Precisamos de heróis no processo penal?
Num dia desses, pensava em como estamos torcendo pelo jovem Gabriel Jesus, jogador do Manchester City. Passei a pesquisar sobre esse jogador, ver os seus jogos etc. Olhando um site que notifica as principais jogadas de cada partida, percebi que todas as postagens referentes a esse jogador possuíam muitas aprovações, mas as outras postagens não eram tão aceitas.
Assim, percebi que estamos sempre procurando um novo herói no futebol. Passando por Robinho, Neymar e, agora, Gabriel Jesus, sempre queremos encontrar o “novo Pelé”.
Fora do futebol, isso não tem sido diferente. Estamos desmotivados pela falta de confiança em alguma figura que seja, concomitantemente, popular, competente e honesta.
Os vários escândalos políticos evoluíram de milhares para milhões de reais, chegando agora aos bilhões.
A crise de efetivação dos direitos sociais impulsiona discursos propondo o aumento da repreensão de atos corruptivos, considerando que as verbas públicas desviadas poderiam ser aplicadas em saúde, educação, segurança e geração de empregos, por exemplo.
O clamor público pede que tenhamos alguém que “passe o Brasil a limpo”. Entrementes, a classe política está desacreditada, já que muitos políticos estão envolvidos nos fatos anteriormente narrados.
Destarte, pensa-se que a solução – o herói – deve vir de fora da política. Na verdade, imagina-se que deve ser alguém que não apenas melhore o Brasil, mas também puna os responsáveis pelo “status quo”.
Nessa linha, as primeiras figuras imaginadas estão no âmbito do processo penal, mormente Juízes/Desembargadores/Ministros e Promotores/Procuradores. Seriam eles os heróis do Brasil, em quem devemos depositar nossas esperanças? Por meio do processo penal, praticarão atos de heroísmo?
Some-se a isso a sensação de insegurança e impunidade – uma situação de anomia –, que constitui um ambiente fértil para que se defenda incisivamente que a solução do Brasil deve ocorrer por meio das Ciências Criminais.
O fato de vivermos em uma era na qual o medo é facilmente disseminado e tem um papel de destaque – como muito bem descreveu Zygmunt Bauman no livro “Tempos líquidos – faz com que pareça ser possível superarmos nosso medo apenas por meio do instrumento punitivo mais severo do Estado: a pena.
No processo penal, instauram-se lógicas casuísticas de que existem casos excepcionais em que os nossos pretensos heróis podem fazer o que for necessário, ainda que ofendam a Constituição e o restante da legislação, desde que punam severamente os vilões. Sobre esse tema, já escrevi em outro texto sobre não haver casos excepcionais no processo penal (leia aqui).
Ao contrário do que propõe o senso comum, não precisamos de heróis no processo penal. Não necessitamos de autoridades fotogênicas que passem o Brasil a limpo ou algo semelhante. Os “superpoderes” desses heróis, quando se confundem com ilegalidades e arbitrariedades, convertem os “nossos salvadores” em vilões.
Caso pareça haver uma batalha entre heróis e vilões, admitindo-se qualquer tipo de arma, teremos vários derrotados: a Constituição, a democracia, os direitos fundamentais…
No processo penal, mais do que heróis, precisamos de cumpridores da Constituição. Aliás, talvez quem consiga resistir aos clamores públicos e atuar no processo penal sem sucumbir aos interesses de autopromoção seja, de fato, um herói. Em algumas instituições ávidas por holofotes, quem resiste é a exceção. Nesse caso, precisamos desse herói.
Leia também: