O uso de algemas
Uma das questões mais preocupantes no âmbito penal é o uso de algemas, que não pode ser banalizado, mas também não pode ser desconsiderado em casos excepcionais.
O art. 199 da Lei de Execução Penal, inserido na redação original de 1984, dispõe que o uso de algemas será regulamentado por decreto federal.
Em 2016 – 32 anos após a Lei de Execução Penal –, foi publicado o Decreto nº 8.858/2016, que regulamenta o uso de algemas.
Diante da demora para a regulamentação do uso de algemas, essa lacuna normativa foi suprida, em 2008, pelo Supremo Tribunal Federal, por meio da súmula vinculante nº 11, que dispõe:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado.
De qualquer forma, como muito bem aponta o supracitado decreto, o uso de algemas deve respeitar a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição), a vedação à tortura e ao tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inciso III, da CF), as Regras de Bangkok (Resolução 2010/16 de 22/07/2010) e o Pacto de São José da Costa Rica.
Conforme dispõe o art. 2º do Decreto nº 8.858/2016, é permitido o emprego de algemas somente em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros. Essa excepcionalidade – o uso de algemas – deve ser justificada por escrito.
Portanto, o simples fato de estar preso – condução para audiência, flagrante etc. – não significa que deva ser ou permanecer algemado.
Ademais, por não haver limitação no decreto e na súmula vinculante, as regras citadas valem tanto para o momento da prisão, quanto para o comparecimento a atos processuais.
Quanto às mulheres, o art. 3º do supracitado decreto afirma que é vedado o uso de algemas durante o trabalho de parto, no trajeto entre o estabelecimento prisional e o hospital e após o parto, enquanto se encontrar hospitalizada. Por sua vez, o art. 292, parágrafo único, do Código de Processo Penal, institui: “É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato.”
Um grande problema consiste no fato de que o mencionado decreto – assim como a Lei de Execução Penal e o Código de Processo Penal – não especificou sanções para o caso de não observância das regras sobre o uso de algemas. Assim, são aplicadas as consequências descritas na súmula vinculante nº 11 (“sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado”).
Cita-se, por exemplo, decisão do STF na qual houve a anulação das provas testemunhais colhidas em ato no qual o réu permaneceu algemado sem fundamentação adequada:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. PROCESSO PENAL. VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE 11. USO DE ALGEMAS SEM FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. NULIDADE DA INTEGRALIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS PRODUZIDOS NESSAS CONDIÇÕES. ALEGAÇÕES DE DESPROPORCIONALIDADE E EXCESSO DE PRAZO DA PRISÃO. AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DE FATO CONFIGURADOR DA COMPETÊNCIA DA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A inobservância da Súmula Vinculante 11, por expressa previsão, acarreta a nulidade dos atos processuais produzidos em desacordo com sua enunciação. Acolhimento da irresignação para alcançar as provas testemunhais colhidas com a participação do acusado que, mesmo sem fundamentação adequada, permaneceu algemado durante toda a audiência de instrução. 2. Ausente a articulação de ilegalidade ou abuso de poder imputáveis, ao menos em tese, a autoridades sujeitas diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, por evidente hipótese de incompetência, não há espaço para concessão da ordem de ofício sob argumento de desproporcionalidade ou excesso de prazo da prisão processual. A reclamação não se presta a figurar como sucedâneo recursal e, nessa perspectiva, incumbe ao interessado, querendo, valer-se das vias próprias ao combate dos atos que entende incompatíveis com a ordem jurídica. 3. Agravo regimental parcialmente provido. (Rcl 22557 AgR, Relator Min. Edson Fachin, Primeira Turma, julgado em 24/05/2016)
Em outro texto, tratarei especificamente do uso de algemas no júri (leia aqui).
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