacto de São José da Costa Rica.
Se o investigado ou réu já é presumidamente inocente para fins de sentença, com muito mais razão, deve-se reconhecer a presunção de inocência no que concerne à aplicação de alguma medida cautelar, especialmente das prisões cautelares (prisão preventiva e prisão temporária).
Nesse diapasão, no plano ideal, havendo dúvidas sobre os indícios de autoria e de materialidade, seria incabível a determinação da prisão cautelar, porque se trata de medida extrema dentro de algo que, por si só, também é extremo (o processo penal).
Um grande problema surgiu com as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a execução provisória da pena, inicialmente no Habeas Corpus (HC) 126.292 e, posteriormente, em julgamento de cautelares nas ações declaratórias de constitucionalidade nº 43 e 44.
No que concerne ao HC 126.292, o STF decidiu o seguinte:
CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado.(HC 126292, Relator(a): Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016)
Noutras palavras, o STF considera que a execução provisória da pena não viola o princípio da presunção de inocência. Assim, basta a decisão condenatória de segunda instância para que se inicie a execução da pena, pois os recursos interpostos ao STF e ao STJ não são um obstáculo para a execução imediata dessa decisão.
Como lembra Rosa (2017, p. 572), “a depender, então, dos jogadores, cabe antecipar essa variável, para o fim de eleição da estratégia dominante”. Significa que a defesa já deve considerar a probabilidade de que ocorra a execução provisória da pena, evitando ser surpreendida e, especialmente, que o acusado seja inesperadamente preso.
É imprescindível observar uma distinção relevante. O que o STF decidiu não é o mero cabimento da prisão preventiva após decisão em segundo grau. Como é sabido, sempre foi possível a prisão preventiva nesse momento e, inclusive, antes disso, até mesmo durante a instrução ou no inquérito policial.
A novidade jurisprudencial consiste em considerar que é possível determinar a execução da pena nessa fase. Assim, criou-se uma prisão quase automática, porque seria executada a pena – e não apenas avaliada a presença dos fundamentos da prisão preventiva – após a condenação em segundo grau.
É perceptível que a defesa deve sempre alegar o descabimento da execução provisória da pena, por violação ao princípio da presunção da inocência.
Pelo princípio da proporcionalidade, doutrinariamente considerado implícito na Constituição Federal, a prisão, sobretudo de caráter cautelar, deve ser aplicada apenas quando for necessária, se nenhuma outra medida se mostrar suficiente.
Nessa linha, a prisão cautelar é a última alternativa dentro do processo penal, que aplica o Direito Penal, reconhecidamente a “ultima ratio”. Sendo cabível outra forma de acautelar o processo – como uma medida cautelar diversa da prisão –, é preferível que o Juiz a aplique, deixando de decretar a prisão preventiva.
Não é por outro motivo que o art. 282 do Código de Processo Penal permite a prisão preventiva somente se for necessária e adequada ao caso concreto.
Ademais, também como princípio que rege a prisão no Brasil, tem-se a necessidade de fundamentação (princípio da motivação), prevista no art. 5º, LXI, da Constituição.
Essa fundamentação necessita ser por escrito, não bastando a mera ordem oral.
Destarte, em caso de sentença condenatória, ainda que o réu tenha permanecido preso durante todo o processo, a fundamentação de eventual manutenção da prisão preventiva precisa ser explícita. Não basta, por exemplo, que o juiz utilize termos como “considerando que o réu permaneceu preso no processo, deve ser mantida a prisão cautelar”.
REFERÊNCIA:
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 4. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.
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