Há uma estranha independência formal entre inquérito policial e processo penal.
Normalmente, a jurisprudência reconhece que o inquérito policial tem uma independência formal em relação à fase judicial da persecução criminal, razão pela qual as “irregularidades” ocorridas no inquérito não afetariam o processo. Utiliza-se como argumento o fato de que o inquérito policial tem como principal função formar a convicção do Ministério Público para eventual arquivamento ou promoção de uma denúncia.
Esse argumento é estranho, porque sabemos que, apesar dessa suposta independência formal entre inquérito e processo, não há o desentranhamento do inquérito policial após o oferecimento e recebimento da denúncia.
Em outras palavras, em que pese a alegação de que o inquérito seria formalmente independente do processo penal, ele sempre permanece nos autos acompanhando a denúncia e sendo analisado pelo Magistrado no momento da prolação da sentença.
Portanto, essa independência é apenas relativa. Ora, se normalmente se fala que o inquérito policial é independente do processo penal, por que ele continua acompanhando o processo?
Alguns doutrinadores defendem a permanência do inquérito policial nos autos, outros defendem o desentranhamento, porque pode influenciar o julgador, além do fato de que os elementos contidos na investigação são produzidos sem contraditório (a jurisprudência fala que há um “contraditório diferido ou postergado”).
Por outro lado, há outros pontos que demonstram uma tentativa de independência do inquérito em relação ao processo. Como exemplo, citamos o art. 155 do Código de Processo Penal, que afirma que o Juiz não poderá fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvados os casos de provas cautelares, não repetíveis e antecipadas:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Portanto, com exceção das três hipóteses previstas no final do supracitado dispositivo legal, é preciso fundamentar a decisão, de forma total ou parcial, naquilo que foi produzido em juízo mediante contraditório. Em outras palavras, não é possível fundamentar a decisão exclusivamente nos elementos do inquérito, ainda que eles possam ser parte da fundamentação (desde que não seja exclusiva).
Aliás, interpretando o art. 155 do CPP em conjunto com a presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição Federal) e a hipótese de absolvição por falta de provas (art. 386, VII, do CPP), entende-se que não é possível a decisão CONDENATÓRIA com base apenas nos elementos do inquérito, considerando que, diante da falta de provas, sempre será possível a absolvição.
Em suma, a jurisprudência afirma que há uma independência entre inquérito policial e processo para considerar que as ilicitudes praticadas naquele não contaminam este. Entretanto, o inquérito, que, apesar de dispensável (art. 39, §5º, do CPP), quase sempre acompanha a denúncia, é mantido nos autos e pode ser utilizado como complemento para fundamentar uma acusação, desde que não seja o fundamento exclusivo.
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