A (im)possibilidade de força-tarefa do Ministério Público: Promotores auxiliares e grupos especializados
Atualmente, o Ministério Público possui uma estrutura fortíssima, com um quadro de servidores públicos e membros qualificados, vários imóveis espaçosos e o reconhecimento do seu poder de investigação direta, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (clique aqui).
Entretanto, é de conhecimento público que, quando há um caso mais complexo, o Ministério Público designa Promotores de Justiça auxiliares ou forma algum tipo de “força-tarefa”, principalmente nas grandes operações.
Assim, sobre esse tema, a grande indagação consiste na análise de eventual violação do princípio do Promotor natural (clique aqui).
Preocupando-se mais com a efetividade da persecução penal do que com o princípio do Promotor natural, os Tribunais reconhecem que não há ilegalidade quando o Ministério Público se utiliza de Promotores de Justiça auxiliares ou grupos especializados.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça:
[…]
1. O Ministério Público dispõe de atribuição para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, o que não acarreta, por si só, seu impedimento ou suspeição. Precedentes STF e STJ.
2. Consoante a Súmula 234/STJ, a participação de membro do Parquet, na fase investigatória criminal, não acarreta o seu impedimento ou a sua suspeição para o oferecimento da denúncia.
3. É consolidado nos Tribunais Superiores o entendimento de que a atuação de promotores auxiliares ou de grupos especializados (GAECO) não ofende o princípio do promotor natural, uma vez que, nessa hipótese, amplia-se a capacidade de investigação, de modo a otimizar os procedimentos necessários à formação da opinio delicti do Parquet.
4. No caso, o oferecimento da denúncia por promotores do GAECO não ofende o princípio do promotor natural, tampouco nulifica a ação penal em curso.
5. Recurso ordinário em habeas corpus improvido.
(STJ, RHC 77.422/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 16/10/2018, DJe 26/10/2018)
No caso acima, que apurava supostos crimes envolvendo o Fundo de Saúde da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, a defesa alegou constrangimento ilegal consistente no fato de ter sido a denúncia assinada por Promotores integrantes do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO), afirmando, basicamente, que eles não teriam atribuição legal para o oferecimento da peça acusatória perante a Justiça Militar estadual. Nessa linha, postulou a nulidade da denúncia e, consequentemente, do processo.
Em seu voto, o Ministro relator destacou que essa forma de atuação do Ministério Público “não ofende o princípio do promotor natural, uma vez que, nessa hipótese, amplia-se a capacidade de investigação, de modo a otimizar os procedimentos necessários à formação da opinio delicti do Parquet”. Além disso, fundamentou seu entendimento no RHC 39.135/MS, julgado pelo STJ em 2017, e no RHC n. 99.768/MG, decidido pelo STF em 2014.
Em outro julgamento, foi enfrentado pelo STJ o tema da (ir)regularidade da delegação de Promotores pelo Procurador-Geral de Justiça para procederem às investigações:
[…]
3 Não existe irregularidade na delegação, pelo Procurador Geral de Justiça, de promotores para atuarem em PIC (Procedimento de Investigação Criminal) se realizada, como na espécie, sob os auspícios da Lei Orgânica do Ministério Público. Precedente deste Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
[…]
(STJ, HC 323.037/GO, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgado em 01/09/2015, DJe 17/09/2015.)
No caso concreto, houve a delegação aos Promotores que atuavam na Operação Tarja Preta, do Ministério Público do Estado de Goiás. Diante do foro por prerrogativa de função, a defesa alegava que a delegação feita pela Procuradoria-Geral de Justiça seria indevida, pois a apuração deveria ter sido presidida por um Procurador, no exercício de suas atribuições.
Contudo, a decisão foi no sentido de que a delegação realizada aos Promotores não é considerada indevida, porque fora realizada nos termos do art. 29, IX, da Lei Orgânica do Ministério Público e, no caso em comento, com observância também da Lei Complementar Estadual 25/1998, em seu artigo 52, XII.
Por derradeiro, o tema referente ao auxílio ao titular da comarca também já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal:
[…]
2. À luz da norma inscrita no art. 563 do CPP e da Súmula 523/STF, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que, para o reconhecimento de nulidade dos atos processuais, exige-se, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à parte, o que não se verifica no caso.
3. Esta Corte já decidiu que a participação de um membro do Ministério Público, para auxiliar o titular da comarca, não é motivo bastante para a nulidade do julgamento, mormente quando não se demonstra de que maneira a designação do promotor assistente teria causado prejuízo para a defesa ou criado situação de desigualdade apta a caracterizar a figura do “acusador de exceção”. Precedentes.
4. Recurso ordinário improvido.
(STF, RHC 99768, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 14/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
Esse julgamento tem algumas curiosidades. Não se trata de uma grande e complexa operação relacionada à criminalidade econômica, mas sim um caso de homicídio qualificado, no qual o réu foi condenado. A defesa alegou que o princípio do Promotor natural fora violado, em razão da designação de Promotor assistente para a sessão de julgamento.
O STF afastou a ilegalidade, na linha das decisões citadas anteriormente, acrescentando como fundamento o HC 81998/2002, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence.
Há inúmeras considerações que devem ser lançadas.
Conforme observado, a mesma questão se repete em várias situações distintas, como nos casos de Promotores auxiliares, grupos especializados, participação de Promotor em sessão do Tribunal do Júri que não seja de sua atribuição e atuação de Promotores contra quem tem foro por prerrogativa de função. O que há de comum entre todas essas situações é a análise da possibilidade de atuação de um Promotor de justiça que não tem atribuição ordinária para atuar no caso concreto.
De início, ressalto que discordo de vários fundamentos invocados nas decisões citadas.
A um, o princípio do Promotor natural é realmente violado quando há uma substituição do agente que tem a atribuição por outro “mais qualificado”. Ora, ainda que se reconheça a possibilidade por meio da legislação infraconstitucional, é imperativo se lembrar de que a Constituição Federal determina a observância do devido processo legal e da proibição de tribunais de exceção ou “ad hoc”, o que também deve se estender ao Ministério Público, titular da ação penal pública.
A dois, é perceptível que há um fortalecimento da acusação quando um agente é substituído por outro mais qualificado/especializado. Isso faz com que a persecução penal tenha mais efetividade. Entrementes, não apaga a violação do princípio do Promotor natural, haja vista que os fins (maior efetividade da acusação) não justificam os meios.
A três, precisamos superar a descabida exigência de demonstração de prejuízo para a defesa nos casos de nulidade supostamente relativa (clique aqui).
A quatro, ainda que se exija prejuízo para o reconhecimento da nulidade consistente na designação de Promotor de justiça para atuar em processo que não é de sua atribuição, não há dúvidas de que o prejuízo é evidente, porque se trata do agente responsável pela delimitação da acusação, assim como pela produção de provas que podem gerar uma decisão condenatória contra o réu.
Portanto, ainda que a jurisprudência aceite a participação de Promotores em processos alheios as suas atribuições, somos contra esse entendimento.
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