STJ: o sócio-administrador depositário judicial comete apropriação indébita ao reter bens penhorados da empresa
No REsp 2.215.933-SC, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “o sócio-administrador nomeado depositário judicial responde penalmente por apropriação indébita qualificada se se apropria ou deixa de restituir bens penhorados pertencentes à sociedade empresária, independentemente de eventuais vínculos societários”.
Informações do inteiro teor:
A controvérsia consiste em saber se a apropriação de bens por sócio-administrador, na qualidade de depositário judicial, configura o crime de apropriação indébita, considerando a autonomia patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócio.
O Tribunal de origem, em sede de embargos infringentes, absolveu o sócio-administrador de sociedade empresária da condenação por apropriação indébita, sob o argumento de inexistência da elementar “coisa alheia”, uma vez que os bens sob sua administração integrariam o patrimônio da sociedade de que faz parte.
Contudo, não se vislumbra fundamento jurídico idôneo que autorize inferência de que patrimônios pertencentes a entes distintos – cada qual investido de personalidade jurídica própria – possam ser indistintamente confundidos, especialmente para fins de excludente de tipicidade penal. Ressalte-se, ademais, que a positivação do art. 49-A do Código Civil, pela Lei n. 13.874/2019, veio precisamente reforçar a separação patrimonial, esvaziando quaisquer pretensões hermenêuticas que desconsiderem a autonomia jurídica conferida às pessoas jurídicas e seus respectivos sócios, administradores ou instituidores.
No caso, o acusado, investido na qualidade de depositário judicial – encargo que pressupõe inequívoca fidúcia e subordinação à autoridade jurisdicional -, apropriou-se de bens corpóreos integrantes do patrimônio da pessoa jurídica sob sua administração. Admitir a atipicidade penal de tal conduta equivaleria, em última análise, a esvaziar o próprio sentido da tutela jurisdicional e a desmerecer o valor normativo das decisões judiciais.
O art. 161 do CPC distingue, de modo inequívoco, a responsabilidade civil decorrente do inadimplemento do dever de guarda da mera repressão penal dirigida àquele que, contrariando decisão judicial, apropria-se de bens confiados à sua custódia. No contexto em apreço, não se trata de utilizar a prisão civil como forma coercitiva de satisfação de obrigações, mas de imputar ao agente a responsabilidade penal que emerge da violação do dever de fiel depositário, cujos contornos típicos se ajustam, sem desvios, à moldura prevista no Código Penal.
É notório que o depositário, ao assumir o encargo de guarda, passa a deter a posse por imposição judicial, não por liberalidade ou exercício de poderes inerentes à administração ordinária da sociedade empresária. Tal circunstância torna irrelevante, para fins penais, a condição de sócio-administrador, pois o fundamento da posse advém de ato estatal vinculante e não do exercício privado da autonomia negocial.
Ressalte-se, ainda, que o instituto da apropriação indébita, em sua modalidade qualificada, assume inequívoca feição de tutela institucional dos deveres de colaboração com a Justiça. O legislador, ao tipificar a conduta, busca, primordialmente, proteger a confiança que o Estado deposita nos sujeitos investidos em funções auxiliares ao exercício da jurisdição, e não apenas, ou prioritariamente, salvaguardar interesses patrimoniais privados. O sentido da norma penal, nessa perspectiva, é de reforçar a obrigatoriedade do cumprimento das ordens judiciais e sancionar comportamentos que obstem a efetividade da prestação jurisdicional.
Com efeito, no julgamento do RHC 58.234/PR, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça já repudiou, de forma categórica, a alegação segundo a qual a nomeação do sócio-administrador de pessoa jurídica como depositário judicial de bens da sociedade empresária obstaria, por si só, a configuração típica do delito previsto no art. 168, § 1º, II, do CP. Rejeitou-se, pois, o argumento de que a suposta confusão patrimonial entre o sócio e a pessoa jurídica excluiria o elemento da “coisa alheia” e, por conseguinte, a tipicidade penal, enfatizando-se o princípio da autonomia patrimonial, eixo estruturante do regime jurídico das sociedades empresária.
Deste modo, a ratio decidendi do citado precedente assenta-se no reconhecimento de que a autonomia patrimonial entre a sociedade empresária e seus sócios não se fragiliza pela circunstância de o depositário judicial figurar, concomitantemente, como sócio-administrador. O vínculo fiduciário que se impõe ao depositário subsiste independentemente de eventuais relações societárias, de modo que a recusa injustificada em informar ou devolver os bens depositados configura o dolo específico exigido pelo art. 168, § 1º, II, do CP.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Código Civil (CC), art . 49-A
Código Penal (CP), art. 168, § 1º, II
Código de Processo Civil (CPC), art. 161
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 861, de 09 de setembro de 2025 (leia aqui).
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