Como é sabido, o crime de corrupção ativa está previsto no art. 333 do Código Penal, nos seguintes termos:
Art. 333 – Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
Analisando sumariamente esse tipo penal e sua causa de aumento de pena, dificilmente é notada uma questão crucial: a incorreção do art. 333, parágrafo único, do Código Penal.
Explico: a consumação do crime de corrupção ativa ocorre com o mero oferecimento ou com a promessa de vantagem indevida a funcionário público, desde que com o fim especial de determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Lembra-se, como já mencionado em outro texto (leia aqui), que não há corrupção ativa se o agente paga a vantagem indevida após uma solicitação ou exigência do funcionário público, porque o art. 333 do Código Penal não prevê os verbos “dar” ou “pagar”.
Noutros termos, a consumação não depende do recebimento da vantagem pelo funcionário público, tampouco do aceite da promessa dessa vantagem.
Não há problemas nessa tipificação, pois a consumação depende apenas da conduta do agente que pratica a corrupção ativa. O problema está na causa de aumento de pena, que eleva a sanção imposta, na terceira fase da dosimetria da pena, em virtude de ato exclusivo de terceiro (funcionário público).
Assim, a pena do particular – lembrando que funcionário público também pode ser autor do crime de corrupção ativa – é aumentada de um terço se uma outra pessoa (o funcionário público que se pretende corromper) retardar ou omitir ato de ofício, ou o praticar infringindo dever funcional.
Trata-se de um aumento de pena por ato de terceiro, o que é inconcebível. Assim como ninguém pode ser responsabilizado criminalmente por uma conduta de outra pessoa, também não é cabível que a pena seja elevada em virtude de algo que dependa exclusivamente da conduta de um terceiro.
Não se está, portanto, dizendo que é incorreta a tipificação da consumação do crime de corrupção ativa – que depende exclusivamente da conduta do agente –, mas sim o aumento da pena da forma prevista na legislação.
Destarte, entendo ser cabível defender que essa causa de aumento de pena não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
Nesse ponto, é imprescindível considerar a individualização da pena, prevista constitucionalmente (art. 5º, XLVI, da Constituição). No primeiro momento da individualização (fase legislativa), o Poder Legislativo deve estabelecer uma sanção penal que não puna o agente pelo que ele é ou pensa – descabimento da punição de meras condições existenciais ou não exteriorizadas –, mas sim pelo que ele fez, em nítida representação do Direito Penal do fato.
Como elevar a pena em razão de algo que depende exclusivamente de um terceiro? Ou o legislador, com essa causa de aumento, puniria a conduta pessoal de quem é convincente?
É imprescindível que essa causa de aumento de pena seja avaliada à luz da Constituição Federal, evitando a ampliação da responsabilidade penal como decorrência de ato de terceiro.