A prisão em flagrante envolve um ponto nevrálgico do processo penal: quando alguém é preso em flagrante, dificilmente será absolvido, porque o Magistrado terá poucas dúvidas sobre a materialidade e, principalmente, a autoria do crime.
Nesse diapasão, aqueles minutos ou segundos que determinam uma prisão em flagrante – e o momento posterior de lavratura do auto – podem definir os rumos do processo penal, gerando alguns anos de pena.
Assim, um questionamento sempre oportuno diz respeito à legalidade da prisão. Situação de flagrância, entrega da nota de culpa, testemunhas do fato ou da apresentação, cumprimento dos prazos, comunicações etc. Há muitas formalidades que devem ser observadas. Contudo, não podemos nos esquecer de uma questão anterior a todas as outras: quem pode efetuar uma prisão em flagrante?
Evidentemente, há casos em que a prisão em flagrante é um dever do agente, razão pela qual a restrição à liberdade de alguém seria um estrito cumprimento de dever legal. Por outro lado, também há hipóteses em que a realização da prisão em flagrante seria uma faculdade, de modo que a conduta do agente estaria amparada pelo exercício regular de direito.
Neste texto, nosso objeto é mais restrito. Não pretendemos listar todos que devem ou podem executar uma prisão em flagrante, mas apenas discutir se determina classe pode realizar tal ato. Afinal, os guardas municipais podem efetuar prisão em flagrante?
Apesar da regra prevista no art. 301 do Código de Processo Penal no sentido de que qualquer pessoa pode realizar a prisão em flagrante, a questão não é tão simples na prática forense. Podemos observar inúmeros questionamentos defensivos que chegam aos Tribunais Superiores argumentando que os guardas municipais não poderiam efetuar prisão em flagrante.
Entretanto, o entendimento jurisprudencial pacífico é contra a defesa, isto é, entende-se que não há ilegalidade na prisão em flagrante efetuada por guardas municipais. O fundamento da legalidade desse ato decorre do já citado art. 301 do Código de Processo Penal, o qual permite que qualquer pessoa – particular ou servidor público – prenda quem estiver em flagrante delito.
Nesse sentido, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ALEGADA INCOMPETÊNCIA DOS GUARDAS MUNICIPAIS PARA EFETUAR PRISÃO EM FLAGRANTE. PERMISSIVO DO ART. 301 DO CPP. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE TER SIDO VÍTIMA DE TORTURA. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. RISCO DE REITERAÇÃO. QUANTIDADE E QUALIDADE DA DROGA. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. […]. 2. Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes. […] 6. Habeas corpus não conhecido. (HC 421.954/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/03/2018, DJe 02/04/2018)
Da mesma forma, a Sexta Turma do STJ:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADMISSIBILIDADE. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. GUARDA MUNICIPAL. NULIDADE DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO. NÃO OCORRÊNCIA. BUSCA PESSOAL E DOMICILIAR. PROVA ILÍCITA. INEXISTÊNCIA. CRIME PERMANENTE. PARECER ACOLHIDO. […] 2. Na hipótese dos autos, não há falar em nulidade da sentença e do acórdão sob a alegação de irregularidade na prisão em flagrante, visto que os integrantes da Guarda Municipal flagraram o paciente, em via pública, na posse de entorpecentes destinados à mercancia, estando suas condutas amparadas pelo art. 301 do Código de Processo Penal, segundo o qual qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. 3. Apesar das atribuições previstas no art. 144, § 8º, da Constituição Federal, se qualquer pessoa do povo pode prender quem quer que esteja em situação de flagrância, não se pode proibir o guarda municipal de efetuar tal prisão. 4. Em razão do caráter permanente do tráfico de drogas, cuja consumação se prolonga no tempo, a revista pessoal ou domiciliar que ocasionou a prisão em flagrante, não representa prova ilícita (Precedente). 5. Habeas corpus não conhecido. (HC 286.546/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 22/09/2015, DJe 15/10/2015)
Observa-se que as decisões não mencionam que o guarda municipal tem o dever de efetuar a prisão em flagrante, porque o art. 144, §8º, da Constituição Federal, aponta nitidamente suas atribuições: “os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.”
O que as supracitadas decisões afirmam é que não há uma proibição de que os guardas municipais prendam alguém em flagrante, haja vista que qualquer pessoa do povo também pode fazê-lo.
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