STJ: o laudo de constatação de substância entorpecente é imprescindível
Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 336.465/RS, julgado em julgado em 04/02/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE NO INTERIOR DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. AUSÊNCIA DE LAUDO DE CONSTATAÇÃO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. IMPRESCINDIBILIDADE. MATERIALIDADE INEXISTENTE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD). CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. Para a comprovação da materialidade delitiva quanto ao delito de posse de drogas, é imprescindível o laudo de constatação de substância entorpecente, para que seja evidenciada a sua toxicidade. 3. Habeas corpus não conhecido e ordem concedida, de ofício, para, cassando o acórdão impugnado e a decisão do juízo das execuções, declarar nula a decisão que reconheceu a prática de falta grave sem a elaboração e juntada do exame de constatação da substância apreendida. (HC 336.465/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe 16/02/2016)
Leia a íntegra do voto:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO NEFI CORDEIRO (Relator):
De início, cumpre ressaltar que o presente habeas corpus foi impetrado em substituição a recurso especial, previsto no art. 105, III, da Constituição Federal.
Nesse contexto, ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ quando utilizado em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal (HC 213.935/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, DJe de 22/8/2012; e HC 150.499/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe de 27/8/2012), assim alinhando-se a precedentes do Supremo Tribunal Federal (HC 104.045/RJ, Rel. Ministra ROSA WEBER, PRIMEIRA TURMA DJe de 6/9/2012).
Nada impede, contudo, que, de ofício, constate a Corte Superior a existência de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. Passo, assim, ao exame das alegações.
Verifica-se que se trata de hipótese em que foram encontradas, na posse da apenada, no curso da execução penal, 3 embalagens contendo uma substância semelhante à cocaína (fl. 18).
Instaurado procedimento administrativo disciplinar (PAD), concluiu-se pela prática de falta grave, tendo o juízo das execuções determinado a regressão de regime, com alteração da data-base para a concessão de futuros benefícios e a perda de 1/3 dos dias remidos, sem, contudo, ter-se procedido à elaboração de laudo pericial que comprovasse se a substância apreendida era, de fato, droga ilícita.
Vale lembrar, contudo, que, para que se comprove a materialidade e tipicidade do crime previsto nos arts. 33 e 35 da Lei n. 11.343/06, é essencial que se elabore exame toxicológico laboratorial demonstrando, em laudo pericial definitivo, a natureza entorpecente da substância apreendida.
O caso em tela, porém, diz respeito ao delito de posse de drogas para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, cujo art. 50, § 1º, determina que para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea (destaques).
Nessa linha de raciocínio, tem entendido esta Corte que a imprescindibilidade do exame toxicológico para a efetiva comprovação da materialidade estende-se aos casos de cometimento de falta disciplinar de natureza grave por posse de entorpecente, que é delito que deixa vestígios. Como se vê, a inexistência de tal laudo gera, por si só, a nulidade absoluta do procedimento administrativo.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes, in verbis (com destaques):
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRÁTICA DE FALTA DE NATUREZA GRAVE. POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO. ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006. APURAÇÃO EM ÂMBITO ADMINISTRATIVO. MATERIALIDADE. PRESENÇA DE VESTÍGIOS. AUSÊNCIA DE LAUDO DE CONSTATAÇÃO. INDÍCIOS INSUFICIENTES ACERCA DA NATUREZA E DA QUANTIDADE DA SUBSTÂNCIA APREENDIDA. INDISPENSABILIDADE DA ELABORAÇÃO DO LAUDO PERICIAL. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) pelo diretor do estabelecimento prisional, com a finalidade de se apurar a prática de falta grave, é medida que está em consonância com a jurisprudência deste Tribunal Superior. 2. É pacífica a orientação do Superior Tribunal de Justiça de que o cometimento de crime doloso no curso da execução caracteriza falta grave conforme disposto no art. 52 da LEP , independentemente do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória. 3. A conduta de possuir de drogas para consumo próprio, prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, demanda a elaboração do laudo de constatação preliminar da natureza e da quantidade da droga apreendida para que se proceda à lavratura do auto de prisão em flagrante. 4. Na espécie, apurada a falta de natureza grave consistente na prática do delito de posse de drogas para consumo próprio, é necessária a elaboração do laudo de constatação, de maneira a fornecer indícios de materialidade da prática delitiva, mesmo que dispensável o trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória. 5. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para cassar a decisão do Juízo das Execuções Criminais, que reconheceu a prática de falta grave e determinou a regressão de regime do paciente. (HC 295.387/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2015, DJe 29/05/2015).
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DO RECURSO CABÍVEL. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE NO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. FALTA DE LAUDO TOXICOLÓGICO. IMPRESCINDIBILIDADE. CONFISSÃO INSUFICIENTE. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. 1. Os Tribunais Superiores restringiram o uso do habeas corpus e não mais o admitem como substitutivo de recursos outros, nem sequer para as revisões criminais. 2. O laudo toxicológico é um exame pericial imprescindível para se aferir a materialidade delitiva, no que se refere às substâncias entorpecentes, para que seja demonstrada a sua toxicidade. 3. A falta do laudo toxicológico pode ser suprida com outros elementos que confirmem o fato, se e quando possível, para a comprovação da materialidade do delito, sendo insuficiente a confissão do acusado. 4. A ingestão de um grama de maconha, em tese, não inviabilizaria a realização do exame toxicológico, pois a substância seria naturalmente expelida pelo corpo humano, Assim, a ausência de materialidade evidencia o constrangimento ilegal. 5. Ordem concedida, de ofício, para cassar o acórdão vergastado e reconhecer a nulidade do procedimento administrativo disciplinar instaurado em desfavor do paciente, relativo à prática de falta grave. (HC 273.881/MG, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 06/12/2013).
Na hipótese, portanto, ocorre constrangimento ilegal, tendo em vista a ausência de elemento probatório para o reconhecimento da falta grave imputada à sentenciada, à míngua de indícios de materialidade da prática delitiva, devendo-se afastar a imposição de falta disciplinar de natureza grave por posse de drogas.
Ante o exposto, voto por não conhecer do writ e concedo, porém, a ordem, de ofício, para, cassando o acórdão impugnado e a decisão do juízo das execuções, declarar nula a decisão que reconheceu a prática de falta grave sem a elaboração e juntada do exame de constatação da substância apreendida.
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