Superior Tribunal de Justiça

Evinis Talon

STJ: o período de trabalho do apenado que exceder o limite máximo da jornada (8 horas) deve ser contado para fins de remição

07/07/2019

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Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 216815/RS, julgado em julgado em 17/10/2013 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. JORNADA NORMAL. DIVISOR EM NÚMERO DE DIAS DE TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 126, § 1º, II, DA LEI N. 7.210/1984 EM CONJUNTO COM O ART. 33 DO MESMO DIPLOMA LEGAL. (3) DIVISOR EM NÚMERO DE HORAS DE TRABALHO NÃO PERMITIDO. (4) WRIT não conhecido. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário. 2. O art. 126, § 1º, II, da Lei de Execução Penal é claro ao afirmar que a contagem do tempo a ser remido será feita com base em dias, e não em horas de trabalho. Assim, se o trabalho do preso se restringir ao lapso temporal considerado pela lei como jornada normal (seis a oito horas diárias – art. 33), deve ser considerado como um dia, para efeito de remição. Precedentes. 3. No caso, a remição deve mesmo ser calculada com base no número de dias de trabalho, como efetuado pelo juízo de primeiro grau, critério também utilizado pelo Tribunal a quo. 4. Writ não conhecido. (HC 216.815/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/10/2013, DJe 29/10/2013)

Leia a íntegra do voto:

VOTO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

Preliminarmente, cumpre registrar a compreensão firmada nesta Corte, sintonizada com o entendimento do Pretório Excelso, de que se deve racionalizar o emprego do habeas corpus, valorizando a lógica do sistema recursal. Nesse sentido:

HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IMPUGNAÇÃO. A teor do disposto no artigo 102, inciso II, alínea “a”, da Constituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus. PROCESSO-CRIME – DILIGÊNCIAS – INADEQUAÇÃO. Uma vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução do processo, indeferi-las. (HC 109956, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 07/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-178 DIVULG 10-09-2012 PUBLIC 11-09-2012)

É inadmissível que se apresente como mera escolha a interposição de recurso ordinário, do recurso especial/agravo contra decisão de inadmissão do REsp ou a impetração do habeas corpus. É imperioso promover-se a racionalização do emprego do mandamus, sob pena de sua hipertrofia representar verdadeiro índice de ineficácia da intervenção dos Tribunais Superiores. Inexistente clara ilegalidade, não é de se conhecer da impetração.

Considerando o âmbito restrito do mandamus, cumpre analisar apenas se existe manifesta ilegalidade que implique em coação à liberdade de locomoção do paciente.

Passa-se, então, à verificação da ocorrência de patente ilegalidade.

Discute-se, no presente writ, a possibilidade de que o juízo da execução, ao realizar o cálculo da remição, utilize como base o número de horas trabalhadas, estabelecendo-se a jornada de trabalho de 6 (seis) horas diárias.

O Juiz da execução concedeu a remição, considerando os dias trabalhados, nestes termos (fl. 55 a 58):

“Vistos, etc. O sentenciado, por intermédio do Defensor Público, postula a remição de pena, utilizando como critério de cálculo a jornada mínima de seis horas, ou seja, postula que, a cada 18 horas trabalhadas, 01 dia de pena seja remida (fls. 296-301). Alega que o cálculo proposto (1) assegura a isonomia, pois ‘caso fosse considerado que a cada três dias de atividade laborativa, um seria remido, os apenados que laboram em jornada inferior a outros estariam em situação vantajosa’; (2) mostra-se mais favorável e serve de ‘estímulo para aqueles que já trabalham e os que resistem em exercer uma atividade laborativa’; (3) evita o enriquecimento ilícito do Estado. (…) Decido. Apesar de reconhecer a qualidade jurídica da tese da Defensoria Pública, desacolho o pedido nos moldes em que formulado. Inicialmente, ressalto que a legislação determina que o cálculo da remição tenha por base os dias trabalhados, não adotando as horas como parâmetro – art. 33 c.c. o art. 126, ambos da LEP: ‘Art. 33. A jornada normal de trabalho não será inferior a seis, nem superior a oito horas, com descanso nos domingos e feriados. Art. 126. O condenado (…) poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena. (…) § 1.º. A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de um dia de pena por três de trabalho’. (grifei) Da conjugação desses dois artigos infere-se que a jornada diária deve ser de seis a oito horas de trabalho, bem como que a remição será computada por dia trabalhado, não havendo qualquer menção a horas. (…) Dessarte, em face dos atestado de efetivo trabalho de fl. 325, bem como da manifestação do Ministério Público, julgo remida a pena do sentenciado em 88 dias, relativo a 264 dias efetivamente trabalhados. Retifique-se a Guia de Recolhimento.”

O acórdão impugnado, por sua vez, consignou, verbis (fls. 62 e 67):

“Compulsando os autos, verifico tratar-se de recurso acerca do indeferimento da remição de pena, porquanto os dias supostamente trabalhados pelo condenado não haviam sido corretamente calculados. Compartilho do entendimento manifestado pelo Ministério Público e pelo Juízo da Execução. Primeiramente, é importante chamar a atenção para o fato de que o instituto da remição, previsto no artigo 126 da LEP, consiste na redução do tempo de duração da pena privativa de liberdade cumprida em regime fechado ou semi-aberto, pelo trabalho prisional. Dispõe o artigo supra mencionado: ‘Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena. § 1º A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho. (…).’ Então, em conformidade com a LEP, fica evidente que o instituto da remição visa a abreviar o tempo de condenação, pelo trabalho. Assim, será declarado remido um dia de pena a cada três dias comprovadamente laborados. Do disposto no artigo supra mencionado, a Lei mostra que se faz necessária a comprovação da carga horária efetivamente trabalhada, a autorizar o cálculo de cômputo dos dias remidos. A legislação é taxativa ao determinar que o cômputo da remição se dará pela contagem dos dias trabalhos, determinando que o dia trabalhado, em atividades internas, terá a jornada mínima de 06 horas e máxima de 08 horas, com descanso aos domingos e feriados, havendo inclusive, a ressalva da realização de horário especial de trabalho, como é o caso em tela. ‘Art. 33. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados. Parágrafo único. Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal.’ Portanto, a LEP estipula que devem ser computados dias trabalhados, e não horas, para garantir a efetividade da pena, evitando sua banalização em decorrência da concessão de remições desproporcionais. No sentido do cálculo para o cômputo da concessão da remição: (…) Concluindo, não vejo como deferir a remição da pena nos termos requeridos, razão pela qual merece confirmação o decisum de Primeiro Grau, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo.”

Trata-se, portanto, de discussão acerca da interpretação a ser conferida ao instituto da remição pelo trabalho, previsto na Lei n.º 7.210/1984, em especial nos seguintes dispositivos legais:

Art. 33. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados. Parágrafo único. Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal. Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. § 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de: (…) II – 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.

A remição se dá por dias trabalhados, não por horas, prevendo a lei o desconto de um dia a cada três de trabalho, exigindo-se, para cada dia, o labor de no mínimo 6 (seis) e no máximo 8 (oito) horas.

A despeito de a remição da pena pelo trabalho ser um direito do condenado, é de rigor que sejam observados os parâmetros fixados na norma, vale dizer, máximo de oito horas diárias e remição de um dia a cada três de trabalho.

Assim, ainda que o condenado trabalhe mais de seis horas por dia, não é possível que sejam utilizadas as horas excedentes para contar um novo período de remição.

Saliente-se, ainda, que o art. 126 da Lei n.º 7.210/1984 sofreu alteração, operada pela Lei n.º 12.433/2011, a qual, entre outras inovações, passou a permitir a remição por força do estudo, à razão de um dia de pena para cada doze horas de frequência escolar.

Ora, é plausível admitir que, no caso de remição por força do trabalho, se o legislador de fato quisesse alterar o divisor de número de dias para número de horas, tê-lo-ia feito nessa oportunidade. Não o fazendo, é vedado ao julgador atuar como legislador positivo.

Assim, a pretensão do apenado de que seja efetuado o cálculo da remição de pena em horas, e não em dias de trabalho – remir 01 (um) dia de pena, a cada período de 18 (dezoito) horas de trabalho –, não encontra respaldo na legislação pátria.

Nesse sentido:

“PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. JORNADA NORMAL. DIVISOR EM NÚMERO DE DIAS DE TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 126, § 1º, II, DA LEI N. 7.210/1984 EM CONJUNTO COM O ART. 33 DO MESMO DIPLOMA LEGAL. DIVISOR EM NÚMERO DE HORAS DE TRABALHO PERMITIDO APENAS EM CASO DE JORNADA EXTRAORDINÁRIA. 1. O art. 126, § 1º, II, da Lei de Execução Penal é claro ao afirmar que a contagem do tempo a ser remido será feita com base em dias, e não em horas de trabalho. Assim, se o trabalho do preso se restringir ao lapso temporal considerado pela lei como jornada normal (seis a oito horas diárias – art. 33), deve ser considerado como um dia, para efeito de remição. 2. A definição da jornada normal de trabalho do preso, dentro do lapso temporal previsto em lei, deve ocorrer, no caso concreto, com base nas peculiaridades do trabalho a ser desenvolvido e do esforço, para tanto, necessário. Dessa forma, como já existe critério razoável para a diferenciação da jornada, com base na maior ou menor exigência de esforço para o trabalho, justifica-se que, dentro do intervalo legal (seis a oito horas), a jornada seja sempre considerada como um dia, para efeito de remição. 3. Apenas em caso de horas extraordinárias (entenda-se: superiores a oito horas diárias), estas devem ser computadas em separado, utilizando-se o divisor em horas, com base no mínimo previsto em lei (seis horas), por ser esse o entendimento que melhor se coaduna com a finalidade do instituto da remição. Precedentes. 4. No caso, o próprio recorrido informou que a sua jornada de trabalho era de oito horas, de sorte que a remição deve mesmo ser calculada com base no número de dias de trabalho, como efetuado pelo Juízo de primeiro grau, ficando afastado o critério utilizado pelo Tribunal de origem, segundo o qual a cada dezoito horas de trabalho considerava-se remido um dia da pena. 5. Recurso especial provido” (STJ, REsp 1.302.924/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe de 06/03/2013).

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. CÁLCULO. PRETENSÃO DE CÔMPUTO DA REMIÇÃO EM HORAS, E NÃO EM DIAS TRABALHADOS. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 33 E 126, § 1.º, INCISO II, DA LEI N.º 7.210/84. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. 1. A contagem do tempo para fim de remição é realizada à razão de 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho, sendo que a jornada laboral realizada não pode ser inferior a seis, nem superior a oito horas, nos termos do art. 33 da Lei de Execução Penal. Precedentes. 2. No caso, não comporta reparo o entendimento manifestado pelas instâncias ordinárias, que, levando em conta os 71 dias trabalhados pelo Paciente, declarou remidos 24 dias de sua pena, sendo inadmissível a contagem pelas horas efetivamente trabalhadas. 3. Ordem de habeas corpus denegada” (STJ, HC 235722/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe de 29/06/2012).

“EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. JORNADA DE TRABALHO x HORAS TRABALHADAS. 1. O condenado que cumpre pena no regime fechado ou semiaberto terá a cada 3 (três) dias de trabalho 1 (um) dia de desconto da reprimenda (art. 126, § 1º, da Lei nº 7.210/84). 2. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas (art. 33 da mesma lei). 3. A jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores admite que o trabalho diário que exceda a 8 (oito) horas seja aproveitado para fins de remição. 4. No entanto, não é a hipótese dos autos. A pretensão exposta na peça recursal (18 horas de trabalho para 1 dia de desconto na pena) não encontra apoio na legislação pátria. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ, AgRg no REsp 1283575/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe de 19/06/2012).

A impetração substitutiva, portanto, não comporta a extraordinária cognição. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus.

É como voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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