Por que ler?
Escrevo este texto após ler o interessantíssimo artigo do Alexandre Morais da Rosa sobre o “jurista mais ou menos” (leia aqui), em que ele trata daqueles que, quando perguntados se leram a Constituição, o Código Penal ou o Código de Processo Penal, respondem “mais ou menos”.
Por que ler? Por que o jurista precisa ter uma rotina intensa de leitura?
De certo modo, a leitura possibilitará que o jurista não seja motivo de chacota em determinadas situações. Sobre esse assunto, lembro-me de dois fatos que presenciei.
O primeiro fato ocorreu quando, em uma audiência, propus pela primeira vez a aplicação do controle de convencionalidade em relação ao crime de desacato. O Juiz, após as alegações finais orais, perguntou-me o que era o controle de convencionalidade (com a gravação audiovisual pausada). Expliquei-lhe resumidamente. Em seguida, sua decisão foi “afasto a tese de controle de inconvencionalidade (sic), pois o crime de desacato não foi revogado pelo legislador”. Em outras palavras, rejeitou algo que, até então, não havia ouvido falar, tampouco havia lido sobre esse assunto.
Em outra oportunidade, eu falava sobre uma tese que li em um artigo de alguém que dedicou a vida a estudar Direito Penal e que havia escrito dezenas de páginas sobre o tema nesse artigo. Nesse momento, um ouvinte diz: “não conhecia essa tese, mas eu discordo”. Estranho! Não conhecia a tese, mas, após ter ouvido a explicação por cerca de 2 minutos, considerava-se uma autoridade para discordar da tese desenvolvida durante anos por um autor que pesquisou inúmeros livros, escreveu vários artigos e tem uma vida dedicada aos estudos. Os outros ouvintes repreendiam esse ouvinte com o olhar e fazendo gestos negativos com as cabeças.
Noutros termos, quanto mais lemos, mais sabemos (o) que não sabemos.
Nos últimos tempos, infelizmente, ingressar na docência não tem exigido muitas leituras, mas se manter na docência sim. O professor sem conhecimento é desmascarado por meio de perguntas dos alunos mais curiosos e pela forma como leciona de modo burocrático, apenas com a leitura de dispositivos legais e sem a capacidade de, simultaneamente, expor o pouco que decorou antes da aula e fazer uma apresentação que encante os alunos.
Aliás, muitos professores e palestrantes, durante suas explanações, permanecem lendo a legislação. Nos raros comentários, reeditam, com outras palavras, aquilo que está na lei.
De acordo com os livros de oratória, uma das principais regras para que o orador fale bem é saber muito sobre o assunto sobre o qual falará. Nesse caso, a leitura é uma das melhores formas de desenvolver uma boa oratória.
Para quem atua na defesa penal, a leitura é fundamental para o conhecimento/desenvolvimento de teses defensivas, que normalmente surgem por meio da leitura da doutrina especializada e de votos de Ministros e Desembargadores, inclusive os votos vencidos, e não pela mera pesquisa aleatória de ementas.
Em relação aos Juízes, a leitura demonstrará que, conquanto tenham sido aprovados em concursos dificílimos, não sabem de tudo. Quanto mais lemos, mais estamos dispostos a ouvir os outros, haja vista que a leitura é isto: buscar lições nos textos de alguém que sabe mais sobre determinado assunto que você. Destarte, o Juiz que, depois de aprovado no concurso, continua a se dedicar à leitura tem mais chances de estar preparado para as inevitáveis teses inovadoras que surgirão nos processos e, caso não as conheça, reconhecerá a necessidade de ouvir atentamente alguém que as conhece.
Para os estudantes, ler sem uma finalidade concreta (um concurso próximo, o exame da OAB ou uma seleção para algum escritório de advocacia) pode parecer um exercício abstrato de nada. “Por que devo estudar, se ainda não sou/faço nada no Direito?”. Para os estudantes, deixo uma lição que ouvi quando também pensava assim: é melhor estar preparado e não ter uma chance do que ter uma chance e não estar preparado.
A leitura exige tempo e abdicação. Já abordei as perdas e os sacrifícios de uma vida dedicada aos estudos em outro texto (leia aqui).
De qualquer forma, as perdas que sofremos com a leitura e os estudos em geral são muito menores que os ganhos que obtemos. Ao contrário do que a minha querida mãe diz, ninguém morre ou fica louco apenas porque leu muito.
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