Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 168.263/SP, julgado em julgado em 08/09/2015 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. CONVOCAÇÃO DE JURADOS DE OUTRO PLENÁRIO PARA A COMPOSIÇÃO DO QUORUM MÍNIMO. POSSIBILIDADE. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM NÃO CONHECIDA. 1. A complementação, com membros de outro plenário do mesmo Tribunal do Júri, do número legal mínimo de quinze jurados para que sejam instalados os trabalhos da sessão do júri não enseja a nulidade do julgamento do acusado. 2. Declarada aberta a sessão plenária de julgamento, a defesa, em nenhum momento, se insurgiu contra a formação do Conselho de Sentença; pelo contrário, consta da referida ata que ambas as partes concordaram com o empréstimo de três jurados de outro plenário. 3. Em nenhum momento, a defesa do paciente impugnou a ata de julgamento ou questionou a maneira pela qual foi formado o Conselho de Sentença, de modo que não se mostra possível, agora, suscitar eventual nulidade ocorrida na sessão de julgamento. Também não consta da ata nenhum requerimento, protesto, impugnação ou reclamação não atendida. 4. A ausência de reclamação ou de protesto da defesa do paciente, em relação ao fato de três jurados terem vindo de outro plenário para compor o número legal, acarreta, de modo irrecusável, a preclusão da faculdade processual de arguir qualquer vício eventualmente verificado durante o julgamento. 5. Habeas corpus não conhecido. (HC 168.263/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/08/2015, DJe 08/09/2015)
Leia a íntegra do voto:
VOTO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):
I. Habeas corpus substitutivo
Preliminarmente, releva salientar que o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, não admite que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
Sob tais premissas, não identifico suficientes razões, na espécie, para engendrar a concessão, ex officio, da ordem.
II. Contextualização
Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 14 anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime previsto no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal.
A defesa, então, ingressou com remédio constitucional no Tribunal de origem, por meio do qual alegou a nulidade absoluta do julgamento a que foi submetido o paciente, em razão do empréstimo de jurados. A ordem, no entanto, foi denegada pelos seguintes fundamentos (fls. 11-13):
[…] em que pesem as alegações do nobre defensor, rejeita-se a arguição de nulidade absoluta do julgamento, devendo a ordem ser denegada, senão vejamos: No caso vertente, trata-se de nulidade relativa, ou seja, que depende de arguição no momento oportuno, sob pena de preclusão, o que não ocorreu na época do julgamento. De acordo com a ata de julgamento, compareceram 16 jurados, sendo que dois deles “vieram do Plenário para compor o número legal, com a concordância das partes…” (fl. 25). Ressalte-se que, atualmente, na comarca da Capital, tendo em vista a multiplicidade de julgamentos diários, houve a necessidade de divisão administrativa em Plenários, sendo comum a complementação do quadro de jurados por outro plenário do mesmo Tribunal. Desta feita, diante da ausência de arguição da nulidade do julgamento em plenário, é de rigor o reconhecimento da preclusão, nos termos do inciso VIII do artigo 571 do Código de Processo Penal. […] Também não se pode olvidar que houve interposição de apelação criminal, na qual sequer foi arguida a nulidade do julgamento (fls. 62/68). […] Por fim, a violação aos princípios do contraditório e ampla defesa não restou demonstrada de forma evidente, tampouco houve indicação de prejuízo para o paciente, que não é presumido, nos termos do artigo 563 do Código de Processo Penal, que indica o princípio pas de nullité sans grief, “pelo qual não se declara nulidade desde que da pretensão da forma legal não haja resultado prejuízo para uma das partes” […] […] Nestas circunstâncias, inexistente qualquer ilegalidade ou nulidade capaz de ensejar a anulação do júri, é de rigor a denegação da ordem.
III. Convocação de jurados de outro plenário
Com efeito, consta da ata da sessão do júri que, no dia do julgamento do paciente, compareceram 16 jurados, dos quais os números 14, 15 e 16 vieram de outro plenário para compor o número legal, com a concordância das partes (fl. 49).
Sobre a matéria posta em discussão, destaco que este Superior Tribunal possui o entendimento consolidado de que “a convocação de jurado de um dos plenários do Tribunal do Júri da Capital de São Paulo para complementar o número regulamentar mínimo de quinze jurados do conselho de sentença de outro plenário não caracteriza nulidade por violação da regra do art. 442 do CPP (redação anterior à da Lei n. 11.689, de 6/6/2008). Precedentes.” (HC n. 227.169/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, 5ª T., DJe 11/2/2015).
Ainda, menciono o seguinte julgado da Sexta Turma desta Corte:
[…] 1. “Não enseja nulidade a complementação do número regulamentar mínimo de 15 jurados, por suplentes do mesmo Tribunal do Júri (Precedentes).” (HC-20.221/SP, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 23.6.03). 2. Na hipótese presente, consta na ata de julgamento que não houve qualquer irresignação por parte da defesa técnica acerca da convocação dos jurados, o que acarreta a preclusão da matéria. 3. De mais a mais, o conselho de sentença não contou com nenhum dos jurados que haviam sido “tomados por empréstimo” de outro Plenário. Assim, descabe falar em constrangimento ilegal. […] 8. Ordem parcialmente concedida, tão somente a fim de determinar seja observado, para fins de progressão de regime, o disposto no art. 112 da LEP. (HC n. 132.292/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe 22/6/2011).
Assim, não identifico nenhuma irregularidade na formação do Conselho de Sentença que condenou o paciente pela prática do crime de homicídio.
Ademais, verifico que, declarada aberta a sessão plenária de julgamento, a defesa, em nenhum momento, se insurgiu contra a formação do Conselho de Sentença. Ao contrário, consta da referida ata que “os jurados de nº 14 a 16 vieram vieram do Plenário 8 para compor o número legal, com a concordância das partes” (fl. 49, destaquei).
Registro que, em nenhum momento, a defesa do paciente impugnou a ata de julgamento ou questionou a maneira pela qual foi formado o Conselho de Sentença, de modo que não se mostra possível, agora, suscitar eventual nulidade ocorrida na sessão de julgamento. Também não consta da ata nenhum requerimento, protesto, impugnação ou reclamação não atendida.
Saliento que a ata de julgamento, cujo conteúdo é a expressão fiel de todas as ocorrências da respectiva sessão (art. 495 do Código de Processo Penal), reveste-se de importância essencial neste momento. Meras alegações da parte, desprovidas de qualquer comprovação, não se revelam suficientes para descaracterizar o teor de veracidade que esse registro processual reflete, tampouco para comprovar qualquer nulidade porventura ocorrida.
Assim, entendo que a ausência de reclamação ou de protesto da defesa do paciente, em relação ao fato de três jurados terem vindo de outro plenário para compor o número legal, acarreta, de modo irrecusável, a preclusão da faculdade processual de arguir qualquer vício eventualmente verificado durante o julgamento, máxime porque, conforme bem ressaltou o Tribunal de Justiça estadual, “houve interposição de apelação criminal, na qual sequer foi arguida a nulidade do julgamento” (fl. 12) – afirmação que, aliás, encontra-se devidamente confirmada pelas razões de apelação, aqui juntada às fls. 54-55.
Por fim, ressalto que o Conselho de Sentença foi formado pelos seguintes jurados: Ione Maria Batista Mariano; Marcos Bruschi; Pedro Pereira de Carvalho; Ricardo Gomes Lopes; Carlos de Assis Dias; Luciane da Penha Maciel dos Santos e Dirce Marchetti da Silva. Ou seja, o Conselho de Sentença não contou com nenhum dos jurados que foram “tomados por empréstimo” de outro Plenário (fl. 49), o que reforça a ausência do alegado constrangimento ilegal de que estaria sendo vítima o paciente.
Não se pode olvidar que, para a declaração de nulidade de determinado ato processual, deve haver a demonstração de eventual prejuízo concreto suportado pela parte, não sendo suficiente a mera alegação da ausência de alguma formalidade, mormente quando se alcança a finalidade que lhe é intrínseca, consoante o disposto no art. 563 do Código de Processo Penal. Daí a expressão utilizada pela doutrina francesa: pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo).
Vale dizer, em matéria penal, nenhuma nulidade será declarada, se não for demonstrado, concretamente, o prejuízo suportado pela parte, exatamente como no caso.
Aliás, a jurisprudência deste Superior Tribunal é uníssona em exigir, mesmo quando é absoluta a nulidade, a demonstração do prejuízo. Exemplificativamente: HC n. 287.139/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., DJe 2/9/2014. Esse também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da questão: RHC n. 114.739/PA, Rel. Ministro Dias Toffoli, 1ª T., DJe 10/12/2012.
Por fim, apenas ad argumentandum, registro que o paciente foi submetido a julgamento perante o Conselho de Sentença em 9/2/2007 (fl. 49) e este habeas corpus foi impetrado apenas em 20/4/2010, portanto mais de 3 anos depois. Aliás, o próprio recurso de apelação foi julgado em 16/12/2008 (fl. 34), de modo que, também em relação a esse, verifico que este remédio constitucional foi manejado somente muito tempo depois.
Assim, a meu juízo, a proposta do impetrante é que está a revelar verdadeira ofensa ao princípio do devido processo legal, aqui analisado sob o prisma dos deveres de lealdade, cooperação, probidade e confiança, que constituem verdadeiros pilares de sustentação do sistema jurídico-processual.
Por lealdade processual compreende-se uma postura honesta e franca, sem a utilização de artimanhas, embustes ou artifícios para a consecução de uma finalidade. Traduz-se no respeito à justiça, não só pelas declarações que são levadas à juízo, mas em especial pela maneira de atuação no curso de todo o processo.
Trata-se de um dever das partes, a quem se impõe conduta proba e reta em todas as suas intervenções no processo, pautando-se na boa-fé durante a prática de atos. A confiança, elemento central do princípio da boa-fé processual, impõe a todos os sujeitos do processo posturas condizentes com o dever geral de cooperação, que deve imperar durante todo o curso processual (de cognição ou de revisão), exigindo-se condutas éticas de todos que participam do processo (advogados, membros do Ministério Público, magistrados, oficiais de justiça, testemunhas, peritos, intérpretes, escrivães, auxiliares da justiça etc).
III. Dispositivo
À vista do exposto, não conheço do habeas corpus, por entender inadequado o uso do writ como substitutivo do meio impugnativo próprio. E, ao examinar seu conteúdo, não identifico constrangimento ilegal que pudesse me levar a, ex officio, conceder a ordem postulada.
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