TRF4

Evinis Talon

TRF4: atipicidade quanto ao crime de radiodifusão sem autorização (art. 183 da Lei nº 9.472/97) se, antes da autuação, havia sido pedida a autorização administrativa

13/02/2020

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Decisão proferida pela Sétima Turma do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4) no ACR nº 5000303-14.2010.4.04.7118, julgado em 12/06/2014 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

EMENTA:   PENAL. RADIODIFUSÃO SEM AUTORIZAÇÃO. RÁDIO COMUNITÁRIA. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. PEDIDO ANTERIOR À AUTUAÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DA ELEMENTAR “CLANDESTINIDADE”. A elementar “clandestinidade”, prevista no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, não se configura quando pleiteada a autorização administrativa para a prestação do serviço de radiodifusão antes da lavratura do auto de infração. Precedentes. Absolvição dos réus, nos termos do artigo 386, III, do CPP. (TRF4, ACR 5000303-14.2010.4.04.7118, SÉTIMA TURMA, Relator JOSÉ PAULO BALTAZAR JUNIOR, juntado aos autos em 12/06/2014)

Leia a íntegra do voto:

VOTO

1.Considerações iniciais

Inicialmente, corrijo erro material existente na sentença que condenou os réus às penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, de 2 (dois) anos de reclusão cada um.

Contudo, o artigo 183 da referida lei, prevê a aplicação de pena de detenção, verbis:

“Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:

Pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).”

Dessarte, corrigindo o erro material existente na sentença, ressalto que os réus foram condenados a penas de 2 (dois) anos de detenção, cada um.

2.Tipicidade

Em suas razões recursais, os réus Anildo e Helena defendem a atipicidade da conduta, por ausência do elemento clandestinidade, vez que a Associação de Radiodifusão Comunitária Vicente Dutra possuía endereço e personalidade jurídica, o Ministério das Comunicações tinha ciência da existência da referida associação, bem como em razão de Mandado de Segurança impetrado contra a ANATEL, liminarmente determinando a não apreensão de equipamentos, além da jurisprudência nesse sentido.

O crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 é delito formal, que se consuma com a simples instalação e utilização de aparelhos para desenvolver atividades de telecomunicação sem a autorização da autoridade competente, prescindindo do resultado para sua configuração, consoante já decidiu a 4ª Seção deste Tribunal, verbis:

“PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97. TELECOMUNICAÇÕES. RADIOTRANSMISSOR INSTALADO EM VEÍCULO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. 1. (…). 2. A ausência de confissão e admissão pelos réus do uso do rádio clandestino não afasta a tipificação do delito, pois o equipamento foi instalado em lugar visível no painel do veículo e o delito constitui crime formal, bastando, para configurá-lo a simples instalação do rádio transceptor para incorrer no tipo “desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”, mesmo não sendo proprietários do veículo o condutor ou um dos outros três passageiros. 3. Embargos infringentes improvidos. (TRF4, EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 5000349-54.2010.404.7004, 4ª Seção, Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 01/04/2013)”

No mesmo sentido, a decisão de outro Tribunal:

(…) 5. o crime de desenvolvimento clandestino de telecomunicações é formal, consumando-se tão só com a prática da conduta descrita no tipo, vale dizer, com o exercício da atividade de telecomunicações sem a devida autorização da ANATEL, independentemente da produção de qualquer resultado naturalístico, caracterizando-se também como de perigo abstrato, sendo prescindível a ocorrência de dano, a efetiva interferência nos serviços autorizados de telecomunicações. (…) (TRF1, Segunda Turma Especializada, ACR nº 200850010157007, Rel. Des. Liliane Roriz, public. no E-DJF2R de 23/08/2012).

Nos termos do parágrafo único do art. 184 da Lei 9472/97: “Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite”.

A princípio, o fato da Associação de Radiodifusão Comunitária de Vicente Dutra ter endereço conhecido, inclusive da Justiça Federal e do Ministério das Comunicações, e inscrição no CNPJ, não tem o condão de afastar a elementar “clandestinidade” do tipo penal, uma vez que essa está relacionada com o funcionamento da rádio, ou “desenvolvimento da atividade de telecomunicações”, sem autorização dos órgãos competentes para tal.

De igual sorte, como referiu o Magistrado, o provimento parcial da apelação interposta no MS nº 2004.71.00.033238-9/RS, não autorizou o funcionamento da rádio comunitária, como se observa do acórdão da referida decisão, verbis:

“SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO SONORA. AUTORIZAÇÃO. FUNCIONAMENTO. APREENSÃO DE EQUIPAMENTOS. A CF/88, art. 21, XII, atribui à União a competência exclusiva para exploração, direta ou mediante autorização, concessão ou permissão, dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, competência ratificada pela Lei nº 9.612/98. O Poder Judiciário não pode deferir pedido para exploração de serviço de radiodifusão, que, por demora da Administração, ainda não foi deferido, sob pena de usurpar competência exclusiva do Poder Executivo. Não está submetido ao controle do Poder Judiciário ato de competência do Poder Executivo cujo retardo na sua expedição decorra do volume de serviço. Deve a ANATEL se abster de apreender os equipamentos da Parte Autora, ao menos enquanto pendente o processo administrativo concernente ao pedido de autorização. (TRF4, APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2004.71.00.033238-9, 4ª Turma, Des. Federal EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN JÚNIOR, D.J.U. 23/08/2006)” (grifamos)

O fato de a decisão ter acolhido parcialmente o recurso da Associação de Radiodifusão Comunitária de Vicente Dutra para determinar que a ANATEL se abstivesse de apreender os equipamentos da autora, enquanto pendente o processo administrativo concernente ao pedido de autorização de funcionamento, não significa que foi concedida à autora liminar para funcionamento provisório, como afirmam os apelantes.

Contudo, no caso, consoante colhe-se do relatório do MS nº 2004.71.00.033238-9/RS:

“Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado para que a autoridade coatora autorizasse provisoriamente o funcionamento e se abstivesse de realizar qualquer ato tendende ao fechamento da Associação de Radiodifusão Comunitária de Vicente Dutra, e de apreender seus equipamentos. Argumentou que não detém ainda a autorização definitiva fornecida pelo Ministério das Comunicações, embora tenha protocolado o pedido administrativo em agosto de 2003.”

No registro da Associação de Radiodifusão Comunitária de Vicente Dutra no cadastro nacional de pessoa jurídica – CNPJ, a data do pedido é 25.08.2003 (evento 58 originário – INQ1, fl. 54).

A autuação da associação pelo crime contra as telecomunicações ocorreu somente em 25 de novembro de 2008, data em que, após expedição de mandado judicial (Mandado de Busca e Apreensão nº 2008.71.11.80012062-1, da VF de Carazinho), foram apreendidos os equipamento da rádio comunitária, consoante consta no IPL (evento 30 originário – INQ2, fls. 7/8 e 21/22) e na denúncia (evento 1 originário – INIC1). Segundo informaram os réus, a autorização para funcionamento definitivo da rádio comunitária foi emitida em 2009 (eventos 103 e 106 originários – TERMOTRANSCDEP2).

O pedido de autorização em data anterior à autuação afasta a elementar clandestinidade do serviço de telecomunicações prevista no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, consoante já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1153607/PI, Rel. Ministro Gilson Dipp, 5ª T., DJe 23/09/2011, in verbis:

CRIMINAL. RESP. LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕES. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. DENÚNCIA REJEITADA, PELA ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DA CLANDESTINIDADE EXIGIDA PELA NORMA. SOLICITAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO ANTERIOR AO DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I. Não resta configurada o tipo do art. 183 da Lei n.º 9.472/97, pois, mesmo que o recorrido tenha se adiantado à autorização administrativa, colocando em funcionamento os equipamentos de radiotransmissão em momento anterior à resposta da autoridade, não se pode ter como ilícita a conduta praticada, pois no momento da solicitação autorizativa, já estava afastado o caráter de clandestinidade exigido pelo tipo penal em questão. Devem persistir, no entanto, os eventuais reflexos e sanções de caráter administrativo. Precedente. II. Recurso desprovido, nos termos do voto do Relator.

Nesse mesmo sentido, os precedentes deste Tribunal:

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. PROVEDOR DE INTERNET. CLANDESTINIDADE. PEDIDO ADMINISTRATIVO. ATIPICIDADE. CONFIGURAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. Consoante se verifica dos autos, em novembro de 2010, antes, portanto, da fiscalização da ANATEL, já se encontrava em trâmite perante referido órgão pedido para exploração do serviço de comunicação multimídia formulado pela empresa dos pacientes. 2. Não há, na espécie, ação por parte dos pacientes que permita justificar a criminalização da conduta, que, a par das penalidades administrativas e cíveis, somente se mostra aplicável em ultima ratio. 3. Em hipóteses como a presente, a jurisprudência pátria tem manifestado entendimento de não se configurar a prática ilícita, quando pleiteada a autorização administrativa antes de instaurar-se o processo penal, pois resta descaracterizada a clandestinidade. (TRF4, HABEAS CORPUS Nº 5021324-89.2012.404.0000, 7a. Turma, Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene, u., 27/02/2013)

PENAL. ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97. TELECOMUNICAÇÕES. PROVEDOR DE INTERNET. PEDIDO ADMINISTRATIVO ANTERIOR À DATA DA FISCALIZAÇÃO DA ANATEL. APELAÇÃO PROVIDA. 1. A prática habitual de atividade de telecomunicação sem a devida autorização dos órgãos públicos competentes subsume-se ao tipo previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97. 2. O afastamento da tipicidade pela ausência de clandestinidade, somente se verifica, segundo reiterada jurisprudência, se anteriormente a colocação do equipamento de telecomunicação em funcionamento o requerente protocola pedido junto à Anatel. Requerimento posterior a verificação do funcionamento não afasta a tipicidade penal. (TRF4, ACR Nº 5000476-44.2010.404.7213, 8a. T., Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, u., 28/05/2012)

PENAL. ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97. TELECOMUNICAÇÕES. PROVEDOR DE INTERNET. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CLANDESTINIDADE. PEDIDO ADMINISTRATIVO. A prática habitual de atividade de telecomunicação sem a devida autorização dos órgãos públicos competentes subsume-se ao tipo previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97. O afastamento da tipicidade pela ausência de clandestinidade, somente se verifica, segundo reiterada jurisprudência, se anteriormente a colocação do equipamento de telecomunicação em funcionamento o requerente protocola pedido junto à Anatel. Requerimento posterior a verificação do funcionamento não afasta a tipicidade penal. É de se rechaçar a aventada insignificância quando se tratar de serviço clandestino de provedor à internet. Precedentes. (TRF4, ACR Nº 5000283-92.2011.404.7213, 8a. Turma, Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, u., 21/05/2012)

Portanto, a conduta dos réus é atípica, devendo ser absolvidos, nos termos do artigo 386, III, do CPP, restando prejudicadas as demais razões de apelação.

3.Dispositivo

Ante o exposto, voto por, corrigir, de ofício, erro material na sentença, e dar provimento às apelações dos réus Anildo Edson Tietz e Helena Lazzaretti do Nascimento, para absolvê-los, nos termos do artigo 386, III, do CPP, restando prejudicadas as demais razões de apelação dos réus.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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