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Evinis Talon

Delito de extorsão e ameaça espiritual (Informativo 598 do STJ)

20/01/2019

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No REsp 1.299.021-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/2/2017, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que configura o delito de extorsão (art. 158 do CP) a conduta de agente que submete vítima à grave ameaça espiritual que se revelou idônea a atemorizá-la e compeli-la a realizar o pagamento de vantagem econômica indevida (clique aqui).

Informações do inteiro teor:

Cinge-se a controvérsia a saber se a grave ameaça de mal espiritual pode configurar o crime de extorsão. O trabalho espiritual, quando relacionado a algum tipo de credo ou religião, pode ser exercido livremente, porquanto a Constituição Federal assegura a todos a liberdade de crença e de culto.

No entanto, na hipótese dos autos, houve excesso no exercício dessa garantia constitucional, com o intuito de obter vantagem econômica indevida, o que caracteriza o crime do art. 158 do CP. A acusada, de uma situação inicial, em que foi voluntariamente provocada a realizar atendimento sobrenatural para fins de cura, interpelou a vítima em diversas oportunidades e a convenceu, mediante ardil, a desembolsar vultosas quantias para realizar outros rituais, não solicitados.

Fez a vítima acreditar que estava acometida de mal causado por entidades sobrenaturais e que seria imprescindível sua intervenção, solicitando, para tanto, vultosas quantias. Mesmo depois de expresso pedido de interrupção dos rituais, modificou a abordagem inicial e passou a empregar grave ameaça de acabar com a vida da vítima, seu carro e de causar dano à integridade física de seus filhos, para forçá-la a desembolsar indevida vantagem econômica.

A ameaça de mal espiritual, em razão da garantia de liberdade religiosa, não pode ser considerada inidônea ou inacreditável. Para a vítima e boa parte do povo brasileiro, existe a crença na existência de força ou forças sobrenaturais, manifestada em doutrinas e rituais próprios, não havendo falar que são fantasiosas e que nenhuma força possuem para constranger o homem médio. Os meios empregados foram idôneos, tanto que ensejaram a intimidação da vítima, a consumação e o exaurimento da extorsão.

Confira a ementa do REsp 1.299.021/SP:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO E EXTORSÃO. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. SÚMULA N. 284 DO STF. ART. 599 DO CPP. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. MAL ESPIRITUAL. INEFICÁCIA DA AMEAÇA NÃO CONFIGURADA. VÍTIMA QUE, COAGIDA, EFETUOU O PAGAMENTO DA INDEVIDA VANTAGEM ECONÔMICA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DO ART. 284 DO CP. SÚMULA N. 7 DO STJ. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. VIOLAÇÃO DO ART. 59 DO CP NÃO CONFIGURADA. PENA SUPERIOR A 4 ANOS E INFERIOR A 8 ANOS DE RECLUSÃO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. OBSERVÂNCIA ART. 33, § 2°, “B”, DO CP. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL. PREJUDICIALIDADE DO PEDIDO. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO IMEDIATA DA PENA. ENTENDIMENTO DO PLENÁRIO VIRTUAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL NA TUTELA PROVISÓRIA JULGADO PREJUDICADO.
1. O recurso especial que indica a violação do art. 619 do CPP sem especificar a tese que deixou de ser analisada no acórdão recorrido, é deficiente em sua fundamentação e atrai a aplicação do óbice da Súmula n. 284 do STF.
2. Inviável o conhecimento da tese de malferimento do art. 599 do Código de Processo Penal se o acórdão recorrido não emitiu juízo de valor expresso sobre o conteúdo do dispositivo federal ou sobre a tese jurídica que se busca discutir na instância excepcional. Eventual ofensa ao princípio da correlação não pode nem sequer ser acolhida de ofício, pois a recorrente foi julgada estritamente pelos fatos narrados na denúncia, ainda que o Ministério Público não haja pleiteado, expressamente, a aplicação do art. 71 do CP.
3. A alegação de ineficácia absoluta da grave ameaça de mal espiritual não pode ser acolhida, haja vista que, a teor do enquadramento fático do acórdão, a vítima, em razão de sua livre crença religiosa, acreditou que a recorrente poderia concretizar as intimidações de “acabar com sua vida”, com seu carro e de provocar graves danos aos seus filhos; coagida, realizou o pagamento de indevida vantagem econômica. Tese de violação do art. 158 do CP afastada.
4. O pedido de aplicação do princípio da consunção não foi deduzido nas contrarrazões do apelo do Ministério Público, na apelação criminal da defesa e tampouco por ocasião da oposição dos embargos de declaração e, por tal motivo, deixou de ser enfrentado pelo Tribunal de origem, o que caracteriza a ausência de prequestionamento e impede, no ponto, o conhecimento do recurso especial.
5. Não há, na dinâmica dos fatos descritos pelo Tribunal de origem, elemento que autorize, de plano, o acolhimento da tese de que a recorrente agiu com o intuito de, com fórmulas e rituais, resolver os problemas de saúde supostados pela vítima., praticando, em verdade, o crime de curandeirismo. Para afastar a conclusão da instância ordinária, de que a recorrente, desde o início, valeu-se da liberdade de crença da vítima e de sua fragilidade para obter vantagem patrimonial indevida, seria necessário reexaminar fatos e provas, providência incabível no recurso especial, a teor da Súmula n. 7 do STJ.
6. Devidamente motivada a fixação da reprimenda inicial acima do mínimo legal, não há falar em violação do art. 59 do CP. Em relação ao crime de estelionato, o acórdão registrou que a recorrente “explorou os sofrimentos da vítima, bem como obteve ganhos expressivos”, elementos que justificam o acréscimo da pena-base em apenas 2 meses de reclusão. Quanto ao crime de extorsão, a instância ordinária exasperou a reprimenda em 8 meses de reclusão, haja vista que a recorrente, além de consumar a extorsão, obteve com a conduta o proveito de R$ 20.000,00. Correta a mais severa fixação da pena nesta hipótese, quando comparada, por exemplo, com a conduta de agente que consuma a extorsão, mas não exaure o crime, vale dizer, não obtém a indevida vantagem econômica que desejava.
7. Por força do concurso material, as penas foram aplicadas de forma cumulativa, não havendo reparo a ser feito no regime inicial semiaberto, que observou o art. 33, § 2°, “b”, do CP.
8. Julgado o recurso especial, sem êxito, não há falar em atribuição de excepcional efeito suspensivo ao reclamo para obstar a execução imediata da pena, providência que está em consonância com entendimento firmado pelo Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 964.246, sob a sistemática da repercussão geral. Agravo Regimental na Tutela Provisória no Recurso Especial prejudicado.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, não provido. Agravo regimental prejudicado.
(STJ, Sexta Turma, REsp 1299021/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/02/2017)

Leia também:

  • Informativo 638 do STJ: É nula a sentença proferida de forma oral e degravada parcialmente sem o registro das razões de decidir (leia aqui)
  • Informativo 637 do STJ: crime contra o sistema financeiro e a competência da Justiça Federal (leia aqui)
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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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