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Evinis Talon

A atipicidade penal da conduta do flanelinha

17/01/2017

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A atipicidade penal da conduta do flanelinha

A expressão “flanelinha” é popularmente utilizada para denominar os lavadores ou guardadores de carros, que normalmente trabalham nas vias públicas.
É importante destacar que o art. 1º da Lei nº 6.242/75 dispõe: “O exercício da profissão de guardador e lavador autônomo de veículos automotores, em todo o território nacional, depende de registro na Delegacia Regional do Trabalho Competente.”
Por desempenharem a sua atividade de modo informal e sem o registro, muitos desses trabalhadores estão sendo processados criminalmente pela prática da contravenção prevista no art. 47 do Decreto-lei nº 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais), “in verbis”:

Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.

Entrementes, há de se questionar sobre a atipicidade formal da conduta, tornando desnecessária posterior análise da ilicitude e da culpabilidade. Sendo atípica (material ou formalmente) a conduta, não há crime, seja qual for a teoria adotada (bipartida, tripartida ou quadripartida).
Nesse prisma, a expressão “sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício” é uma elementar da contravenção penal em comento, de maneira que, inexistindo condições descritas na legislação reguladora da profissão ou atividade, a conduta é formalmente atípica.
A Lei nº 6.242/75 não prevê condições para o exercício das atividades de guardador e lavador de veículos, dispondo apenas sobre os documentos que devem ser apresentados para o registro (art. 3º). Dessa forma, não havendo condições descritas em lei, quem atua nessas atividades sem o registro pratica conduta formalmente atípica.
Nesse sentido, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. EXERCÍCIO IRREGULAR DA PROFISSÃO (DECRETO-LEI 3.688/41, ART. 47). LAVADOR/GUARDADOR DE CARRO. INEXIGIBILIDADE DE CONHECIMENTOS TÉCNICOS PARA O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA EVIDENCIADA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
[…]
3. A contravenção de exercício irregular de profissão penaliza aquele que desempenha habitualmente profissão ou atividade econômica sem preencher as condições legais. O objetivo da infração penal é coibir a simulação de atividade laboral especializada, hipótese em que se presume a habilitação do profissional.
4. Inviável concluir que o guardador ou lavador de carros exerça profissão ou atividade econômica especializada, apta a caracterizar a contravenção penal prevista no artigo 47 do Decreto-lei 3.688/1941. Isso porque lavar ou guardar automóveis são atividades que não exigem quaisquer conhecimentos técnicos ou habilidades específicas as quais, caso não preenchidas ou não observadas, possam ofender a proteção à organização do trabalho pelo Estado. Ademais, não geram perante a sociedade a presunção da habilitação do profissional.
5. A mera exigência registro dos guardadores ou lavadores de veículos em Delegacias Regionais do Trabalho pela Lei 6.242/1975 não satisfaz a elementar do tipo, referente à necessidade da existência de condições que subordinam o exercício da profissão.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal, determinar o trancamento do processo penal de autos nº. 13.006.269-8.
(HC 309.958/MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/09/2016, DJe 28/09/2016)

Em 2013, a Quinta Turma do STJ já havia decidido no mesmo sentido, mas utilizando fundamentos parcialmente distintos. Naquela oportunidade, ressaltou-se a diferença entre os requisitos para atuar como “flanelinha” e os requisitos técnicos exigidos por outras profissões, como advogados, médicos, odontologistas, engenheiros e corretores de imóveis. Da mesma forma, salientou-se não ser possível afirmar que os “flanelinhas” desempenham atividade econômica, pois os serviços não são necessariamente remunerados, constituindo mera liberalidade dos proprietários dos veículos (HC 273.692/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 24/09/2013, DJe 02/10/2013).
Destarte, o STJ considera que a conduta dos “flanelinhas” é formalmente atípica em virtude dos seguintes fundamentos:

  • não há previsão de condições específicas na Lei nº 6.242/75;
  • não são exigidos requisitos técnicos, ao contrário de outras profissões;
  • não há atividade econômica, considerando que os serviços não são necessariamente remunerados.

Considero que a conduta do “flanelinha” não é atípica somente do ponto de vista formal, mas também pela perspectiva material, haja vista que a sua atividade não expõe nenhum bem jurídico a risco, inexistindo lesividade na conduta daquele que desempenha uma atividade para a qual não são necessários conhecimentos técnicos.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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