Recentemente, o min. Alexandre de Moraes tomou uma decisão sobre prisão preventiva e cautelares diversas em um caso que teve enorme repercussão (clique aqui). Um trecho da decisão é o seguinte (minha análise está depois do trecho):
Tenho feito várias análises de casos reais no Curso Talon (clique aqui). O plano anual vai dobrar na noite do dia 9 de fevereiro de 2024 (hoje).
Vamos analisar essa questão pelo ponto de vista técnico. 3 coisas: a crítica, a tentativa de salvar e o jeitinho que não é jeitinho, mas poderia dar problema.
A crítica: um trecho da decisão diz “Nesse sentido, a cautelar de proibição de manter contato com os demais investigados é medida que se faz necessária para resguardar a investigação, evitando-se a combinação de versões, além de inibir possíveis influências indevidas no ânimo de testemunhas e de outras pessoas que possam colaborar com o esclarecimento dos fatos”.
Primeiro, qual é o problema de combinar versões? Se investigados e réus podem mentir (não há crime de perjúrio) ou ficar em silêncio, por que não podem combinar versões? Isso não seria uma limitação do direito de defesa exercido no interrogatório? Apenas pela repercussão do caso? Se esse realmente fosse o problema, todos os juízes do Brasil deveriam proibir o contato de supostos coautores de furto, roubo, estelionato, receptação e qualquer outro crime praticado em coautoria. O que acontece na prática? Não existe essa proibição e ficam juntos no presídio e no corredor do fórum esperando a audiência.
Além disso, tem um erro, segundo o manual de comunicação da SECOM: “Através de equivale a passar por dentro de, de um lado a outro, ao longo de. A locução não deve ser usada com o sentido de por meio de, por intermédio de, mediante, por”. Ou seja, proibiu passar por dentro de advogados?? O certo seria “por meio de”, apesar de alguns livros já admitirem o “através de”.
Quando fala “através de advogados”, quer dizer o contato entre advogado de A e investigado B? Ou abrange os advogados de A e B? Não ficou claro.
De certa forma, não seria uma cautelar também para os advogados (que não são investigados)?
Tentativa de salvar a decisão: interpretar no sentido de que o advogado de A não pode levar um recado de A para o investigado B. Proibir conversas entre advogados é bizarrice que exigiria monitoramento e aplicação de cautelares a pessoas que não são investigadas (advogados).
Jeitinho que não é jeitinho, mas pode dar problema: e se todos os advogados, percebendo que não existe colidência de defesas, resolvessem defender todos os réus, permitindo o total contato? O ministro aceitaria, proibiria a atuação dos advogados OU daria até algum problema (ex.: imputação de crime aos advogados)?
Além disso, sobre a contemporaneidade das prisões e medidas, a decisão não fala nada sobre 2024 (esse número aparece somente na assinatura) e insere como última data de qualquer acontecimento o início de 2023. O único momento em que a decisão fala sobre uma data do final de 2023 corresponde a um erro de digitação, pois, no parágrafo seguinte, o trecho diz que foi em 2022. Confira na decisão (clique aqui). Dessa forma, apesar de usar três fundamentos do art. 312 do CPP (garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal e para conveniência da instrução), é questionável esse ponto, pois não há nada mencionando fatos novos e contemporaneidade, salvo se tiver adotado equivocado entendimento de que os motivos da prisões e das cautelares eram “contemporâneos com a data do fato”, o que não me parece correto.
LEMBRETE: não tenho compromisso com direita ou esquerda. Minha análise é sempre técnica. Da mesma forma que questionei a tese da execução provisória da pena (que poderia beneficiar Lula), questiono essa cautelar (que pode beneficiar pessoas do governo Bolsonaro).
STJ: depoimento especial da vítima pode ser tomado de forma antecipada