Notícia publicada no site do Ministério Público Federal no dia 02 de abril de 2019 (leia aqui).
A Força Tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo ofereceu denúncia nesta terça-feira (2) contra o ex-presidente da República Michel Temer pelo crime de lavagem de dinheiro. Segundo a acusação, Temer, com o auxílio de seu amigo João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, e de Maria Rita Fratezi, mulher do coronel, pagou em espécie, com dinheiro de corrupção, a reforma da casa da filha Maristela Temer no bairro nobre de Alto de Pinheiros, na zona oeste da Capital.
A reforma custou R$ 1,6 milhão, e o dinheiro usado nas obras, segundo a denúncia, é fruto de pagamento de propinas e desvios nas obras da Usina Nuclear de Angra 3,em Angra dos Reis (RJ) – objeto de denúncia da Lava Jato no Rio de Janeiro no último dia 29, relativa à Operação Descontaminação.
A acusação de lavagem de dinheiro na reforma da casa de Maristela Temer é agravada, segundo a denúncia, pelo fato de a reforma ter sido paga com dinheiro de crimes praticados por organização criminosa, cuja formação e atividades foram detalhadas na denúncia do Quadrilhão do PMDB, oferecida pela Procuradoria-Geral da República em 2017 e ampliada pelo MPF no Distrito Federal em abril do ano passado.
O coronel Lima é uma espécie de “faz-tudo” de Temer há quase 40 anos. A relação profissional de ambos começou, segundo a denúncia do MPF, entre 1982 e 1984, quando Temer assumiu o cargo de Procurador Geral do Estado de São Paulo, no governo Montoro, e, posteriormente, o de Secretário da Segurança Pública, tendo o coronel como assessor militar.
Já a relação de Temer com a Argeplan, empresa pertencente ao coronel Lima, começa há pouco mais de 30 anos, em 1988, com uma obra no escritório político do então deputado federal. À medida que Temer cresce politicamente, a empresa do coronel começa a usufruir de grandes contratos públicos, em especial na Secretaria de Segurança Pública, a qual Temer reassumiu no governo Fleury, após o massacre do Carandiru, em 1992.
A investigação realizada pela Procuradoria-Geral da República e pela Polícia Federal no âmbito do inquérito 4621, que tramitou no Supremo Tribunal Federal enquanto Temer era Presidente da República, aponta um controle dos pagamentos feitos pela Argeplan para Temer. Foram encontradas planilhas, por exemplo, de 1998, demonstrando o pagamento das despesas do escritório político de Temer. Foi no ano de 1998 que Lima assumiu o controle societário da Argeplan, da qual já era procurador com plenos poderes desde 1995.
Até pelo menos 2016, a Argeplan era responsável pelo pagamento do aluguel do escritório político de Temer no mesmo bairro de Alto de Pinheiros. Em julho de 2016, Lima escreve para um advogado, pedindo a rescisão do contrato do escritório. Segundo o contrato de aluguel do local, Temer era o locatário e o coronel era o fiador.
Para a FT da Lava Jato em São Paulo não há dúvidas de que a Argeplan era uma empresa “dedicada a administrar os recursos ilícitos obtidos por Michel Temer, seja operando esquemas de lavagem, seja servindo como local de entregas de propina em dinheiro vivo” para o ex-presidente.
A menção à propina se deve ao fato de o escritório da Argeplan, na Vila Madalena, ter sido o local de entrega de duas remessas de propina pagas em 2014 pela JBS e pela empreiteira Odebrecht, cujo valor somado é de R$ 2,4 milhões.
Lavagem por meio de reforma
Segundo a denúncia, o “Quadrilhão do MDB” arrecadou propina da Engevix para que a empresa assumisse as obras de engenharia de Angra 3 por meio da AF Consult Brasil, empresa criada com consultoria de Lima, que desviou quase R$ 11 milhões em recursos públicos destinados às obras da usina termonuclear, sendo R$ 10 milhões da Argeplan e R$ 1,1 milhão da PDA (outra empresa de Lima), fato que foi objeto de denúncias da Lava Jato RJ, e mais R$ 1 milhão pago pela J&F em espécie (fato narrado em ação que corre no DF). Essa corrupção e desvios ocorreram entre 2012 e 2016 e a reforma entre 2013 e 2014, como forma de lavar o dinheiro fruto dos crimes.
O dinheiro ilícito foi transformado em pagamento para os serviços de reforma residencial efetivamente prestados à filha de Temer.
De acordo com a denúncia do MPF, as investigações apuraram compras realizadas em nome de Maria Rita Fratezi, uso do e-mail da Argeplan em recibos de pagamentos de materiais e de serviços para a obra, uso de funcionários da empresa do coronel, intermediações de compras e serviços pelo próprio Lima e até mesmo mensagens de whatsapp, para tratar de pagamentos referentes à obra, entre Maristela e Maria Rita.
Ouvidos no inquérito, os profissionais envolvidos na reforma confirmaram ter recebido pagamentos em dinheiro pelas obras ou materiais de construção fornecidos. As trocas de mensagens entre Maristela e Maria Rita, mulher de Lima, em julho de 2014, reveladas na busca e apreensão dos aparelhos, deixam claro que os valores gastos nas obras eram de conhecimento do então vice-presidente da República e do coronel Lima e que algumas despesas dependiam da aprovação de Temer.
A denúncia apresentada reúne recibos, documentos e trocas de mensagens que demonstram o alegado pela FT da Lava Jato em São Paulo. Caso a denúncia seja recebida e Temer e os demais acusados venham a ser condenados, a pena para o crime de lavagem de dinheiro é de 3 a 10 anos de prisão.
A denúncia protocolada nesta terça-feira (2) foi encaminhada para livre distribuição a uma das varas especializadas em crimes financeiros e lavagem de dinheiro da Justiça Federal Criminal de São Paulo e o caso foi atribuído à 6ª Vara e autuado com o número 0003466-97.2019.4.03.6181.
Leia aqui a íntegra da denúncia.
Outros casos em SP
Mais três investigações que tramitavam no STF foram distribuídos para a Procuradoria da República em São Paulo. A FT da Lava Jato em São Paulo está responsável por mais dois casos:
1) Superfaturamento e serviços não executados pelo consórcio Argeplan/Concremat, contratado por cerca de R$ 100 milhões, em obras no Tribunal de Justiça de São Paulo;
2) Pagamento de R$ 17,7 milhões da Construbase à PDA, uma das empresas do coronel João Baptista Lima Filho, parceladas em 58 transações realizadas entre 2010 a 2015. E o contrato entre a Argeplan e Fibria Celulose, de R$ 15,5 milhões.
O caso envolvendo um contrato fictício de prestação de serviços no Porto de Santos, envolvendo a empresa Armazéns Pérola, foi distribuído à Procuradoria da República em Santos.
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