Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC 72.706/MT, julgado em 06/10/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. INEVIDÊNCIA. ILICITUDE DAS PROVAS NÃO CONFIGURADA. QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO. DECISÃO FUNDAMENTADA. PRORROGAÇÕES. POSSIBILIDADE. CONTAGEM DO PRAZO A PARTIR DO EFETIVO INÍCIO DA ESCUTA. JUNTADA TARDIA DA ÍNTEGRA DO PROCEDIMENTO. QUESTÃO NÃO ENFRENTADA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. INOBSERVÂNCIA DO ART. 226 DO CPP. NULIDADE. AUSÊNCIA. PARECER ACOLHIDO.
1. Não sendo possível atestar, de plano, a falta de justa causa para a ação penal, incabível, nesta via, o seu trancamento.
2. Estão devidamente fundamentadas as decisões que autorizaram a quebra do sigilo telefônico e respectivas prorrogações, uma vez que adequadamente justificada a necessidade das medidas, com o esclarecimento de serem imprescindíveis às investigações.
3. Não há mais dúvida de que o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a prorrogação da interceptação telefônica a um único período, podendo haver sucessivas renovações, e de que o prazo de 15 dias ali previsto começa a correr da data em que a escuta é efetivamente iniciada, e não do despacho judicial.
4. A propósito da alegada juntada tardia das decisões autorizadoras do procedimento de quebra de sigilo ao processo, não há manifesta ilegalidade a ser reparada, pois, além de não ter sido enfrentada a questão pelo Tribunal a quo, não ficou demonstrado o prejuízo.
5. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as disposições constantes do art. 226 do Código de Processo Penal configuram recomendação legal, e não uma exigência, não se configurando nulidade quando o ato processual é praticado de modo diverso.
6. Recurso em habeas corpus improvido. (RHC 72.706/MT, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 25/10/2016)
Leia a íntegra do voto do Ministro Sebastião Reis Júnior:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR):
Estou de pleno acordo com a manifestação do Subprocurador-Geral da República Francisco Xavier Pinheiro Filho, a qual acolho por seus próprios fundamentos (fls. 980/986 – grifo nosso):
[…]
6. Inicialmente, cumpre consignar que o habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação penal, quando o pleito se baseia em falta justa causa (ausência de prova da participação do paciente nos fatos delituosos), não verificada, primo oculi. Referida análise demanda revolvimento fático-probatório, não condizente com a via restrita do writ.7. Não bastasse esse fato, ao contrário do alegado pelo recorrente, observo que o pedido de quebra do sigilo de dados, inicialmente, restringiu-se ao celular da vítima e partiu da autoridade policial, baseando-se nas provas colhidas durante as investigações (oitiva de testemunhas, diligência realizadas no local dos fatos, onde foi encontrado projétil de arma de fogo, cadeira com fitas adesivas e restos de sangue). Referido pedido foi autorizado judicialmente, de maneira fundamentada, em 9/10/2013 (fls. 449/456 e-STJ).
8. Após a checagem dos números que a vítima tinha entrado em contato nos dias anteriores ao seu homicídio, a autoridade policial solicitou a prorrogação da interceptação já autorizada e a inclusão de novos números telefônicos (481/489 e-STJ).
9. O pleito foi deferido pela juíza singular em decisão datada de 10/02/2014 (fl. 509 e-STJ). Dentre os números que tiveram a quebra de sigilo, consta o (66) 96785091, cadastrado em nome de M da G G, descobrindo-se que poderia ser a linha móvel tida como clandestina e utilizada pelo recorrente A E (fls. 269 e-STJ).
10. Posteriormente, foram solicitadas pela autoridade policial nova prorrogação das interceptações telefônicas e a inclusão de novos números, dentre eles, o (65) 96462325, cadastrado em nome do recorrente A E (folhas 614/623 e-STJ). O pedido foi deferido em 4/4/2014, por meio de decisão assim fundamentada (fls. 635/636 e-STJ):
“tendo em vista as novas informações trazidas pela autoridade policial decorrentes das interceptações telefônicas até então realizadas, fortalecendo uma das frentes da investigação, no sentido de que o homicídio apurado pode ter sido motivado por vingança e praticado por pessoas ligadas ao namorado da vítima (filha, namorado dessa, ex-mulher), reitero a fundamentação da decisão inicial e anterior e, em consonância com o parecer ministerial”
11. Em 21/05/2014, foi autorizada a prorrogação da interceptação referente à linha do recorrente (fls. 645/652 e 679/679 e-STJ), haja vista que o conteúdo das conversas revelaram uma possível participação de N C (filha do namorado da vítima) e A E na prática delitiva.
12. Assim, não há ilicitude na quebra do sigilo e prorrogação da interceptação telefônica do número do celular do recorrente, eis que autorizada por decisões devidamente fundamentadas em elementos que demonstravam a necessidade de aprofundamento das investigação do homicídio. Em caso análogo, assim decidiu este Superior Tribunal de Justiça:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LATROCÍNIO E CORRUPÇÃO DE MENORES. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA REALIZADA EM CONSONÂNCIA COM OS DISPOSITIVOS DA LEI N. 9.296/1996 E COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. DECISÃO MOTIVADA. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. INSTRUÇÃO PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADES. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. SÚMULA 283/STF. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. SÚMULA 83/STJ. ALEGAÇÃO DE ERRÔNEA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA, DE INADEQUAÇÃO DO PROCEDIMENTO E DE ILICITUDE DAS PROVAS. PRETENSÃO DE DESCLASSIFICAÇÃO E ABSOLVIÇÃO. DESCABIMENTO. SÚMULA 7/STJ. ART. 244-B DO ECA. IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO RETROATIVA DA SÚMULA 500/STJ. TESE NÃO PREQUESTIONADA. SÚMULA 211/STJ. NATUREZA FORMAL. ENTENDIMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. 1. Não trazendo o agravante tese jurídica capaz de modificar o posicionamento anteriormente firmado, é de se manter a decisão agravada por seus próprios fundamentos. 2. Realizada a interceptação telefônica nos moldes estabelecidos pela Lei n. 9.296/1996, ou seja, precedida de autorização judicial devidamente fundamentada na presença de indícios razoáveis de autoria e, ainda, na sua imprescindibilidade como meio de prova, não há falar em prova ilícita. Precedentes. 3. As alegações de nulidade, de inaptidão e de insuficiência da prova emprestada; de nulidade do processo, em razão de cerceamento de defesa, de errônea qualificação jurídica e de procedimento inadequado; e de inexistência de provas da participação do defendente no evento morte demandam inevitável revolvimento do arcabouço fático-probatório, vedado em sede de recurso especial (Súmula 7/STJ). 4. Verificando-se que o acórdão recorrido assentou seu entendimento em mais de um fundamento suficiente para manter o julgado, enquanto o recurso especial não abrangeu todos eles, correta a aplicação, na espécie, da Súmula 283/STF. 5. A Corte de origem não emitiu nenhum juízo de valor acerca da tese jurídica de impossibilidade de aplicação retroativa da Súmula 500/STJ ao caso dos autos levantada no recurso especial. Se não houve debate sobre a questão jurídica, fica afastado o prequestionamento, explícito ou implícito, indispensável para o conhecimento do recurso especial. 6. É assente no Superior Tribunal de Justiça, bem como no Supremo Tribunal Federal, o entendimento de que o crime tipificado no art. 244- B do Estatuto da Criança e do Adolescente é formal, ou seja, a sua caracterização independe de prova da efetiva e posterior corrupção do menor. 7. A simples transcrição de ementas ou votos, sem que se evidencie a similitude fática das situações e a divergência de interpretações entre o acórdão recorrido e o paradigma, não se presta para a demonstração do dissídio jurisprudencial. Afora isso, julgados prolatados em habeas corpus não se prestam à configuração do dissídio. 8. Agravo regimental improvido.” (g.n.). (AgRg no AREsp n. 689.567/PR, de minha relatoria, Sexta Turma, julgado em 8/3/2016, DJe 17/3/2016).
13. Assim, sendo lícitas as provas colhidas e havendo indícios da participação do recorrente na prática delitiva, afasta-se a arguição de ausência de justa causa para a ação penal.
14. Concernente à alegação de que o reconhecimento fotográfico foi realizado fora das determinações contidas no art. 226 do código de processo penal, cumpre consignar que o superior tribunal de Justiça firmou o entendimento de que referida situação constitui mera irregularidade não ensejando a nulidade do ato.
15. Nesse sentido:
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO E EXTORSÃO. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DO RECORRENTE EM SEDE POLICIAL. VALORAÇÃO DA PROVA PELAS PARTES AO FINAL DO PROCEDIMENTO INQUISITORIAL. COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE. 1. Em sede de habeas corpus somente deve ser obstado o inquérito policial se restar demonstrada, de forma indubitável, a atipicidade da conduta, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade e a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. 2. Esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento no sentido de que as disposições insculpidas no artigo 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não uma exigência, cuja inobservância não enseja a nulidade do ato. Precedentes. 3. Na hipótese dos autos, a referida prova ainda será contrastada com os demais elementos de convicção reunidos no procedimento investigatório, e analisada tanto pelo Ministério Público quanto pelo magistrado singular, bem como contestada pela defesa, o que impede a sua invalidação nesta oportunidade e instância. EXPEDIÇÃO DE SALVO-CONDUTO EM FAVOR DO RECORRENTE. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE AMEAÇA CONCRETA AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO. DESCABIMENTO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL PARA O FIM PRETENDIDO. 1. Inviável utilizar o remédio constitucional para obstar eventuais ilegalidades ou constrangimentos ainda não concretizados e sem fundado receio de que realmente ocorrerão. 2. A mera suposição, sem indicativo fático, de que a autoridade policial estaria perseguindo a segregação antecipada do investigado não constitui uma não constitui uma ameaça concreta à sua liberdade capaz de justificar o manejo do mandamus para o fim pretendido. 3. Recurso desprovido.” (RHC n. 66.352/MG, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 10/5/2016, DJe 20/5/2016).
16. De toda forma, o referido reconhecimento fotográfico foi realizado em sede inquisitorial (fl. 270 e-STJ) e ainda será submetido ao contraditório na fase judicial, sendo prematura a declaração de eventual nulidade.
17. Pelo exposto, o parecer é pelo desprovimento do recurso ordinário em habeas corpus.
Realmente, verifica-se dos autos que a quebra do sigilo telefônico e as sucessivas interceptações se encontram legalmente amparadas e foram previamente justificadas pelo Magistrado de piso (fls. 449/456, 463/471, 509 e 635/636), com o esclarecimento de serem imprescindíveis às investigações.
Irretocável o acórdão impugnado ao concluir que em relação ao terminal telefônico cadastrado em nome do paciente, a autorização para a interceptação telefônica, decorrente de prova derivada e que não se confunde com prova ilícita, somente foi devidamente autorizada em 4/4/2014, em decisão fundamentada, que, embora singela, reforçou a necessidade de dar prosseguimento às investigações, decorrentes de diligências prévias, sobretudo pelas circunstâncias em que o crime ocorreu, e, pelos veementes indícios de que os autores do delito seriam pessoas ligadas à família do namorado da vítima, e, assim, somente pela interceptação telefônica, diante do caráter sigiloso, pode-se chegar aos possíveis autores do evento criminoso (fl. 908).
Observo que não há mais dúvida de que o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a prorrogação da interceptação telefônica a um único período, podendo haver sucessivas renovações, e que o prazo de 15 dias ali previsto começa a correr da data em que a escuta é efetivamente iniciada, e não do despacho judicial (nesse sentido, ver o HC n. 210.022/SP, de minha relatoria, Sexta Turma, DJe 5/9/2014).
Ademais, não há como se concluir, aqui, pela ilegalidade da juntada tardia das decisões autorizadoras do procedimento de quebra de sigilo ao processo, porque não enfrentada a questão pelo Tribunal a quo e porque não demonstrado o prejuízo. A propósito, confira-se o RHC n. 35.754/SP, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 31/3/2015.
Por fim, como bem exposto no parecer, há aqui a compreensão de que o reconhecimento fotográfico é plenamente apto para a identificação do réu e a fixação da autoria delituosa, desde que corroborado por outros elementos idôneos de convicção (HC n. 224.831/MG, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 1º/8/2016), e de que as disposições insculpidas no artigo 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não uma exigência, cuja inobservância não enseja a nulidade do ato (RHC n. 66.352/MG, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 20/5/2016)
Assim, não sendo possível atestar de plano a falta de justa causa, incabível, nesta via, o trancamento da ação penal.
À vista do exposto, com base no parecer e na jurisprudência, nego provimento ao presente feito.
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