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Evinis Talon

Comentários ao indulto de 2016

23/12/2016

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Comentários ao indulto de 2016

Foi publicado no Diário Oficial da União de hoje (23/12/2016) o Decreto nº 8.940/2016 (veja aqui), também conhecido como Decreto do Indulto de 2016.

Trata-se de Decreto tradicionalmente publicado próximo ao Natal de cada ano. Normalmente, esse Decreto trata da concessão de indulto e comutação.

Nessa apreciação do atual Decreto do Indulto, examinarei, inicialmente, os institutos do indulto e da comutação, principalmente alguns aspectos práticos gerais. Em seguida, comentarei os principais dispositivos do atual Decreto, comparando-o com o Decreto de 2015.

De início, é importante destacar que o indulto é uma causa de extinção da punibilidade (art. 107, II, do Código Penal). Trata-se de direito cujos critérios são definidos anualmente pelo Presidente da República e seu deferimento resulta na extinção da pena de forma coletiva (a todos que se encaixam nas hipóteses descritas).

A comutação, por sua vez, reduz a pena. Significa que a comutação não põe fim ao cumprimento da pena, mas reduz o total da pena. Verifica-se que, diferentemente da remição, cujo deferimento é considerado como pena cumprida, a comutação diminui o total da pena. Em outras palavras, quando a remição é deferida, aumenta-se o tempo de pena cumprida, mas continua idêntico o total da pena, enquanto na comutação ocorre o inverso, ou seja, o tempo de pena cumprida permanece o mesmo, mas o total da pena é reduzido.

Em razão dessa consequência da comutação, as guias de execução penal normalmente possuem dois campos: pena original e pena atual. Se há diferença entre elas, provavelmente a pena atual é o resultado da aplicação da comutação sobre a pena original.

Apesar dos arts. 188 a 193 da Lei de Execução Penal preverem um procedimento específico para a concessão do indulto e da comutação, com a participação do Conselho Penitenciário, a prática tem seguido procedimento distinto.

Normalmente, o pedido é formulado pela defesa (Advogado ou Defensor Público) ao Juízo da Execução Penal ou, não havendo, ao Juízo que prolatou a condenação. Solicita-se o atestado de conduta carcerária ao diretor do estabelecimento prisional. Após a análise do atestado, Ministério Público e Defesa se manifestam, com posterior apreciação pelo respectivo Juízo. Se deferido o indulto, extingue-se a pena, com a correspondente soltura (caso esteja preso) do apenado. Caso deferida a comutação, determina-se a retificação da guia de execução penal. Em ambos os casos, se ocorrer o indeferimento, cabe agravo em execução (art. 197 da Lei de Execução Penal).

Também há comarcas em que o diretor do estabelecimento prisional envia ao Juízo da Execução Penal uma lista dos apenados que, segundo sua avaliação, possuem direito ao indulto. É comum que essa lista seja encaminhada com os respectivos atestados de conduta carcerária dos apenados a serem indultados.

Espera-se que os pedidos sejam formulados assim que publicado o Decreto e passado o lapso temporal (25 de dezembro de 2016), haja vista que, se o apenado se encaixa em alguma das situações descritas no Decreto, cada dia após o Natal de 2016 é um excesso na sua permanência no cárcere.

Salienta-se, por oportuno, que o indulto e a comutação podem ser postulados durante todo o ano. Assim, não há perda desse direito pelo decurso do tempo, motivo pelo qual os atuais pedidos podem ser formulados a partir do dia 25 de dezembro de 2016 até qualquer data posterior.

Por fim, defendo que a sobreposição de novo Decreto do Indulto não impede a análise do indulto e da comutação por meio do Decreto anterior.

Assim, acredito ainda ser possível analisar o cabimento ou não do indulto e da comutação presentes no Decreto de 2015, mesmo com a publicação do Decreto de 2016, desde que se utilize como parâmetro para a análise do requisito temporal o dia 25 de dezembro de 2015. Sendo cabível o indulto pelo Decreto de 2015, será extinta a pena e, na minha opinião, deveria ser apurada – ao menos disciplinarmente – a negligência daqueles que atuaram no PEC e não perceberam o cabimento do indulto (Promotores de Justiça, Defensores Públicos, Juízes e Advogados), os quais causaram a ilegal continuidade da prisão do apenado. Se não for cabível o indulto, mas sendo cabível a comutação por meio do Decreto de 2015, deve esta ser aplicada e, com o seu resultado (pena atual), ser aferido o cabimento do indulto segundo o Decreto de 2016, considerando a pena já reduzida pela comutação de 2015.

Especificamente sobre o Decreto do Indulto de 2016, é importante destacar alguns pontos iniciais.

Havia muita expectativa quanto ao Decreto deste ano. É o primeiro Decreto que trata do indulto publicado pelo atual Presidente Michel Temer. Antes, havia uma sequência de 5 Decretos de Indulto publicados pela ex-Presidente Dilma Roussef. Dessa forma, havia dúvida se o Decreto seguiria a mesma linha ou seria mais ou menos gravoso.

Com poucas exceções, o Decreto do Indulto de 2016 é muito mais gravoso do que os seus antecessores, demonstrando o panorama punitivista pelo qual o Brasil passa.

Um dos fatos mais gravosos e estranhos é o de que, neste ano, não há previsão do cabimento da comutação. O Decreto limitou-se a prever o indulto, não fazendo referência à comutação. Portanto, segundo o Decreto do Indulto de 2016, não seria cabível a aplicação da comutação aos apenados.

Trata-se de um infeliz retrocesso. É o primeiro Decreto brasileiro deste milênio a não prever a comutação. Aliás, a última vez em que foi publicado um Decreto de Indulto sem comutação foi em 1974 (Decreto nº 75.076/74), durante o governo de Ernesto Geisel (leia aqui). Antes disso, em 1973, Emílio Médici publicou Decreto com a concessão de comutação. Portanto, foram 41 Decretos seguidos prevendo anualmente a comutação. Quando o Decreto não mencionava expressamente a palavra “comutação”, ainda assim previa a redução da pena, efeito prático da comutação, como no caso do Decreto do Indulto de 1990.

Entendo que essa omissão da comutação merece uma profunda reflexão.
Considerando a expectativa criada em virtude da consolidação desse direito, resultado dos vários anos em que é concedido, não haveria um retrocesso em termos de direito fundamental? Não poderíamos falar aqui do “efeito cliquet” (vedação ao retrocesso social), como tão bem falam sobre os direitos sociais?

Certamente, muitos doutrinadores e a jurisprudência entenderão que essa omissão no Decreto se trata de uma discricionariedade que se encontra na alçada de decisão do Chefe do Poder Executivo. Em outras palavras, afirmarão que o Presidente da República pode deixar de conceder a comutação, como o fez, por se tratar de uma decisão política.

Entendo, contudo, que não se deve admitir o retrocesso de algo sobre o qual há um consenso básico. Assim, de forma pretensiosa, inauguro aqui uma nova tese defensiva: a impossibilidade de retrocesso quanto aos direitos fundamentais penais, assim como consolidado doutrinária e jurisprudencialmente quanto aos direitos sociais.

Dessa forma, defendo o cabimento da concessão da comutação, em que pese a omissão casuística e premeditada no Decreto de 2016. Para tanto, afirmo que devem ser utilizadas as frações previstas no art. 2º do Decreto do Indulto de 2015 (Decreto nº 8.615/15), quais sejam, um quarto (não reincidentes) e um terço (reincidentes). A data de aferição do cumprimento desses lapsos temporais deve ser 25 de dezembro de 2016, considerando o padrão tradicionalmente adotado.

Uma vez estabelecidas essas bases iniciais, passo a comentar as partes mais importantes do Decreto do Indulto de 2016:

Art. 1º O indulto será concedido às pessoas nacionais e estrangeiras condenadas a pena privativa de liberdade, não substituída por restritivas de direitos ou por multa, que tenham, até 25 de dezembro de 2016, cumprido as condições previstas neste Decreto.

COMENTÁRIO: sobre a possibilidade de concessão às pessoas nacionais e estrangeiras, não há novidade. O Decreto do Indulto de 2015 também previa essa possibilidade.

Contudo, há um ponto extremamente crítico: proibiu-se, de forma absoluta, a concessão do indulto àqueles que tiveram suas penas substituídas por restritivas de direitos ou por multa. No Decreto do Indulto de 2015 havia a possibilidade em tais casos, inclusive com a previsão de incisos específicos. Assim, há um tratamento mais rigoroso no atual Decreto.

É criticável essa mudança, principalmente se considerarmos os pronunciamentos políticos nos quais se falava sobre uma pretensão de punir mais severamente os crimes graves. Nesse caso, pune-se mais severamente alguém que teve a pena substituída por restritiva de direitos, o que, evidentemente, não denota gravidade. 

§ 1º Os requisitos para concessão de indulto serão diferenciados na hipótese de pessoas:
I – gestantes;
II – maiores de 70 anos de idade;
III – que tenham filho ou filha menor de doze anos ou com doença crônica grave ou com deficiência que necessite de seus cuidados diretos;
IV – que estejam cumprindo pena no regime semiaberto ou aberto ou estejam em livramento condicional e tenham frequentado, ou estejam frequentando curso de ensino fundamental, médio, superior, profissionalizante ou de requalificação profissional, na forma do art. 126, caput, da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, ou exercido trabalho, no mínimo por doze meses nos três anos contados retroativamente a 25 de dezembro de 2016;
V – com paraplegia, tetraplegia ou cegueira, desde que tais condições não sejam anteriores à prática do delito e se comprovem por laudo médico oficial ou, na falta deste, por médico designado pelo juízo da execução; ou
VI – acometidas de doença grave e permanente que apresentem grave limitação de atividade e restrição de participação ou exijam cuidados contínuos que não possam ser prestados no estabelecimento penal, desde que comprovada a hipótese por laudo médico oficial ou, na falta deste, por médico designado pelo juízo da execução, constando o histórico da doença, caso não haja oposição da pessoa condenada.

COMENTÁRIO: essas são as pessoas que receberão um tratamento diferenciado na análise do indulto, sobretudo quanto à fração da pena necessária para o seu deferimento.

O Decreto de 2015 não previa a gestante. Assim, sua inclusão 2016 como hipótese de tratamento diferenciado é algo favorável. As outras pessoas sujeitas a requisitos diferenciados já possuíam esse tratamento mais favorável no ano anterior.

Há, contudo, um agravamento. Na hipótese do inciso III (“que tenham filho ou filha menor de doze anos ou com doença crônica grave ou com deficiência que necessite de seus cuidados diretos”), diminuiu-se o âmbito do tratamento diferenciado. Em 2015, a idade do filho para que o apenado tivesse tratamento diferenciado era de 18 anos. Com a redução para menos de 12 anos, os apenados que tenham filhos com idade entre 12 e 18 anos foram prejudicados, se considerados os parâmetros do ano anterior. 

§ 2º A hipótese prevista no inciso III do § 1º, não alcança as pessoas condenadas por crime praticado com violência ou grave ameaça contra o filho ou a filha ou por crimes de abuso sexual contra crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência.

COMENTÁRIO: aqui também houve um agravamento. Em 2015, o tratamento diferenciado não era cabível nos casos de crime praticado com violência ou grave ameaça contra o filho ou a filha. Agora, foi acrescentada a parte final, proibindo o tratamento diferenciado para os condenados por crimes de abuso sexual contra crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência.

Esse parágrafo não impede que esses apenados recebam o indulto. Apenas os coloca na regra geral, ou seja, afasta o tratamento diferenciado (redução das frações). 

Art. 2º As hipóteses de indulto concedidas por este Decreto não abrangem as penas impostas por crimes:
I – de tortura ou terrorismo;
II – tipificados no caput e no § 1º do art. 33, bem como nos arts. 34, 36 e 37 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, salvo a hipótese prevista no art. 4º deste Decreto;
III – considerados hediondos ou a estes equiparados praticados após a publicação da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, observadas as suas alterações posteriores;
IV – previstos no Código Penal Militar e correspondentes aos mencionados neste artigo; ou
V – tipificados nos arts. 240 e parágrafos, 241 e 241-A e § 1º, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.

COMENTÁRIO: também houve agravamento nessa parte. O art. 2º trata dos crimes cujas penas não são passíveis de indulto, ou seja, não é possível a extinção da punibilidade, quanto a essas penas, por meio do indulto.

Considerando o ano anterior, ocorreram alguns acréscimos nessa vedação. Foi incluído como crime não passível de indulto o art. 36 da Lei de Drogas (financiamento ou custeio do tráfico), assim como os artigos previstos no inciso V, que se referem a crimes de pornografia infantil previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Art. 3º Nos crimes praticados sem grave ameaça ou violência à pessoa, o indulto será concedido quando a pena privativa de liberdade não for superior a doze anos, desde que, tenha sido cumprido:
I – um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes; ou
II – um sexto da pena, se não reincidentes, ou um quarto, se reincidentes, nas hipóteses do § 1º, do art. 1º.

COMENTÁRIO: no caso do inciso I, houve significativa melhora. Em 2015, exigia-se o cumprimento de um terço (não reincidentes) ou metade (reincidentes) da pena para o deferimento do indulto. Atualmente, passa a ser exigido o cumprimento de apenas um quarto (não reincidentes) e um terço (reincidentes), via de regra.

O inciso II se refere às pessoas que recebem tratamento diferenciado. Para essas pessoas, também houve significativa melhora, pois as frações exigidas pelo Decreto de 2016 são consideravelmente menores. Deixo de apresentar as frações de 2015 porque o Decreto previa frações diferenciadas para cada uma das situações de tratamento diferenciado. O Decreto de 2016, como já se viu, prevê frações idênticas para todos os casos de tratamento diferenciado. 

Art. 4º No caso dos crimes previstos no caput e no § 1º, combinados com o § 4º, do art. 33 da Lei nº 11.343, de 2006, quando a condenação tiver reconhecido a primariedade do agente, seus bons antecedentes e a ausência de dedicação a atividades criminosas ou inexistência de participação em organização criminosa, o indulto somente será concedido nas hipóteses do § 1º, do art. 1º deste Decreto e desde que tenha sido cumprido um quarto da pena.

COMENTÁRIO: trata-se de matéria nova em tema de indulto. São novos critérios especificamente para o deferimento do indulto aos condenados por tráfico privilegiado.

Anteriormente, não havia essa separação de critérios. O que eventualmente ocorria era a negativa do indulto por meio do argumento de que o tráfico privilegiado tinha natureza hedionda.

Ocorre que em 2016 a jurisprudência, sobretudo dos Tribunais Superiores, pacificou o entendimento de que o tráfico privilegiado não tem natureza hedionda. Assim, havia caminho livre para a concessão de indulto sem percalços.

Todavia, o art. 4º do Decreto de 2016 prevê dois requisitos totalmente casuísticos. Inicialmente, como regra, não cabe o indulto para os condenados por tráfico privilegiado. Caberá unicamente para os apenados que estejam nas situações de tratamento diferenciado (art. 1º, §1º). Mesmo assim, exige-se o cumprimento de um quarto da pena. 

Art. 5º Nos crimes praticados com grave ameaça ou violência à pessoa, o indulto será concedido, nas seguintes hipóteses:
I – quando a pena privativa de liberdade não for superior a quatro anos, desde que, tenha cumprido:
a) um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes;
b) um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes, nas hipóteses do § 1º, do art. 1º;
II – quando a pena privativa de liberdade for superior a quatro e igual ou inferior a oito anos, desde que, tenha sido cumprido:
a) metade da pena, se não reincidentes, ou dois terços, se reincidentes;
b) um terço da pena, se não reincidentes, e metade, se reincidentes, nas hipóteses do § 1º, do art. 1º.”

COMENTÁRIO: ocorreu um fracionamento na hipótese do art. 5º. No Decreto de 2015, cabia o indulto para os condenados a pena não superior a 8 anos, desde que cumprido um terço (não reincidentes) ou metade da pena (reincidentes).

O Decreto de 2016 manteve essas frações apenas para os condenados a penas de até 4 anos. Se a pena é superior a 4 e igual ou inferior a 8 anos, são exigidas frações maiores, ou seja, o cumprimento de metade (não reincidentes) ou dois terços (reincidentes). Portanto, houve um agravamento quanto aos apenados que se encontram na situação no inciso II. 

Art. 6º O indulto será concedido às pessoas condenadas a pena privativa de liberdade que, no curso do cumprimento da sua pena, tenham sido vítimas de tortura, nos termos da Lei nº 9.455, de 7 de abril de 19997, praticada por agente público ou investido em função pública, com decisão transitada em julgado.

COMENTÁRIO: continua idêntico ao Decreto de 2015. 

Art. 7º O indulto será concedido às pessoas submetidas a medida de segurança que, independentemente da cessação de periculosidade, tenham suportado privação da liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada ou, nos casos da substituição prevista no art. 183 da Lei nº 7.210, de 1984, por período igual ao remanescente da condenação cominada, garantindo o tratamento psicossocial adequado, de acordo com a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001.
Parágrafo único. A decisão que extinguir a medida de segurança com base no resultado da avaliação individualizada realizada por equipe multidisciplinar e, objetivando a reinserção psicossocial, determinará:
I – o encaminhamento a centro de Atenção Psicossocial ou outro serviço na região de residência, previamente indicado pela Secretaria de Estado de Saúde, com a determinação para a busca ativa, se necessário, e com atendimento psicossocial à sua família caso de trate de medida apontada no projeto terapêutico singular, quando houver indicação de tratamento ambulatorial;
II – o acolhimento em serviço residencial terapêutico, nos moldes da Portaria nº 106/GM/MS, de 11 de fevereiro de 2000, do Ministério da Saúde, previamente indicado pela Secretaria de Saúde do Estado ou Município da última residência, quando não houve condições de acolhimento familiar ou moradia independente;
III – o encaminhamento ao serviço de saúde em que receberá o tratamento psiquiátrico, indicado previamente pela Secretaria de Estado da Saúde, com cópia do prontuário médico, e determinação de realização de projeto terapêutico singular para alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, nos termos do art. 5º da Lei nº 10.216, de 2001, quando houver a indicação de internação hospitalar, por critérios médicos ou por ausência de processo de desinstitucionalização; e
IV – ciência ao Ministério Público do local de residência do paciente para acompanhamento da inclusão do paciente em tratamento de saúde e para avaliação de sua situação civil.”

COMENTÁRIO: quanto ao “caput” do art. 7º, continua idêntico ao Decreto de 2015. Se alguém permanecer em medida de segurança por tempo igual ou superior ao máximo da pena prevista para a infração penal correspondente, caberá o indulto.

A novidade está no parágrafo único. Não havia previsão semelhante no Decreto de 2015. Assim, o Decreto de 2016 estabelece medidas a serem tomadas com a extinção da medida de segurança, como o tratamento psiquiátrico, acolhimento em serviço residencial terapêutico etc. 

Art. 8º O indulto de que trata este Decreto não se estende às penas acessórias previstas no Código Penal Militar e aos efeitos da condenação.

COMENTÁRIO: continua idêntico ao Decreto do ano anterior.
Ocorrendo a concessão do indulto, permanecem as penas acessórias previstas no art. 98 do Código Penal Militar, como a perda de posto e patente, a indignidade ou a incompatibilidade para o oficialato etc. Da mesma forma, permanecem os efeitos da condenação (art. 109 do Código Penal Militar), como, por exemplo, a obrigação de reparar o dano.

Observa-se que esse dispositivo legal não faz com que permaneçam os efeitos da condenação previstos no Código Penal. Sua aplicação se restringe ao âmbito do Código Penal Militar. 

Art. 9º A declaração do indulto prevista neste Decreto fica condicionada à ausência da prática de infração disciplinar de natureza grave, nos doze meses anteriores à publicação deste Decreto.
Parágrafo único. Caso a infração disciplinar não tenha sido submetida à apreciação do juízo de execução, a declaração do indulto deverá ser postergada até a conclusão da apuração, que deverá ocorrer em regime de urgência.

COMENTÁRIO: esse é um dos pontos mais criticáveis. No Decreto de 2015, vedava-se o indulto para quem tivesse recebido a aplicação de sanção, reconhecida pelo juízo competente, em audiência de justificação, por falta disciplinar de natureza grave. Portanto, o que impedia o indulto era a aplicação da sanção.

No Decreto de 2016, a declaração do indulto depende da “ausência da prática de infração disciplinar de natureza grave”. Por uma leitura fria, teríamos a falsa ideia de que a mera prática da falta grave, mesmo que sem análise judicial posterior, seria suficiente para impedir o indulto.

Entrementes, o parágrafo único tenta evitar esse entendimento gravíssimo, mas, de forma preocupantemente atécnica, estabelece um novo problema.
Por uma leitura do art. 9º em sua integralidade, se alguém cometeu a falta grave nos 12 meses anteriores à publicação do Decreto de 2016, terá analisado o direito ao indulto somente após a apreciação judicial do cometimento da falta grave, o que pode demorar meses, ainda que seja apreciado em regime de urgência, como determina o Decreto.

Se reconhecida judicialmente a falta grave praticada no período de 12 meses anteriores à publicação do Decreto, será incabível o deferimento do indulto. Contudo, se, em agravo em execução, for anulada a decisão que reconheceu a falta grave – como muitas vezes ocorre -, deverá ser novamente apreciada judicialmente a prática dessa falta – caso não esteja prescrita -, não podendo, antes disso, ser deferido o indulto.

Portanto, há possibilidade de uma infeliz perpetuação da análise do indulto, pois não há um limite temporal para a prolação da decisão que analisa a falta grave.

Uma técnica mais apurada teria definido que o impedimento do indulto dependeria da prática da falta grave e do seu reconhecimento judicial nos 12 meses anteriores à publicação do Decreto. Destarte, evitar-se-ia a sobredita perpetuação da análise da falta. 

Art. 10. A pena de multa aplicada, cumulativamente ou não, com a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos não é alcançada pelo indulto.
Parágrafo único. O indulto será concedido independentemente do pagamento da pena pecuniária, que será objeto de execução fiscal após inscrição em dívida ativa do ente federado competente.

COMENTÁRIO: também ocorreu enorme retrocesso no que se refere à multa. No Decreto de 2015 havia a possibilidade de indulto em relação a ela, quando aplicada cumulativamente. Em 2016, passou a ser vedado o indulto da multa.

O Decreto de 2016 segue uma tendência distinta da que vem adotando o Supremo Tribunal Federal. Como publiquei recentemente (leia aqui), o STF está apreciando a ADI 3150, que pretende declarar a atribuição do Ministério Público para a execução da pena de multa, afastando o caráter fiscal desta.

De qualquer sorte, continua a desnecessidade de pagamento da multa para o deferimento do indulto em relação às penas privativas de liberdade, assim como era previsto no Decreto de 2015. 

Art. 11. As penas correspondentes a infrações diversas devem somar-se, para efeito da declaração do indulto até 25 de dezembro de 2016.
Parágrafo único. Na hipótese de haver concurso com infração descrita no art. 2º, não será declarado o indulto correspondente ao crime não impeditivo enquanto a pessoa condenada não cumprir integralmente a pena correspondente ao crime impeditivo dos benefícios.

COMENTÁRIO: o art. 11 trata das hipóteses em que alguém cumpre simultaneamente penas de crimes passíveis de indulto e de crimes sobre os quais há impedimento para a concessão desse direito (art. 2º do Decreto do Indulto de 2016). É mais um caso de enorme retrocesso.

No Decreto de 2015 exigia-se o cumprimento de dois terços da pena quanto ao crime impeditivo. De forma temerosa, o Decreto de 2016 passou a prever a necessidade do cumprimento integral da pena correspondente ao crime impeditivo.

Destarte, em caso de concurso de crimes, apenas será possível o indulto quanto ao crime não impeditivo após o cumprimento integral da pena relacionada ao crime impeditivo. 

Art. 12. A declaração de indulto terá preferência sobre a decisão de qualquer outro incidente no curso da execução penal.

COMENTÁRIO: não houve mudança nesse ponto. Trata-se de questão lógica, pois seria despiciendo apreciar progressão de regime ou livramento condicional quando há possibilidade de extinção da punibilidade por meio do indulto. 

Art. 13. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

COMENTÁRIO: a natureza natalina da concessão desse direito não se coadunaria com eventual “vacatio legis”.
 
Em suma, ocorreram pouquíssimos avanços, mas muitos retrocessos no atual Decreto do Indulto. Com exceção de algumas frações que foram reduzidas, houve enorme agravamento da situação dos apenados, o que se deu pela ausência da previsão de comutação, exigência do cumprimento integral da pena referente aos crimes impeditivos no caso de concursos, inclusão de novos crimes impeditivos, aumento da fração de cumprimento de pena em determinadas hipóteses, vedação do indulto nos casos de substituição por pena restritiva de direitos e muitos outros retrocessos quanto aos direitos prisionais.

Como dizem, “vivemos tempos sombrios”. Se a situação carcerária já está caótica, surge agora um novo multiplicador desse caos.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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