Execução penal: 11 teses do STJ sobre remição (com comentários)
Periodicamente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publica uma edição da “Jurisprudência em Teses”, um conjunto de entendimentos fixados pelo Tribunal. Na edição nº 12, o STJ reuniu onze entendimentos sobre a remição da pena.
Os arts. 126 a 130 da Lei de Execução Penal (LEP) disciplinam a remição da pena, que consiste na consideração, como tempo de pena efetivamente cumprido, do período em que o condenado trabalhou ou estudou, de acordo com as regras proporcionais de cada situação.
A seguir, farei breves comentários sobre cada entendimento do STJ:
1) Há remição da pena quando o trabalho é prestado fora ou dentro do estabelecimento prisional, uma vez que o art. 126 da Lei de Execução Penal não faz distinção quanto à natureza do trabalho ou quanto ao local de seu exercício (HC 206313/RJ, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Quinta Turma, Julgado em 05/12/2013, DJE 11/12/2013).
COMENTÁRIO. Conquanto os arts. 36 a 39 da LEP prevejam regras específicas para o trabalho interno e para o externo, com maior rigor para o deferimento deste, o art. 126 não cria limitações no que concerne à remição. Condicionar o deferimento da remição da pena ao exercício do trabalho em determinado lugar (interno ou externo) seria criar uma limitação não prevista na lei.
Portanto, para a remição da pena, exige-se somente o trabalho, seja qual for a sua natureza ou o local em que é desempenhado.
2) O tempo remido pelo apenado por estudo ou por trabalho deve ser considerado como pena efetivamente cumprida para fins de obtenção dos benefícios da execução, e não simplesmente como tempo a ser descontado do total da pena (HC 174947/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, Julgado em 23/10/2012, DJE 31/10/2012).
COMENTÁRIO. O art. 128 da LEP, alterado em 2011, dispõe sobre a consequência da remição, declarando que “o tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos.” Ainda assim, houve necessidade de que o STJ analisasse qual é a consequência da declaração da remição, considerando que muitos Juízes ainda subtraem do total da pena os dias remidos.
A questão consiste em analisar se os dias remidos são somados ao tempo de pena já cumprido ou se são subtraídos do total da pena a cumprir. Para o STJ, o total da pena permanece o mesmo, devendo haver a soma dos dias remidos ao tempo de pena cumprido.
Em outras palavras, imaginemos que alguém cumpriu 1 ano de pena de um total de 8 anos. Durante esse primeiro ano de pena, trabalhou 45 dias, sendo deferida a remição de 15 dias (art. 126, §1º, II, da LEP). Nesse caso, de acordo com o STJ e a maioria da doutrina, a guia de execução penal deverá ser alterada para considerar que o apenado já cumpriu 1 ano e 15 dias de pena, permanecendo o total da pena em 8 anos.
3) Não há remição da pena na hipótese em que o condenado deixa de trabalhar ou estudar em virtude da omissão do Estado em fornecer tais atividades (HC 175718/RO, Rel. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE), Sexta Turma, Julgado em 05/12/2013, DJE 16/12/2013).
COMENTÁRIO. Por essa tese, o STJ entende que não haverá o deferimento da remição da pena nos casos em que o apenado não trabalha ou estuda porque o Estado não forneceu meios para isso. Veda-se, portanto, a remição ficta ou presumida.
Trata-se de entendimento criticável.
A um, a inércia estatal na implementação dos meios necessários para o trabalho (interno ou externo) e para os estudos é um evidente descaso com a finalidade ressocializadora da execução penal.
A dois, é uma contradição lógica a previsão de um direito (remição) sem que se possibilite o implemento das condições necessárias (trabalho ou estudo).
A três, há desvio na execução quando o apenado é impossibilitado de exercer plenamente um direito legalmente previsto.
Não se desconsidera o entendimento jurisprudencial pacífico, tampouco o entendimento de ilustres doutrinadores, a exemplo de Renato Marcão, que acreditam não ser cabível a remição ficta. Contudo, acredito ter razão Mirabete (2004, p. 528):
Há assim, uma relação de direitos e deveres entre o Estado e o condenado em virtude da qual a Administração está obrigada a possibilitar o trabalho ao preso e a este compete desempenhar a atividade laborativa. Afirma-se, por isso, que não se desincumbindo o Estado de seu dever de atribuir trabalho ao condenado, poderá este beneficiar-se com a remição mesmo sem o desempenho da atividade. Não cabendo ao sentenciado a responsabilidade por estar ocioso, não pode ser provado do benefício por falha da administração. Comprovando o preso em regime fechado ou semiaberto que estava disposto ao trabalho, mas que por falta de condições materiais ou por desídia do responsável pela omissão, não há como negar o direito à remição pelos dias em que o condenado deveria ter desempenhado seu labor
Interessante, da mesma forma, o entendimento intermediário de Nucci (2011, p. 1042), que defende uma prévia intimação do Estado para suprir a falta de trabalho ou estudo em determinado prazo. Caso não sejam tomadas medidas e o apenado continue à disposição para trabalhar ou estudar, Nucci entende ser aplicável a remição ficta, concedendo ao apenado a remição por dias não trabalhos ou estudados, mas em que esteve disponível para tanto.
4) Nos regimes fechado e semiaberto, a remição é conferida tanto pelo trabalho quanto pelo estudo, nos termos do art. 126 da Lei de Execução Penal (HC 206313/RJ, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Quinta Turma, Julgado em 05/12/2013, DJE 11/12/2013).
5) No regime aberto, a remição somente é conferida se há frequência em curso de ensino regular ou de educação profissional, sendo inviável o benefício pelo trabalho. (HC 277885/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, Julgado em 15/10/2013, DJE 25/10/2013).
COMENTÁRIO. Quanto às teses nº 4 e 5, destaca-se que o art. 126 da LEP não faz distinções quanto ao cabimento da remição da pena pelo trabalho ou pelo estudo aos apenados que cumpram pena nos regimes fechado ou semiaberto.
A única distinção está no regime aberto, em que a remição ocorre apenas pelo estudo, de acordo com o art. 126, §6º, da LEP. Conforme a jurisprudência e parte da doutrina, não seria cabível a remição pelo trabalho no regime aberto, pois o trabalho é uma condição para estar nesse regime (art. 36, §1º, do Código Penal). Além disso, argumentam que não há previsão específica para a remição pelo trabalho no regime, ao contrário da remição pelo estudo.
6) A remição pelo estudo pressupõe a frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, independentemente da sua conclusão ou do aproveitamento satisfatório (HC 289382/RJ, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, Julgado em 08/04/2014, DJE 28/04/2014).
COMENTÁRIO. A remição pelo estudo depende apenas da frequência aos cursos, sendo desnecessária a conclusão ou o aproveitamento satisfatório.
Aliás, o art. 126, §5º, da LEP dispõe que “o tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena […]”. Portanto, a conclusão do curso não é uma exigência para a remição da pena pelo estudo, mas, caso ocorra, aumentará em 1/3 o tempo a remir.
Urge destacar, por derradeiro, que o STJ admite a remição da pena em razão da leitura, independentemente da frequência a cursos (HC 312.486-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 9/6/2015, Dje 22/6/2015).
7) A decisão que reconhece a remição da pena, em virtude de dias trabalhados, não faz coisa julgada nem constitui direito adquirido (REsp 1417326/RS, Rel. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE), Sexta Turma, Julgado em 25/02/2014, DJE 14/03/2014).
COMENTÁRIO. Por meio desse entendimento, permite-se que o Juiz revogue até 1/3 do tempo remido em caso de falta grave praticada pelo apenado (art. 127 da LEP), o que não seria possível caso se considerasse que a decisão faz coisa julgada. Ademais, a súmula vinculante nº 9 do Supremo Tribunal Federal (STF) considera constitucional esse dispositivo legal.
Entendo que deve ser revisto essa tese. Ainda que não se considere que faz coisa julgada a decisão que reconhece a remição da pena, deve-se reputar que o apenado tem um direito adquirido, igualmente protegido contra eventuais retrocessos prejudiciais.
8) Cabe ao juízo da execução fixar a fração aplicável de perda dos dias remidos na hipótese de cometimento de falta grave, observando o limite máximo de 1/3 (um terço) do total e a necessidade de fundamentar a decisão em elementos concretos, conforme o art. 57 da Lei de Execução Penal (HC 248232/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, Julgado em 03/04/2014, DJE 15/04/2014).
COMENTÁRIO. Esse entendimento objetiva evitar a automaticidade da perda dos dias remidos em 1/3. Significa, em outros termos, que o Juiz deverá fundamentar detalhadamente a sua opção, de acordo com a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão (art. 57 da LEP).
A revogação de 1/3 do tempo remido é o patamar máximo, que deve ser adotado apenas em situações excepcionais devidamente justificadas pelo Magistrado.
9) O período de atividade laboral do apenado que exceder o limite máximo da jornada de trabalho (8 horas) deve ser contado para fins de remição, computando-se um dia de trabalho a cada seis horas extras realizadas (HC 216815/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, Julgado em 17/10/2013, DJE 29/10/2013).
10) O período de atividade laboral do apenado que exceder o limite mínimo (6 horas) deve ser contado para fins de remição, computando-se um dia de trabalho a cada seis horas extras realizadas (HC 201634/RS, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Quinta Turma, Julgado em 03/12/2013, DJE 06/12/2013).
COMENTÁRIO. As teses nº 9 e 10 devem ser comentadas conjuntamente.
De início, insta salientar que as duas teses são importantes e garantistas, pois consideram que o tempo de trabalho acima do limite máximo da jornada será contado para fins de remição. Assim, o apenado que superar as 8 horas de trabalho em um dia será beneficiado pela remição em virtude das horas extras.
A diferença está apenas na consideração da jornada mínima (6 horas) ou máxima (8 horas) para o fim de definir quais são as horas extras. Ambas estão previstas no art. 33 da LEP.
Nesse ponto, a tese nº 10 é mais benéfica e garantista, considerando que, após o cumprimento de 6 horas de trabalho em um dia, o excesso será considerado como horas extras, integrando uma nova contagem para fins de remição. Assim, o apenado teria um dia de remição pelas 6 horas trabalhadas (jornada mínima de trabalho) e iniciaria uma nova contagem, no mesmo dia, após a conclusão da 6ª hora de trabalho.
11) A nova redação do art. 127 da Lei de Execução Penal, que prevê a limitação da perda dos dias remidos a 1/3 (um terço) do total no caso da prática de falta grave, deve ser aplicada retroativamente por se tratar de norma penal mais benéfica (HC 230659/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, Julgado em 05/11/2013, DJE 19/11/2013).
COMENTÁRIO. Trata-se de entendimento com reflexos intertemporais. Na redação original do art. 127 da LEP, a punição pela prática de falta grave gerava a perda do total de tempo remido. Com a Lei nº 12.433/11, essa perda passou a ter como limite máximo 1/3 do tempo remido.
Considerando que se trata de norma penal – e não processual -, a sua aplicação retroage aos fatos anteriores a essa lei de 2011, devendo haver o redimensionamento, até o limite de 1/3 do tempo remido, das punições aplicadas com fundamento na redação original do art. 127 da LEP.
Essa tese continua tendo relevância, sobretudo no caso de apenados que começaram a cumprir pena antes de 2011, pois a aplicação retroativa da nova norma benéfica “devolverá”, no mínimo, 2/3 do tempo remido.
BIBLIOGRAFIA:
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal.11. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
NUCCI, Guilherme. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
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