Fundamentos constitucionais da investigação criminal defensiva
O art. 5º, LV, da Constituição Federal, prevê que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Ainda que não mencione expressamente, trata-se de um importante fundamento da investigação criminal defensiva.
O exercício da defesa técnica não pode ser limitado à concordância do Delegado de Polícia quanto ao deferimento de diligências postuladas pelo Advogado no inquérito policial.
Com precisão, Nery Junior (2010, p. 249) afirma:
Feitas as alegações, os titulares da garantia da ampla defesa têm o direito à prova dessas mesmas alegações. De nada adiantaria garantir-se a eles com uma mão o direito de alegar e subtrair-lhes, com a outra, o direito de fazer prova das alegações. O direito à prova, pois, está imbricado com a ampla defesa e dela é indissociável.
O art. 5º, LIV, da Constituição Federal, traz um dos trechos mais importantes para o processo penal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
A melhor forma de consolidar o devido processo legal e evitar que alguém seja privado da liberdade de forma ilegal é permitir que o maior interessado – o réu – tenha meios de contribuir ativamente para o processo e para a futura decisão.
Ainda no art. 5º da Constituição Federal, o inciso LXXV destaca que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. Evitar o erro judiciário é uma das grandes motivações do Advogado que instaura e conduz uma investigação criminal defensiva, buscando provas e contrariando as autoridades policiais, ministeriais e judiciais.
Aliás, ninguém tem mais interesse em evitar o erro judiciário do que o investigado/réu e seu Advogado. Se for prolatada uma condenação que desconsidere provas que poderiam ter sido produzidas pela defesa, quem sofrerá as consequências de uma pena privativa de liberdade será o condenado. Por outro lado, o acusador e o julgador dificilmente serão punidos e nunca pedirão desculpas àquele que sofreu o erro. É a liberdade do acusado que permanece em jogo diante da possibilidade de erro judiciário.
A presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição Federal) também é um fundamento da atuação defensiva. Ora, existindo a presunção de inocência, deve-se permitir ao titular desse direito a possibilidade de participar ativamente para que a presunção seja mantida.
Ademais, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), tão invocada genericamente para solucionar todos os problemas, deveria ser observada no processo penal.
No exercício da ampla defesa, não se pode limitar as manifestações do Advogado às questões jurídicas. Deve-se humanizar o processo, demonstrando que o investigado ou réu é uma pessoa concreta. Não se pode admitir o tratamento do acusado como um objeto em que são despejados todos os medos e desejos de vingança da sociedade por meio da força do Estado.
Conforme Carnelutti (2009. p. 9-10):
Considerar o homem como uma coisa: pode haver uma fórmula mais expressiva de incivilidade? No entanto, é o que ocorre, infelizmente, em nove de cada dez vezes no processo penal. Na melhor das hipóteses, os que se vão ver trancados numa cela como animais no jardim zoológico parecem homens fictícios ao invés de homens de verdade. E se alguém se dá conta de que são homens de verdade, parece a si que se tratam de homens de outra raça ou, poderíamos dizer, de outro mundo. Este que pensa dessa maneira não lembra, quando assim sente, a parábola do publicano e do fariseu, e não suspeita que sua mentalidade é propriamente a do fariseu: eu não sou como este.
O exercício da ampla defesa é um lembrete ao Juiz: o réu também é um ser humano, tanto quanto ele, com a diferença de que se encontra submetido a um processo criminal e com possibilidade concreta de sofrer uma pena.
Também amparada no direito de defesa, a súmula vinculante n. 14 do Supremo Tribunal Federal ressalta o papel da defesa técnica, mormente na investigação policial, ao afirmar que é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
Ora, nada mais óbvio que possibilitar que o Advogado conheça os elementos contra o seu constituinte. Para defender adequadamente, é necessário conhecer o que existe contra quem é defendido.
Como visto, há inúmeros fundamentos constitucionais que amparam o direito de defesa e, portanto, a utilização da investigação criminal defensiva:
- contraditório e a ampla defesa, principalmente por meio de uma defesa efetiva, e não meramente formal;
- o devido processo legal;
- permitir que o maior interessado no caso contribua para evitar o erro judiciário;
- a dignidade da pessoa humana, para que, de fato, o acusado seja visto como um ser humano real, de carne e osso, cuja vida está em julgamento;
- a súmula vinculante n. 14 do STF, que reitera o direito de ter ciência do teor da investigação, o que, em última análise, destina-se a possibilitar uma reação adequada.
Se conduzida corretamente, a investigação criminal defensiva ampliará a compreensão que se tem sobre os direitos mencionados, poderá evitar o tratamento objetificado do réu e reduzirá as chances de erros judiciários.
Referências:
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. Carlos Eduardo Trevelin Millan. São Paulo: Editora Pilares, 2009.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
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