9 coisas que não te ensina(ra)m na faculdade de Direito
Este artigo é um complemento ao meu texto “9 coisas que eu gostaria de ter ouvido na faculdade de Direito” (leia aqui), publicado na minha coluna semanal do Canal Ciências Criminais.
O que as faculdades de Direito deveriam ensinar, mas não ensinam?
Evidentemente, neste texto, trato da regra. Há faculdades que ensinam algumas das coisas que mencionarei abaixo, mas são casos excepcionais.
O objetivo deste artigo é demonstrar que não basta ao estudante de Direito estudar para as provas, tirar boas notas e ler/fazer tudo que os professores recomendam. Ainda que você tenha um excelente aproveitamento no ambiente escolar, isso não significará sucesso na vida profissional. As faculdades ainda não nos preparam integralmente para a carreira jurídica. Ser um bom aluno não significa ser um bom futuro jurista.
Aos bacharéis de Direito, Advogados e concursados, este texto permitirá novos questionamentos sobre pontos que talvez estejam sendo ignorados.
1. As faculdades de Direito não ensinam a trabalhar de acordo com o destino profissional. Nos núcleos de prática – extremamente importantes -, ensinam a fazer peças da Advocacia, mas ninguém ensina a administrar um escritório. Não falam sobre as finanças de um escritório, a parte contábil, o marketing jurídico etc. Tratam apenas das peças em si, esquecendo-se de que, para a elaboração de peças, deve-se ter/manter um escritório e clientes.
Nas salas de aula, preocupam-se com temas que caem em concursos, estudo da legislação e “decoreba” de macetes jurídicos, mas ninguém ensina a elaborar uma sentença, redigir uma denúncia, fazer um parecer ministerial, conduzir um inquérito civil público, fazer alegações finais orais etc. E se, futuramente, o aluno não gostar dessas atividades que não lhe são ensinadas? Estudará para um concurso da Magistratura sem saber se gostará de elaborar sentenças por todos os dias durante algumas décadas?
Portanto, as faculdades ensinam a teoria para quem quer concursos – mas sem a prática – e a prática profissional para quem deseja advogar, mas sem o ensino de como se administra o escritório ou se capta clientes de forma ética.
2. Algumas disciplinas que deveriam fazer parte do currículo escolar, como execução penal e legislação penal especial, são matérias optativas ou são expostas em apenas uma aula de outra disciplina. Muitos estudantes se formam sem ter alguma disciplina que aborde a Lei de Drogas, Lei Maria da Penha ou o Estatuto do Desarmamento.
Também seriam necessárias noções básicas de administração de empresas, marketing jurídico, contabilidade e outras disciplinas que abordem aspectos práticos para aqueles que atuarão na Advocacia, que, como mencionei, serão muitos.
3. Aliás, as faculdades deveriam ajudar os estudantes a decidirem o futuro profissional. Concurso ou Advocacia? Praticamente todos os estudantes têm essa dúvida, mas poucos professores falam, de forma aberta, sobre os benefícios e os malefícios de cada escolha. Sobre o tema, recomendo meu artigo que examina detalhadamente os concursos públicos e a Advocacia privada (leia aqui).
4. As faculdades ensinam a pensar como se todos fossem fazer concursos. De fato, muitos querem e farão concursos. Contudo, como há um pequeno número de vagas comparado com a quantidade de candidatos, muitos não serão aprovados. O que acontecerá? Teremos muitos que aprenderam a pensar da forma que os concursos exigem, mas, como não conseguirem ser aprovados, permanecerão na Advocacia. Esse é o destino da imensa maioria, mas poucos professores têm a coragem de dar essa triste e antipática notícia. Muitos alunos serão Advogados por falta de opção (falta de aprovação), permanecendo em uma profissão que não escolheram e para a qual não se prepararam. Por essa razão, as faculdades deveriam ensinar, no mínimo, as noções básicas de todas as opções que um bacharel em Direito tem (Advocacia, concursos, docência etc.).
5. Dificilmente os bacharéis saem preparados para a atividade profissional. Na faculdade, na 2ª fase da OAB e nos concursos públicos, os enunciados de questões dissertativas praticamente dizem que “tal documento prova tal coisa” ou que “fulano se defendeu de forma proporcional e sem excessos”, como se na atuação profissional houvesse alguma página do processo com essas informações. Daí basta ao aluno ou candidato elaborar a peça ou tese jurídica a partir de um fato inquestionável. Contudo, na prática profissional, temos de analisar centenas de páginas, fazer um cotejo entre depoimentos e, ao final, ver se realmente o fato está provado ou se há alguma contradição. As faculdades de Direito precisam ensinar a folhear processo ou analisar processo eletrônico!
6. As faculdades de Direito não nos ensinam a fazer contatos. Isso é totalmente negligenciado. Os organizadores das grades curriculares se esquecem de que a Advocacia, destino da maioria dos alunos, vive de contatos (clientes, parcerias etc.) e que muitos concursos exigem uma declaração de idoneidade firmada por duas autoridades dizendo que conhecem o candidato pessoal e profissionalmente. Com exceção dos trabalhos em grupo, as relações interpessoais são negligenciadas.
7. Poucas faculdades de Direito ensinam e incentivam a produção de artigos. Os alunos saem do curso com pouca capacidade crítica. Novamente, foram treinados apenas para reproduzirem o conteúdo, sem muito incentivo à produção e à inovação científica.
Para aqueles que desejam advogar, isso resulta na crença de que a captação de clientes depende apenas de anúncios ou outras formas de exposição não muito éticas. Ninguém falou para eles sobre a necessidade de escrever, produzir conteúdo e divulgar o nome por meio do conhecimento, como se faz no marketing de conteúdo, um dos temas que abordo no meu livro O Criminalista – vol. I (veja aqui).
Quanto aos candidatos de concursos públicos, não lhes foi avisado que a publicação de artigos conta como título e, portanto, aumenta a nota final na classificação do concurso, podendo ser o critério determinante para a escolha do local de lotação.
Alguns concursados, que também não receberam incentivo à produção acadêmica durante a faculdade, pensarão que a elaboração de artigos é importante apenas para quem deseja “rechear” o currículo.
8. Também é um grave problema das faculdades de Direito a ausência do ensino da oratória. Algumas faculdades possuem cadeiras específicas, mas normalmente no início do curso, quando o “treinamento” consiste na interpretação oral de algum texto aleatório. As faculdades deveriam enfatizar a oratória no final do curso, quando o aluno já possui conhecimentos jurídicos suficientes para falar por alguns minutos sobre determinados temas jurídicos. E se algumas provas fossem orais?
Na prática, o Advogado deverá fazer alegações orais, ditar impugnações para que constem na ata da audiência, falar (e muito) nos júris, realizar sustentações orais em Tribunais e explicar aos clientes e seus familiares sobre o andamento processual. Por que não incentivamos mais o uso da fala nas faculdades?
9. Complementando a crítica acima, é importante destacar que os alunos são avaliados escrevendo com caneta ou lápis, mas, futuramente, na prática profissional, apenas digitarão (peças) ou falarão (sustentações, impugnações, audiências). É curioso ver como as coisas funcionam!
O aluno passará vários anos escrevendo respostas de questões dissertativas, marcando alternativas corretas e redigindo peças manualmente. Quando se formar, não fará nada disso, seja qual for a carreira escolhida. Terá de digitar peças processuais, ouvir e falar com pessoas (clientes, partes, autoridades etc.), argumentar oralmente… mas usará canetas apenas para assinar, e não para redigir textos ou marcar questões objetivas.
Não estou defendendo o fim da escrita manual, mas sim uma mitigação dos meios utilizados, pois não há sentido na utilização exclusiva de um meio (escrita manual) que será substituído na prática profissional por outros (digitação e oratória).
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