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Evinis Talon

O atraso da denúncia como um constrangimento ilegal

17/01/2018

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O atraso no oferecimento da denúncia

A denúncia é o início de tudo, inclusive da violação do devido processo legal.

Quando os atos processuais se prolongam no tempo sem justificativa plausível, há uma nítida ofensa a direitos e garantias fundamentais. O sofrimento do investigado/réu é prolongado indevidamente. Como já mencionei em outro texto (leia aqui), esses atrasos indevidos, se resultam em absolvição, ficam em uma linha cinzenta entre a justiça tardia e uma injustiça, considerando que o processo já teria sido uma “pena” para o absolvido.

De qualquer sorte, há várias normas que impõem o respeito a uma duração razoável do processo.

Cita-se, por exemplo, a previsão do Pacto de São José da Costa Rica, que no seu art. 7º, item 5, dispõe sobre o “direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.”

Na mesma linha, o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, dispõe que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

A ofensa à duração razoável do processo deve estender-se a todos os momentos, inclusive ao inquérito policial e à necessidade de que o Ministério Público ofereça a denúncia no prazo legal, o que tem sido algo raro, até mesmo na situação extrema de réu preso.

O prazo para oferecimento da denúncia pelo Ministério Público é regrado pelo art. 46 do Código de Processo Penal:

O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.

Por sua vez, o art. 648, II, do CPP, estabelece que “a coação considerar-se-á ilegal: […] II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei”.

Assim, se o réu estiver preso e não tiver sido observado o prazo para o oferecimento da denúncia, está configurada uma ilegalidade, devendo o réu ser posto em liberdade, diante do constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo.

Nesse sentido, cita-se uma decisão do STJ em que a demora para o oferecimento da denúncia, em caso de réu preso, foi considerada uma forma de constrangimento ilegal:

CRIMINAL. HC. ROUBO QUALIFICADO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E DE USO RESTRITO. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. DEMORA INJUSTIFICADA ATRIBUÍVEL EXCLUSIVAMENTE AO ESTADO-ACUSAÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE QUE MILITA EM FAVOR DO PACIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PREJUDICADO. I. Hipótese em que o paciente se encontra preso há mais de 48 dias sem que tenha sido oferecida denúncia pelo representante do Ministério Público. II. Não obstante a dificuldade apresentada pelo Tribunal a quo, decorrente da ausência de Promotor de Justiça na Comarca em que ocorreram os fatos apurados no Auto de Prisão em Flagrante, o atraso caracterizado no oferecimento da denúncia não pode ser considerado razoável, sendo atribuível exclusivamente ao Estado-Acusação, não podendo o paciente suportar, preso, o cumprimento das providências legais. III. O princípio da razoabilidade, que nesta Corte tem sido utilizado para afastar a existência de constrangimento ilegal em feitos complexos, no presente caso milita a favor do paciente. IV. O constrangimento ilegal por excesso de prazo deve ser reconhecido quando a demora é injustificada. V. Ordem concedida para determinar a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Juízo de 1º grau, julgando-se prejudicado o pedido de revogação da prisão preventiva. (STJ, Quinta Turma, HC 61.118/MT, Relator Ministro Gilson Dipp, julgado em 12/09/2006)

A lógica é simples: qual é a legitimidade (ou a credibilidade) de um órgão que descumpre a lei para denunciar alguém que teria violado a lei? Se o processo penal já se inicia assim, quais esperanças o acusado deve ter de que será respeitado o devido processo legal?

No caso de investigado solto, o atraso do Ministério Público para oferecer a denúncia – se não for razoável – deve gerar o trancamento do inquérito policial (ainda não há processo), evitando que o constrangimento ilegal se prolongue em decorrência de alegações como excesso de trabalho, “sou substituto na comarca”, “estou nas férias de 60 dias” ou que o Promotor tem perdido muito tempo na estrada (considerando que muitos se dizem protetores da sociedade/cidade, mas moram longe dela) entre a residência paga pelo auxílio-moradia e a sede luxuosa de um órgão público em que desempenha o seu papel de servidor.

Enfim, se o Ministério Público tem a pretensão de exercer o papel de parte e, ao mesmo tempo, fiscal da lei, deveria começar pelo cumprimento da legislação. Como fiscalizar a lei se a descumpre?

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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