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Evinis Talon

STF: impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância na exploração clandestina de atividade de telecomunicações

17/05/2019

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Decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 122535, julgado em julgado em 12/08/2014 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

Habeas corpus. 2. “Serviço de Rádio Cidadão”. Exploração clandestina de atividade de telecomunicações. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Impossibilidade. Periculosidade social da ação. 4. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. (HC 122535, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 12/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-168 DIVULG 29-08-2014 PUBLIC 01-09-2014)

Confira a íntegra do voto:

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Conforme relatado, o paciente foi denunciado ao Juízo da 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Espírito Santo pela prática, em tese, do delito previsto no art. 183 c/c 184, parágrafo único, todos da Lei 9.472/1997 (desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação).

O acusado foi autuado por utilizar radiofrequência na faixa pertencente ao “Serviço de Rádio Cidadão”, sem autorização do órgão governamental competente, por intermédio de rádio transmissor PX, com potência de 10W, equipamento esse instalado em caminhão de sua propriedade.

Rejeitada a denúncia, o TRF da 2ª Região reformou a decisão para dar continuidade à ação penal. Interposto recurso especial, manteve-se a decisão monocraticamente e em sede de agravo regimental. Daí, o presente habeas corpus, no qual se insiste na aplicação do princípio da insignificância.

Segundo a defesa, a rádio operada pelo paciente utilizava-se de um transmissor de baixa potência – 10 watts – não sendo capaz de causar lesão ou ameaça de lesão ao bem protegido pela norma incriminadora.

Cumpre destacar que o STF tem entendido que, para incidência do princípio da insignificância, alguns vetores devem ser considerados, quais sejam: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica causada (cf. HC 84.412/SP, rel. min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJe 19.11.2004).

Ressalto, por oportuno, que o princípio da bagatela, como postulado hermenêutico voltado à descriminalização de condutas formalmente típicas, atua, exatamente, sobre a tipicidade.

Nesse sentido, embora admita que a tipicidade penal deva ser vista sob o prisma formal, assevero, todavia, que, hodiernamente, ganha relevo a denominada tipicidade material, consoante frisou o ministro Celso de Mello, ao deferir a ordem no HC n. 98.152/MG (DJe 5.6.2009):

 “É importante assinalar, neste ponto, por oportuno, que o princípio da insignificância — que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal — tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material […]”.

Para que seja razoável concluir, em caso concreto, no sentido da tipicidade, mister se faz a conjugação da tipicidade formal com a material, sob pena de abandonar-se, assim, o desiderato do próprio ordenamento jurídico criminal. Evidenciando o aplicador do direito a presença da tipicidade formal, mas a ausência da material, encontrar-se-á diante de caso manifestamente atípico.

Dessarte, insta asseverar, ainda, que, para se chegar à tipicidade material, há que se pôr em prática juízo de ponderação entre o dano causado pelo agente e a pena que lhe será imposta como consequência da intervenção penal do Estado. A análise da questão, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, pode justificar, dessa forma, a ilegitimidade da intervenção estatal por meio do Direito Penal.

Diante do exposto, destaco que, no caso em apreço, discute-se a aplicação do princípio da insignificância aos delitos de exploração clandestina de serviços de telecomunicações.

Sobre o tema, segue manifestação da Procuradoria-Geral da República:

 “A liberdade da manifestação de pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, IV e IX, da Constituição Federal) não permitem que o particular instale serviços de radiodifusão sonora ou de sons e imagens sem prévia autorização do poder público. A Lei n. 9.612/98 estabeleceu que o serviço de radiodifusão comunitária, com baixa potência, assim considerada a inferior a 25 watts, está sujeito à obediência do disposto no art. 223 da CF/88 e à autorização do poder concedente (art. 6º da Lei 9.612/98). Logo, a aplicação do princípio da insignificância aos delitos desta espécie contraria o interesse da sociedade à regulamentação e à fiscalização desses serviços. Considerando-se que os serviços de telecomunicações, nos termos da Lei n. 9.472/97, submetem-se a órgão regulador da União – a ANATEL –, qualquer prática que se subtraia à sua fiscalização deve ser tomada como portadora de periculosidade, ainda que, em certos casos, pequena. Saliente-se, aqui, que a aplicação do princípio da insignificância requer a ausência da periculosidade social da ação, de maneira que, caso exista, ainda que de maneira branda, a incidência do princípio deve ser afastada. Assim, não deve ser a baixa potência do equipamento, por si só, o critério único para a aplicação do princípio da insignificância. (…) Ademais, a exploração da radiodifusão ocorreu em um servidor equipado a um veículo automotor, no caso, um caminhão. Nessa hipótese, o paciente poderia valer-se desse serviço para comunicar aos seus colegas de profissão a respeito da existência de barreiras policiais ou fiscais, impossibilitando a apreensão de veículos ou cargas irregulares ou até mesmo a investigação de crimes, já que drogas são comumente camufladas em cargas de caminhão. Comprovou-se, portanto, o desvalor da conduta, o que repele a possibilidade de incidência do princípio da insignificância”.

A instalação de estação clandestina de radiofrequência, sem autorização do órgão regulador (ANATEL) já é suficiente a comprometer a regularidade do sistema de telecomunicações.

Já manifestei em outras ocasiões o entendimento no sentido de que, mesmo se tratando de rádio de baixa frequência, é imprescindível autorização governamental para seu funcionamento.

Com o tipo do art. 183 da Lei 9.472/97, o legislador buscou tutelar a segurança dos meios de comunicação, pois se sabe que o funcionamento dessas rádios pode causar interferência em outros serviços ativos na mesma região geográfica, tais como orientação de navios, de tráfego aéreo e de telefonia móvel. Daí, a prescindibilidade de comprovação de prejuízo efetivo para sua consumação.

No mesmo sentido de afastar a aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra os serviços de telecomunicações, cito os seguintes julgados das duas turmas do STF: HC 119.979/MG, rel. min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 3.2.2014, HC 111.518/DF, rel. min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 26.3.2013 e HC 122.154/BA, de minha relatoria, Segunda Turma, julgado em 20.5.2014.

O diferencial do presente caso é que a exploração da radiodifusão ocorreu em um servidor equipado em veículo automotor, situação diversa da exploração realizada em estabelecimentos imóveis, de ambiente estático.

Verifico que, embora não sendo detectada, em princípio, a efetiva interferência prejudicial a outros serviços de telecomunicações, a utilização carecia de autorização da Anatel.

A Lei 9.472/97 busca proteger toda a operacionalidade do sistema de telecomunicações, razão pela qual, ainda que se trate de estação móvel que não tenha provocado danos efetivos, o princípio da insignificância deve ser afastado.

Ante o exposto, voto no sentido de denegar a ordem.

É como voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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