STF: constitucionalidade de dispositivos da Lei 12.850/2013 (Informativo 1117)
O Supremo Tribunal Federal (STF), na ADI 5.567/DF, julgado em 20.11.2023, decidiu pela necessidade de implementação de instrumentos processuais penais modernos no combate às organizações criminosas
Resumo:
Não viola o princípio constitucional da legalidade (CF/1988, art. 5º, II e XXXIX) a norma penal incriminadora do § 1º do art. 2º da Lei 12.850/2013, na qual apresentadas as condutas delituosas de “impedir” e de “embaraçar” a investigação de infração penal a envolver organização criminosa.
Diante da inviabilidade da previsão, de forma exauriente, de todas as possíveis condutas praticáveis por indivíduos pertencentes às organizações criminosas, o legislador — nos limites da sua liberdade de conformação — optou, acertadamente, por descrever, em termos mais abertos, apenas as duas acima registradas, cuja escolha foi adequada para punir o agente que pretende obstruir investigações a abranger organizações criminosas. Ademais, a normatização do preceito primário traz definição clara do bem jurídico tutelado, dos sujeitos ativo e passivo da conduta, bem como dos verbos núcleos do tipo penal.
É compatível com o princípio da proporcionalidade, em sua acepção substancial, a previsão normativa de perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e da interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 anos subsequente ao cumprimento da pena, no caso em que funcionário público esteja envolvido com organizações criminosas (Lei 12.850/2013, art. 2º, § 6º).
O Congresso Nacional, dentro do seu espectro de funções constitucionais e por questões de política criminal, delimitou o alcance do efeito automático da sentença penal condenatória aos funcionários públicos que pratiquem os crimes preceituados na lei impugnada, o qual se mostra plenamente justificável em razão da notável reprovabilidade da conduta desses agentes.
É possível a designação de membro do Ministério Público para acompanhar as investigações que envolvam policiais em crime de organização criminosa (Lei 12.850/2013, art. 2º, § 7º).
Essa possibilidade, que objetiva apurar os fatos de forma mais detalhada e criteriosa, não viola a competência da própria Corregedoria de Polícia, especialmente à luz do poder investigatório do órgão ministerial (1). A comunicação da Corregedoria de Polícia ao Ministério Público representa desdobramento natural do controle externo da atividade policial que este exerce (CF/1988, art. 129, VII).
O § 14 do art. 4º da Lei 12.850/2013 deve ser interpretado no sentido de que o colaborador opta por deixar de exercer o direito fundamental ao silêncio, e não que renuncia à titularidade do direito fundamental.
A indisponibilidade e a irrenunciabilidade dos direitos fundamentais (sob a óptica do direito ao silêncio) devem ser entendidas como inerentes a seu titular, o que não significa a impossibilidade de o agente, por sua vontade, não exercer ou mesmo suspender alguns desses direitos.
Nesse contexto, a colaboração premiada é plenamente compatível com o princípio do nemo tenetur se detegere (direito de não produzir prova contra si mesmo). Os benefícios legais oriundos desse instituto são estímulos para o acusado fazer uso do exercício de não mais permanecer em silêncio, cabendo-lhe decidir, livremente e na presença de sua defesa técnica, se colabora, ou não, com os órgãos responsáveis pela persecução penal.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou improcedente a ação, para reconhecer a constitucionalidade do art. 2º, §§ 1º, 6º e 7º, e do art. 4º, § 14, ambos da Lei 12.850/2013 (2). Além disso, conferiu interpretação conforme a Constituição ao § 14 do art. 4º da referida lei, a fim de declarar que o termo “renúncia” deve ser interpretado não como forma de esgotamento da garantia do direito ao silêncio, que é irrenunciável e inalienável, mas sim como forma de “livre exercício do direito ao silêncio e da não autoincriminação pelos colaboradores, em relação aos fatos ilícitos que constituem o objeto dos negócios jurídicos”, haja vista que o acordo de colaboração premiada é ato voluntário, firmado na presença da defesa técnica (que deverá orientar o investigado acerca das consequências do negócio jurídico) e que possibilita grandes vantagens ao acusado.
(1) Precedente citado: RE 593.727 (Tema 184 RG).
(2) Lei 12.850/2013: “Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: (…) § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. (…) § 6º A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena. § 7º Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão. (…) Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: (…) § 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.”
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Fonte: Informativo nº 1117/2023 do Supremo Tribunal Federal (STF) – leia aqui.
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