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Evinis Talon

Crime de desobediência: teses defensivas e jurisprudência

29/12/2023

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Crime de desobediência: teses defensivas e jurisprudência

Nesse texto, analisarei o crime de desobediência, especificamente as teses defensivas e a jurisprudência.

Antes de apreciar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), demonstrarei as inúmeras possibilidades de elaboração de teses e estratégias defensivas em relação ao crime de desobediência.

Esse crime está previsto no art. 330 do Código Penal da seguinte forma: “desobedecer a ordem legal de funcionário público”.

Apesar das poucas palavras que integram esse dispositivo legal, o tipo penal do crime de desobediência possui elementos que permitem inúmeros questionamentos pela defesa.

Nesse diapasão, o núcleo desse crime é o verbo “desobedecer”, que, evidentemente, não é “obedecer com atraso”, “demorar para obedecer” ou “cumprir de forma distinta”.

Desobedecer pressupõe um definitivo descumprimento da ordem legal. Não há desobediência quando, por outro meio de execução do ato, chega-se ao cumprimento da ordem legal. Ademais, retardar o cumprimento também não consiste em desobediência.

No que concerne ao elemento “ordem legal”, deve-se destacar que, como tese defensiva, é imprescindível avaliar se a denúncia menciona o fundamento legal da ordem descumprida. Caso se trate de mera ordem convencional, regulamentar ou que, de qualquer forma, não tenha natureza legal, o fato é atípico. Além disso, se a denúncia não narra especificamente o fundamento legal da ordem descumprida, há nítida inépcia da denúncia, devendo esta ser rejeitada, forte no art. 395, I, do Código de Processo Penal.

Por fim, outro elemento que deve ser analisado detidamente pela defesa é a expressão “funcionário público”, avaliando se o indivíduo de quem emanou a ordem descumprida se insere em alguma das categorias descritas no art. 327 do Código Penal.

Vamos aos julgados do STJ relacionados ao crime de desobediência.

Um dos entendimentos de maior incidência prática é o relacionado ao descumprimento de medida protetiva da Lei Maria da Penha:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. LEI MARIA DA PENHA. POSSIBILIDADE DE PRISÃO PREVENTIVA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.
[…]
2. Na espécie, o descumprimento de medida protetiva, no âmbito da Lei Maria da Penha, não enseja o delito de desobediência, porquanto, além de não existir cominação legal a respeito do crime do artigo 330 do Código Penal, há previsão expressa, no Código de Processo Penal, de prisão preventiva, caso a medida judicial não seja cumprida.
[…]
(HC 394.567/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 09/05/2017, DJe 15/05/2017)

Até então, o descumprimento da medida protetiva tinha uma consequência legalmente prevista – prisão preventiva –, inexistindo disposição que cominasse cumulativamente a responsabilização pelo crime de desobediência. Contudo, salientamos que, por meio da Lei nº 13.641, de 2018, foi criado um crime consistente em descumprir medida protetiva da Lei Maria da Penha (veja aqui), razão pela qual a referida conduta não será tipificada como o crime de desobediência previsto no Código Penal, tampouco será aplicado o entendimento do STJ quanto à atipicidade da conduta. Agora, a conduta será enquadrada no novo tipo penal.

Trata-se do art. 24-A da Lei Maria da Penha, que diz:

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.
§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.
§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.
§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.

Aliás, o que o STJ entendia quanto à atipicidade da desobediência de medida protetiva é o mesmo entendimento que a defesa sempre alega em relação ao descumprimento de ordem de parada emanada de agente de trânsito, que já teve muitas decisões favoráveis, como a seguinte:

[…] havendo previsão, na seara administrativa, para a conduta do cidadão que não obedece à ordem de parada do agente de trânsito, gênero do qual é espécie o policial rodoviário federal, e não sendo cumulada a possibilidade da infração administrativa com a de natureza penal, não há que se falar na tipificação do delito descrito no art. 330 do CP.
(HC 348.265/SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/08/2016, DJe 26/08/2016)

No que tange ao descumprimento da ordem de parada, o art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) já prevê uma sanção administrativa, inexistindo previsão, neste ou em outro diploma legal, de cumulação com a responsabilização criminal.

Noutras palavras, “o crime de desobediência é subsidiário e somente se caracteriza nos casos em que o descumprimento da ordem emitida pela autoridade não é objeto de sanção administrativa, civil ou processual” (STJ, AgRg no AREsp 699.637/SP).

Entretanto, vale destacar que o seguinte entendimento sobre a desobediência à ordem legal de parada, de agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repreensão de crimes:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PENAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. ART. 330 DO CÓDIGO PENAL. ORDEM LEGAL DE PARADA EMANADA NO CONTEXTO DE ATIVIDADE OSTENSIVA DE SEGURANÇA PÚBLICA. TIPICIDADE DA CONDUTA. SUPOSTO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUTODEFESA E DE NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. DIREITOS NÃO ABSOLUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO PARA A PRÁTICA DE DELITOS. RECURSO PROVIDO. 1. O descumprimento de ordem legal emanada em contexto de policiamento ostensivo para prevenção e repressão de crimes, atuando os agentes públicos diretamente na segurança pública, configura o crime de desobediência, conforme foi reconhecido, no caso, pelo Juízo de primeira instância. 2. O direito a não autoincriminação não é absoluto, motivo pelo qual não pode ser invocado para justificar a prática de condutas consideradas penalmente relevantes pelo ordenamento jurídico. 3. Recurso especial representativo da controvérsia provido, com a fixação a seguinte tese: A desobediência à ordem legal de parada, emanada por agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330 do Código Penal Brasileiro. (STJ – REsp: 1859933 SC 2020/0022564-9, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 09/03/2022, S3 – TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 01/04/2022)

Em outras palavras, nessa hipótese acima, o STJ reconheceu que há crime de desobediência.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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