Termo de instauração da investigação criminal defensiva
O início da investigação criminal defensiva ocorre com sua instauração, mediante termo. Trata-se de um documento inicial importante, porquanto qualquer procedimento – público ou particular – não poderá começar diretamente por relatórios, juntadas de documentos ou diligências. Deve-se ter um ato formal de instauração, com a delimitação do objeto e dos sujeitos envolvidos.
Para uma melhor compreensão, recomenda-se utilizar como base o art. 4º da Resolução n. 181, de 7 de agosto de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que aborda a forma de instauração do procedimento investigatório criminal (PIC):
Art. 4º O procedimento investigatório criminal será instaurado por portaria fundamentada, devidamente registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem investigados e deverá conter, sempre que possível, o nome e a qualificação do autor da representação e a determinação das diligências iniciais.
Por esse dispositivo, a portaria deve ser:
- fundamentada;
- registrada;
- autuada.
Também precisa indicar os fatos a serem investigados. Se possível, deve conter o nome e a qualificação do autor da representação e a determinação das diligências iniciais.
Trazendo esses critérios para a Advocacia, recomenda-se que o documento de instauração da investigação defensiva seja fundamentado, especialmente no princípio da ampla defesa. Após a instauração, deve ser autuado, inserindo-o na pasta que servirá de capa. Para formalizar o procedimento, também é recomendável comunicar a instauração da investigação à Ordem dos Advogados do Brasil, minorando os riscos de que os atos do Advogado pareçam uma tentativa de interferir ilicitamente na investigação oficial.
De modo geral, o documento de instauração mencionará os fatos investigados (aqueles apurados no inquérito policial ou no processo), contendo também os dados do cliente e de outras pessoas envolvidas (outros suspeitos, investigados ou réus). No ato da instauração, também é recomendável inserir os próximos passos, isto é, as diligências que serão realizadas inicialmente.
Quanto a quem deve elaborar/assinar o termo de instauração, é inegável que, como a investigação criminal defensiva é ato privativo da Advocacia, deve ser o Advogado que preside e conduz o procedimento.
Também é aconselhável que seja juntada, com o termo de instauração, a procuração assinada pelo cliente (investigado ou réu), demonstrando que não se trata de investigação defensiva instaurada “de ofício”, mas sim no exercício da atividade advocatícia, após a devida concessão de poderes.
Em que pese não exista, até o momento, consenso sobre qual deve ser o conteúdo da procuração ao Advogado que instaurará a investigação, entendemos que não há necessidade de poderes especiais (ao contrário da procuração para oferecer queixa-crime), por se tratar de atividade inerente à defesa. Contudo, para evitar inconvenientes, recomenda-se a previsão da atribuição do poder de instaurar investigação criminal defensiva. Portanto, não seria obrigatório, mas apenas recomendável.
Dessa forma, na procuração, recomenda-se o acréscimo de um trecho com os seguintes termos:
O cliente outorga poderes, inclusive, para a instauração e condução de uma investigação criminal defensiva, conforme autorizado pelo Provimento n. 188/18 do Conselho Federal da OAB e, com essa finalidade, tomar depoimento de testemunhas, produzir perícias e realizar outras diligências necessárias.
Quanto ao termo de instauração, sugere-se a seguinte estrutura:
- uma numeração única e renovada anualmente;
- os fundamentos (“considerando que…”)
- a qualificação do cliente e, se possível, a da vítima, que pode ser encontrada nos autos da investigação oficial;
- as informações relativas ao crime investigado/imputado, como a tipificação legal, a data, o horário e o local de sua suposta prática;
- as informações relativas à instauração da investigação defensiva, como a data, o horário e o local do seu início;
- as diligências iniciais.
Uma observação pertinente quanto à fundamentação do ato de instauração é feita por Bulhões (2019, p. 134-135):
Quanto à Portaria ou Termo de Instauração, há como estruturar o documento em vários ‘CONSIDERANDOS’, narrando os fundamentos que legitimam a atuação do profissional e ainda as circunstâncias que ensejaram a investigação defensiva, seguido da justificativa pela qual se ‘RESOLVE’ instaurar o Autos de Investigação Defensiva (AID).
A inserção da fundamentação inicial com inúmeros “considerando que…” é muito frequente na instauração dos inquéritos civis públicos e dos procedimentos investigatórios criminais.
Vejamos um exemplo desse trecho inicial do termo de instauração de uma investigação criminal defensiva:
Considerando que a Constituição Federal garante a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, da Constituição Federal);
Considerando que o Provimento 188/2018 do Conselho Federal da OAB autoriza e regulamenta a investigação criminal defensiva;
Considerando que a autoridade policial trata como discricionariedade os requerimentos da defesa (art. 14 do CPP);
Considerando que o Ministério Público, parte interessada em promover a denúncia, exerce o controle externo da autoridade policial (art. 129, VII, da Constituição Federal), o que viola a paridade de armas;
Considerando que está em andamento o inquérito policial número …, em …, tendo o constituinte como investigado;
Considerando que, conforme o sobredito inquérito policial, há uma produção de elementos informativos unicamente em favor da versão acusatória, desconsiderando a linha defensiva;
Considerando que é função do Advogado tutelar os direitos e interesses de seu cliente;
Considerando a necessidade de desconstituir a narrativa acusatória.
Salienta-se, por oportuno, que esses fundamentos podem ser utilizados, com as devidas adequações, na petição de juntada dos resultados da investigação defensiva aos autos oficiais (inquérito policial ou processo penal).
Após os “considerandos”, adiciona-se o trecho relativo ao ato de instauração da investigação defensiva, com algumas informações importantes, além do trecho “resolve instaurar a presente investigação criminal defensiva”.
Como exemplo do trecho completo, temos o seguinte:
No dia ___, às ___ horas, na cidade de __, o Advogado ___, regularmente inscrito na OAB/__ sob o n. ___, (qualificação do Advogado), resolve instaurar a presente investigação criminal defensiva em favor de ___, (qualificação do cliente), em razão da tramitação do inquérito policial n. __, em andamento na cidade de ___, por suposta prática do crime de ___ (art. ___ do Código Penal), no dia ___, às ___ horas, em ___, contra ___, (qualificação da vítima).
Também deve inserir no termo de instauração da investigação defensiva as diligências ou medidas iniciais. Normalmente, instaura-se o procedimento tendo um panorama das primeiras atividades que serão desenvolvidas (oitivas, perícias, atividades de campo etc.). Instaurar uma investigação sem saber quais serão os primeiros atos pode demonstrar que o Advogado está perdido quanto às estratégias ou que deu início à investigação apenas como forma de transmitir a aparência de uma atuação artesanal.
Sugere-se a inserção de um trecho nos seguintes moldes:
- “De início, devem ser tomadas as seguintes providências”;
- “De início, resolve apurar os seguintes fatos”;
- “De início, resolve diligenciar no seguinte sentido”.
Em seguida, deve-se apresentar um rol das diligências, como:
a) fazer contato telefônico com …, a fim de obter informações sobre (…);
b) diligenciar na busca por gravações audiovisuais no local do fato;
c) obter o endereço da testemunha (…) para, em seguida, tomar o seu depoimento;
d) entrar em contato com as pessoas que moram no quarteirão do local em que teria acontecido o crime.
A escolha das diligências iniciais dependerá do crime investigado, do panorama apresentado até o momento da instauração e das informações obtidas por meio da análise dos autos oficiais e do atendimento ao cliente.
Após a elaboração do termo de instauração, o Advogado deverá inseri-lo nos autos, comunicar à OAB e ter como foco a realização das diligências já definidas e a avaliação sobre o cabimento de novas diligências.
Referência:
BULHÕES, Gabriel. Manual prático de investigação defensiva: um novo paradigma na advocacia criminal brasileira. Florianópolis, SC: EMAIS, 2019.
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