Os policiais devem avisar sobre o direito ao silêncio na abordagem?
Um dos pontos mais importantes para a defesa penal (técnica e autodefesa) é a possibilidade de escolher a melhor estratégia possível, especialmente quanto às declarações do indivíduo que, futuramente, poderá ser condenado. Dessa forma, o advogado ou defensor público deve orientar o defendido sobre as posturas que pode adotar, isto é, negar, confessar ou ficar em silêncio. Contudo, nem sempre existe uma defesa técnica ao lado para fornecer essa orientação. Dessa forma, a informação sobre o direito ao silêncio deveria ocorrer em todos os momentos em que o indivíduo possa falar algo que prejudique sua situação.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que “a legislação processual penal não exige que os policiais, no momento da abordagem, cientifiquem o abordado quanto ao seu direito em permanecer em silêncio (Aviso de Miranda), uma vez que tal prática somente é exigida nos interrogatórios policial e judicial” (AgRg no HC n. 809.283/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/5/2023, DJe de 24/5/2023). Vale lembrar que o Aviso de Miranda é uma prática adotada nos EUA e consiste em informar aos detidos sobre seus direitos, o que inclui o direito ao silêncio.
Se refletirmos um pouco, veremos que a informação sobre o direito ao silêncio na abordagem policial é mais necessária que a cientificação no interrogatório judicial. Afinal, no primeiro caso, raramente haverá um advogado para mencionar essa opção para o suspeito. Por outro lado, no interrogatório judicial, o réu necessariamente terá advogado, defensor público ou defensor dativo, possivelmente recebendo orientações desde a apresentação da resposta à acusação.
Noutras palavras, na abordagem policial, não há um defensor para avisar sobre o direito ao silêncio, mas no interrogatório judicial obrigatoriamente haverá uma defesa técnica, de modo que o aviso feito pelo juiz será apenas para garantir a ciência do direito ao silêncio, reiterando o que o defensor provavelmente já havia dito.
Com isso, evidentemente, não se pretende reduzir a importância do aviso sobre o direito ao silêncio na audiência, que é extremamente importante, haja vista que nem sempre haverá um defensor técnico competente ao lado do réu. Trata-se apenas de uma comparação entre um momento em que a jurisprudência entende que não é necessário o aviso (abordagem policial) e outro em que a jurisprudência conclui, acertadamente, que há necessidade do aviso (interrogatório judicial), demonstrando, por conseguinte, que, com mais razão, deveria ser exigido o aviso na abordagem policial.
Ainda que se alegue que a menção sobre o direito ao silêncio somente é necessária nos momentos formais de fala (interrogatórios policial e judicial), deve haver uma ampliação para os momentos informais (abordagem policial), que, como é sabido, poderão ensejar uma série de consequências na persecução final. Ressalta-se que os policiais que participam da abordagem normalmente informam, no inquérito e no processo, por meio dos seus depoimentos, aquilo que foi dito pelo indivíduo abordado, contribuindo para eventual condenação, sobretudo quando ocorre “mudança de versão” quando se compara a fala do suspeito na abordagem com os interrogatórios posteriores.
Dessa forma, conclui-se que a cientificação sobre o direito ao silêncio na abordagem policial, como verdadeiro Aviso de Miranda, é necessária e deveria gerar o reconhecimento da ilegalidade em caso de descumprimento, porque eventual declaração nesse momento – sem defesa técnica -, chegando ao inquérito e ao processo por declarações dos policiais, terá o condão de contribuir para futura condenação.
Vale destacar que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará se o Estado deve informar ao preso o direito ao silêncio na abordagem policial, sob pena de ilicitude da prova. O tema será julgado no RE 1177984, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1185). Trata-se de julgamento de suma importância para rechaçar a confissão informal realizada na abordagem policial sem a cientificação do direito ao silêncio.
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