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Evinis Talon

Habeas corpus: princípio da confiança no Juiz da causa?

13/10/2018

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Aos poucos, o “habeas corpus” está sendo suprimido. Explico: há vários entendimentos jurisprudenciais que impõe requisitos ou restrições ao uso do “habeas corpus”.

Cita-se, inicialmente, o entendimento dos tribunais contra o conhecimento de “habeas corpus” como substitutivo de recurso. Felizmente, os mesmos tribunais concedem a ordem de ofício diante de alguma ilegalidade.

Além disso, é conhecido o entendimento de inúmeros tribunais pelo não conhecimento de “habeas corpus” quando há supressão de instância, ou seja, a impetração de “habeas corpus” sem antes ter levado os fundamentos ao juízo que é autoridade coatora.

Assim, para alguns tribunais, se o Juiz de primeiro grau converte a prisão em flagrante em prisão preventiva, não pode o Advogado impetrar “habeas corpus” ao Tribunal sem antes apresentar uma petição ao mesmo Juiz que decretou a prisão preventiva expondo os fundamentos para o relaxamento ou revogação da prisão preventiva.

Também é muito conhecido o entendimento segundo o  qual não deve ser conhecido o “habeas corpus” que não está adequadamente instruído, o que normalmente tem significado a necessidade de juntar cópia integral dos autos.

Entretanto, nada é tão contraditório em relação às finalidades do “habeas corpus” quanto à aplicação do chamado princípio da confiança no Juiz da causa. De forma resumida, a invocação desse princípio é acompanhada de uma fundamentação razoavelmente simples e, em seguida, a afirmação de que, normalmente, o Juiz que está acompanhando o processo está certo.

Portanto, na dúvida, acredita-se que o Juiz – autoridade coatora – agiu corretamente. Trata-se, de certa forma, de uma autopreservação do Judiciário, isto é, o Tribunal competente para julgar o “habeas corpus” fundamenta brevemente que a prisão é legal ou que não há motivo aparente para trancar o processo, mencionando, em seguida, que o Magistrado de primeiro grau merece a confiança do Tribunal.

Podemos citar algumas decisões que utilizaram esse “princípio”:

[…] PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS DOS ARTS. 312, CAPUT, E 313, I, AMBOS DA LEI ADJETIVA PENAL. PREDICADOS SUBJETIVOS INSUFICIENTES PARA A ELISÃO DA CLAUSURA. CONCOMITANTE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CONFIANÇA NO JUIZ DA CAUSA. PROJEÇÃO DE PROVÁVEL SANÇÃO PENAL. IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE ETAPA PRÓPRIA. PROVIDÊNCIAS ALTERNATIVAS. INADEQUAÇÃO E INSUFICIÊNCIA. CABIMENTO DA ULTIMA RATIO.  ORDEM DENEGADA. (TJSC, Habeas Corpus (Criminal) n. 4024608-40.2018.8.24.0900, de Blumenau, rel. Des. Luiz Cesar Schweitzer, Quinta Câmara Criminal, j. 04-10-2018).

HABEAS CORPUS. DELITO DE HOMICÍDIO TENTADO. […] Outrossim, é fundamental conferir eficácia ao princípio da confiança no juiz da causa, no que toca à fundamentação relativa à necessidade e à adequação da prisão preventiva, pois é quem está mais próximo dos fatos em apreciação e conhece as suas peculiaridades. Noutro ponto, este órgão fracionário possui entendimento firme no sentido de que a presença de condições pessoais favoráveis, como primariedade, domicílio certo e emprego lícito, por si só, não impede a decretação da prisão preventiva, notadamente se há nos autos elementos suficientes para justificar a cautelar, nem atenta contra o princípio constitucional da presunção de inocência. Dessa forma, presentes todos os requisitos autorizadores da medida, nos termos dos artigos 312 e 313 do CPP, a manutenção da custódia cautelar se faz necessária, não sendo caso de adoção de providência cautelar diversa da prisão (artigo 319 do CPP). Ausência de constrangimento ilegal. ORDEM DENEGADA. (Habeas Corpus Nº 70078690195, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Cidade Pitrez, Julgado em 16/08/2018)

Pesquisando no site do Superior Tribunal de Justiça nesta data (13 de outubro de 2018), encontramos cerca de 480 decisões monocráticas que mencionam a expressão “confiança no Juiz da causa”.

Recentemente, em decisão monocrática no HC 463.233, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca aplicou o referido princípio: “Aplicação do princípio da confiança no juiz da causa, que está em melhor condição de avaliar se a segregação cautelar do paciente se revela necessária”.

Além disso, no ano de 1998, já havia menção ao princípio da confiança no Juiz da causa em uma decisão da Sexta Turma do STJ:

RECURSO EM “HABEAS CORPUS” – POLICIAL MILITAR CONDENADO A UMA PENA ELEVADA, POR CRIMES GRAVES COMETIDOS, EM CO-AUTORIA, COM COLEGAS DE CORPORAÇÃO – PRISÃO DECRETADA NA SENTENÇA CONDENATORIA DECORRENTE DO JULGAMENTO POPULAR – JUSTIFICAÇÃO. AÇÃO DELITUOSA CONSIDERADA UMA AFRONTA A ORDEM PUBLICA E NECESSIDADE DE GARANTIR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL, FACE AO “QUANTUM” DA REPRIMENDA – PRINCIPIO DA CONFIANÇA NO JUIZ DA CAUSA.

1. A GRAVIDADE DO DELITO, COM SUA INEGAVEL REPERCUSSÃO NO MEIO SOCIAL, JUSTIFICA, POR SI SO A CUSTODIA ANTECIPADA DO SEU AUTOR, AINDA QUE PRIMARIO, DE BONS ANTECEDENTES E OUTROS FATORES FAVORAVEIS. PRECEDENTES: STF.

2. HA DE SE DAR UM CREDITO DE CONFIANÇA AO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU QUE, BASEADO NAS CIRCUNSTANCIAS DO DELITO, COMETIDO POR POLICIAIS-MILITARES, DE QUEM SEMPRE SE ESPERA CONDUTA EXEMPLAR, CONSIDERA A AÇÃO CRIMINOSA UMA AFRONTA A ORDEM PUBLICA, DECRETANDO A PRISÃO CAUTELAR, NÃO APENAS POR ESSE MOTIVO, MAS AINDA PARA ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL, VISTO COMO, PELO ELEVADO DA REPRIMENDA, PRESUME-SE QUE O SENTENCIADO SE ESQUIVARA AO CUMPRIMENTO DA PENA.

(RHC 7.096/RJ, Rel. Ministro ANSELMO SANTIAGO, SEXTA TURMA, julgado em 17/02/1998, DJ 23/03/1998, p. 174)

No plano teórico, é necessário mencionar que a adoção desse princípio reflete o chamado panprincipiologismo, tão falado por Lenio Streck. Sem fundamento constitucional ou infraconstitucional, cria-se um “princípio” a partir de uma suposta necessidade prática (evitar acúmulo de trabalho em razão da análise detalhada de cada caso).

Como se não fosse suficiente, também consiste em um metafundamento, porque é utilizado para fundamentar tudo aquilo que foi dito anteriormente, da mesma forma que os Tribunais fazem com a dignidade da pessoa humana e o devido processo legal.

Por derradeiro, denegar a ordem de “habeas corpus” com fundamento na confiança no juiz da causa é desconsiderar a falibilidade humana e contrariar a função do “habeas corpus”, que é rever potenciais atos Ilegais da autoridade coatora. Noutras palavras, quem não examina detalhadamente o suposto constrangimento ilegal passa a ser também uma autoridade coatora por omissão, ou seja, porque não examinou aquilo que deveria ser examinado.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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