A inconstitucionalidade da execução provisória e a contradição do STJ quanto à execução das penas restritivas de direito
Texto escrito em coautoria com Eduardo Langhinotti Follmann, Advogado e especialista em Direito Penal e Processual Penal.
A Constituição Federal de 1988, na linha das normas internacionais sobre direitos humanos, estabeleceu expressamente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, inciso LVII).
O supracitado dispositivo é denominado como princípio da presunção de inocência (ou da não culpabilidade) e, segundo Lima (2014, p. 49):
Consiste, assim, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório).
Por sua vez, a LEP disciplina que “transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução” (art. 105 da Lei n.º 7.210/84).
Desta forma, vinculado ao princípio da presunção da inocência e ao disposto no art. 5º, inciso LVII, da Carta Magna, parece evidente que a execução da pena somente poderá ter início quando certificado o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Existindo a possibilidade de manejo de recurso especial e/ou extraordinário às cortes superiores, é necessário sermos legalista – e constitucionalistas – para não admitirmos a relativização da presunção de inocência, preservando, assim, a Constituição Federal e o verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Contudo, ao julgar o “habeas corpus” n.º 126.292, originário do Estado de São Paulo, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, entendeu que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.
Neste momento, ainda que pendente de julgamento as ADC n.º 43 e 44, prevalece a orientação de que é possível a execução provisória da pena após o julgamento de recurso de apelação realizado por um colegiado (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal).
Ao estabelecerem este entendimento, os Ministro do STF refletiram sobre o alcance do princípio da não culpabilidade coligado à busca de um equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal.
Com o intuito de demonstrar esta opinião majoritária do Suprema Corte, colhe-se do voto do eminente Ministro Relator Teori Zavascki (Habeas Corpus n.º 126.292/SP, p. 18):
Nesse quadro, cumpre ao Poder Judiciário e, sobretudo, ao Supremo Tribunal Federal, garantir que o processo – único meio de efetivação do jus puniendi estatal –, resgate essa sua inafastável função institucional. A retomada da tradicional jurisprudência, de atribuir efeito apenas devolutivo aos recursos especial e extraordinário (como, aliás, está previsto em textos normativos) é, sob esse aspecto, mecanismo legítimo de harmonizar o princípio da presunção de inocência com o da efetividade da função jurisdicional do Estado. Não se mostra arbitrária, mas inteiramente justificável, a possibilidade de o julgador determinar o imediato início do cumprimento da pena, inclusive com restrição da liberdade do condenado, após firmada a responsabilidade criminal pelas instâncias ordinárias.
Data máxima vênia, entende-se inviável a busca de efetividade jurisdicional calcada na violação de princípio constitucional, que, por sua vez, aumenta ainda mais a sensação de insegurança jurídica em nosso ordenamento pátrio.
Não bastasse a clarividente inconstitucionalidade da execução provisória da pena – principalmente aquela calcada na pena privativa de liberdade –, o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar os Embargos de Divergência em Recurso Especial n.º 1.619.087/SC, concluiu que não se afigura possível a execução da pena restritiva de direitos antes do trânsito em julgado da condenação.
Ora, há uma inegável contradição entre os Tribunais Superiores quanto à execução provisória da pena. Por um lado, o Supremo Tribunal Federal a admite em relação à pena privativa de liberdade, que é a sanção penal mais grave. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça não aceita a execução provisória da pena restritiva de direitos, que possui menos gravidade que a pena privativa de liberdade.
Referência:
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. volume único. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2014.
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