O STF e o art. 212 do CPP: Juízes devem observar a ordem de inquirição das testemunhas
Em julgamento do dia 14 de novembro de 2017, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no HC 111.815, decidiu que, na audiência de instrução e julgamento, é necessário que o Juiz observe a previsão do art. 212 do Código de Processo Penal, de modo que, inicialmente, as partes interroguem as testemunhas. Posteriormente, apenas se houver necessidade de algum esclarecimento, o Juiz pode formular perguntas.
Ao analisar esse “habeas corpus”, a Primeira Turma concedeu parcialmente a ordem para determinar a realização de uma nova inquirição das testemunhas, desta feita com a observância da ordem prevista no art. 212 do CPP.
Trata-se de entendimento de suma importância para quem se dedica à defesa penal, considerando que diuturnamente percebemos Juízes que, na oitiva de alguma testemunha, iniciam as perguntas – antes mesmo da parte que arrolou a testemunha –, o que demonstra um grave problema na imparcialidade desses Magistrados.
O art. 212 do CPP, com sua redação dada pela Lei nº 11.690/08, dispõe: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida”. Em seguida, o parágrafo único especifica: “Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”.
Como se observa, bastaria uma leitura do art. 212 (“caput” e parágrafo único) para perceber que as partes devem iniciar as perguntas, podendo o Juiz apenas complementar a inquirição no que concerne aos pontos não esclarecidos. Logo, na minha opinião, seriam inconcebíveis, entre outras, as seguintes situações:
1. Juiz inicia a inquirição e, em seguida, dá a palavra à parte que arrolou a testemunha;
2. Ausente o Ministério Público na audiência de instrução e julgamento, o Juiz faz as perguntas para as testemunhas da acusação e, em seguida, dá a palavra à defesa;
3. Ausente o Ministério Público na audiência de instrução e julgamento, é dada a palavra à defesa, que nada pergunta. Em seguida, o Juiz faz todas as perguntas sobre a autoria e a materialidade.
Nas situações nº 1 e 2, ao iniciar a inquirição, esteja presente ou não o Ministério Público, o Juiz não está complementando a inquirição, porque ainda não há pontos não esclarecidos. Logo, há violação do art. 212, parágrafo único, do CPP.
Na situação nº 3, se a única parte presente não fez perguntas (ou se a acusação e a defesa estivessem na audiência, mas não fizessem perguntas), não haveria o que ser complementado. Como complementar algo que não existe? Nesse caso, as perguntas feitas pelo Magistrado extrapolariam o mero caráter complementar.
Enfim, essa decisão do STF é importantíssima para pensarmos na imparcialidade dos julgadores, no sistema constitucional acusatório e na (proibição da) gestão da prova pelo Juiz.
Leia também:
- A investigação criminal defensiva durante a instrução processual
- STF: a falta de abertura de prazo, após o encerramento da instrução, para manifestação das partes constitui nulidade relativa
- STF: reconhecimento de atipicidade na audiência de custódia
- Prática na Advocacia: leia o termo de audiência
- Depoimentos na investigação criminal defensiva