Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 374.713/RS, julgado em 06/06/2017 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. ADOÇÃO DA NOVA ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DESAFORAMENTO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA COMARCA EM QUE O FEITO FOI DESAFORADO. HERMENÊUTICA JURÍDICA. NORMA EXCEPCIONAL QUE COMPORTA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DESLOCAMENTO DO FORO TÃO SOMENTE PARA A REALIZAÇÃO DO TRIBUNAL POPULAR. DENEGAÇÃO DA ORDEM.
1. A nova orientação consolidada pelo Supremo Tribunal Federal, trilhada por esta Corte, é no sentido de possibilitar a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário (HC n. 126.292/SP, relator o Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 17/5/2016).
2. Em seguida, por 6 votos a 5, o Plenário do Pretório Excelso indeferiu as cautelares requeridas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43 e 44, entendendo que o disposto no art. 283 do Código de Processo Penal não veda o início da execução penal após a condenação em segundo grau de jurisdição (DJe 7/10/2016).
3. A Corte Suprema, por seu Tribunal Pleno, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, reafirmando sua jurisprudência dominante, no sentido de que a “execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal” (ARE n. 964.246, Rel. Ministro Teori Zavascki, julgado em 11/11/2016).
4. Não há que se falar em violação ao trânsito em julgado tão somente em função de ter constado no dispositivo da sentença a determinação proibitiva de se iniciar, provisoriamente, a execução da pena, uma vez que, naquela ocasião, era este o entendimento vigente na Pretória Corte, daí o porquê da aposição do comando “aguarde-se o trânsito em julgado”, ou similar teor, verificado em diversas das sentenças submetidas a exame desta Corte Superior.
5. Caso contrário, a despeito da evolução jurisprudencial do STF, estaria o Poder Judiciário engessado ao assinalado pela sentença de primeiro grau, afigurando-se verdadeiro paradoxo jurídico.
6. De acordo com o teor dos arts. 70 e 69, I, ambos do CPP, via de regra, a competência dar-se-á pelo local da infração, pois presume-se que, no distrito da culpa, o acervo probatório será construído com maior robustez, adotando-se, nesse campo, a expressão latina do forum delicti comissi.
7. No procedimento do Tribunal do Júri, a competência ratione loci revela-se ainda mais preponderante, haja vista que os jurados do local dos fatos, frise-se, leigos sob a ótica jurídica, decidirão com base em razões pessoais, influenciadas pela cultura social circunscrita àquela localidade.
8. Contudo, excepcionando essa regra, além dos casos de atraso no julgamento e excesso de serviço (art. 428, CPP), o art. 427 do Código de Ritos Penais estabelece que, nas hipóteses em que o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvidas sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, poderá ser determinado o desaforamento do feito para comarca distinta, da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.
9. Em se tratando de norma de exceção, a jurisprudência desta Corte Superior tem consagrado entendimento que sua interpretação deve se dar de forma restritiva (AgRg no REsp 1111687/RO, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 14/09/2009).
10. Aplicação hermenêutica. As normas positivas que estabelecem pena restringem o livre exercício dos direitos, ou contêm exceção a lei, submetem-se à interpretação estrita – Leges quoe poenam statuunt, aut liberum jurium exercitium coarctant, aut exceptionem a lege continent, strictae subsunt interpretation.
11. Delimitação da incidência do instituto da perpetuatio jurisdicionais no Tribunal do Júri, tão somente para submeter a sua solução todas as questões, incidentes ou não, que surgirem no curso do feito, quando serão solucionadas pelo juízo da comarca destinatária do desaforamento, enquanto não findo o juízo popular.
12. Não ocorrência de violação ao artigo 668 do CPP, tendo em vista tratar-se de norma afeta aos julgamentos originariamente designados ao Júri, o que não se revela quando da ocorrência do instituto do desaforamento.
13. Sob o panorama da interpretação sistemática que deve ser conferida no caso sub exame, forçoso concluir que o art. 427 do Código de Processo Penal não comporta interpretação ampliativa, de modo que o deslocamento de competência dar-se-á tão somente quanto ao Tribunal Popular, ao passo que, uma vez realizado, esgota-se a competência da comarca destinatária, inexistindo, in casu, qualquer violação quanto à execução provisória determinada pelo juízo originário da causa, em observância à exegese do art. 70 do CPP.
14. Ordem denegada. (HC 374.713/RS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/06/2017, DJe 13/06/2017)
Leia a íntegra do voto do Ministro Antonio Saldanha Palheiro:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Na espécie, a defesa impetrou habeas corpus forte no argumento de que a decisão de execução provisória proferida pelo Juízo de primeiro grau estaria ocasionando constrangimento ilegal ao paciente, pois, além de não possuir competência para tanto, afrontaria o direito de os recorrentes recorrerem em liberdade.
Antes de adentrar ao ponto nodal do presente writ, cumpre gizar os fatos que dão contorno ao caso em apreço.
Extrai-se dos autos que os pacientes, líderes do “Movimento dos Sem Terra” (MST), são acusados de, em ataques perpetrados às famílias alocadas nos lotes do Assentamento Rondinha, interior do município de Jóia/RS, matar a vítima Pedro Nilton da Luz Pedroso, com tiros de revólver, sendo, portanto, denunciados pela prática do crime de homicídio qualificado por motivo torpe e pela utilização de recurso que dificultou a defesa da vítima, portanto, incursos no art. 121, § 2º, I e IV, c/c o art. 29, caput, ambos do Código Penal.
Após decisão de pronúncia, proferida pelo Juízo da Comarca de Augusto Pestana/RS, o desaforamento do julgamento foi deferido para garantir a imparcialidade do Conselho de Sentença, sendo o feito, então, remetido à Comarca de Porto Alegre/RS.
Passo seguinte, o tribunal popular deliberou pela condenação dos acusados, tendo o Juízo da 2ª Vara do Júri da Comarca de Porto Alegre/RS fixado a pena de 15 (quinze) anos de reclusão para cada um dos acusados, nas medidas das penas previstas nos artigos em que se deu a denúncia, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, sendo confirmada a sentença pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (e-STJ fls. 28/44).
Diante disso, o Ministério Público da Comarca de Augusto Pestana/RS, escorando-se na evolução jurisprudencial da Suprema Corte, requereu a execução provisória da pena, o que foi deferido pelo Juízo local (e-STJ fls. 134/135).
Nesse ponto reside a insurgência manifestada nas razões deste remédio heroico.
De início, convém salientar que, no tocante à execução provisória da pena, não recaem dúvidas sobre sua viabilidade, tendo em vista que a nova orientação consolidada pelo Supremo Tribunal Federal é no sentido de possibilitar a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário (HC n. 126.292/SP, Rel. Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 17/5/2016).
Observe-se que, naquele julgamento, deixou-se assentado que a execução de sentença penal condenatória confirmada por Tribunal de segundo grau de jurisdição “não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”.
Essa orientação foi, em seguida, adotada pela Corte Especial deste Superior Tribunal, conforme evidencia a ementa a seguir transcrita:
Pendente o trânsito em julgado do acórdão condenatório apenas pela interposição de recurso de natureza extraordinária, é possível a execução de pena. Numa mudança vertiginosa de paradigma, o STF, no julgamento do HC 126.292-SP (Tribunal Pleno, DJe 17/5/2016), mudou sua orientação para permitir, sob o status de cumprimento provisório da pena, a expedição de mandado de prisão depois de exaurido o duplo grau de jurisdição. Em verdade, pelas razões colhidas do voto condutor, o exaurimento da cognição de matéria fática é o balizador determinante a autorizar a execução provisória da pena. Não se cogita, portanto, de prisão preventiva. Em outros termos, pendente o trânsito em julgado apenas pela interposição de recurso de natureza extraordinária, é possível iniciar-se o cumprimento da pena, sem ofensa ao direito fundamental inserto no art. 5º, LVII, da CF. Nesses moldes, é possível iniciar-se o cumprimento da pena, pendente o trânsito em julgado, porque eventual recurso de natureza extraordinária não é, em regra, dotado de efeito suspensivo. (QO na APn 675-GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 6/4/2016, DJe 26/4/2016)
Na mesma senda as Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1º, II, DA LEI Nº 8.137/1990. APELAÇÃO E EMBARGOS DE DECLARAÇÃO JULGADOS. EXPEDIÇÃO DO MANDADO DE PRISÃO. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. OFENSA À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. REFORMATIO IN PEJUS. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 17.2.2016, no julgamento do HC n.º 126.292/SP, decidiu, por maioria de votos, que a execução provisória da pena não afronta o princípio constitucional da presunção de inocência, de modo que, confirmada a condenação por colegiado em segundo grau, e ainda que pendentes de julgamento recursos de natureza extraordinária (recurso especial e/ou extraordinário), a pena poderá, desde já, ser executada. Não há falar em reformatio in pejus diante do contido na sentença de primeiro grau. Ressalva do entendimento da Relatora. 2. Ordem denegada. (HC 354.441/PE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 14/06/2016)
PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO MANTIDA EM ACÓRDÃO QUE CONFIRMA CONDENAÇÃO. TRÁFICO INTERESTADUAL DE ENTORPECENTES. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. NOVA ORIENTAÇÃO DO STF. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. De acordo com a nova orientação do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 126.292/MG, prolatado julgamento condenatório por Tribunal de apelação, e na pendência de recursos especial ou extraordinário sem efeitos suspensivos concedidos, não há que se falar em ilegalidade da execução provisória da pena a justificar a concessão da ordem de habeas corpus. 2. Habeas corpus denegado, e revogada a liminar anteriormente deferida. (HC 311.433/ES, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 01/06/2016)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADMISSIBILIDADE. MÉRITO. ROUBO QUALIFICADO. PACIENTE CONDENADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA, GARANTIDO O DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. SENTENÇA CONFIRMADA EM SEGUNDA INSTÂNCIA. PRISÃO DETERMINADA PELO TRIBUNAL. POSSIBILIDADE. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. LEGALIDADE. RECENTE ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ORDEM NÃO CONHECIDA. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência (HC n. 126292, julgado no dia 17 de fevereiro de 2016). 3. No particular, como a sentença condenatória foi confirmada pelo Tribunal de origem e porquanto encerrada a jurisdição das instâncias ordinárias (bem como a análise dos fatos e provas que assentaram a culpa do condenado), é possível dar início à execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da condenação, sem que isso importe em violação Do princípio constitucional da presunção de inocência. Ademais, a sentença assegurou ao paciente o direito de recorrer em liberdade, o que representa a prerrogativa de apelar em liberdade, como ocorreu, tendo em vista que os recursos especial e extraordinário não são dotados, regra geral, de efeito suspensivo. 4. Habeas Corpus não conhecido. Cassada, de ofício, a liminar outrora deferida em benefício do paciente e recomendada a análise da detração penal. (HC 350.518/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 24/05/2016)
De mais a mais, na tarde do dia 5/10/2016, por 6 votos a 5, o Plenário do Supremo Tribunal Federal indeferiu as cautelares requeridas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43 e 44, entendendo que o disposto no art. 283 do Código de Processo Penal não veda o início da execução penal após a condenação em segundo grau de jurisdição.
Cumpre advertir que, embora o realinhamento da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não tenha afastado do julgador, dentro do seu poder geral de cautela, a possibilidade excepcional de se atribuir efeito suspensivo ao recurso especial e, com isso, obstar o início da execução provisória da pena, certo é que tal situação não se verifica no caso vertente, na medida em que não apontada pela defesa sequer a tese aventada no apelo raro que autorizaria a concessão da ordem, de forma a impedir a execução provisória da pena.
Nesse contexto, não há que se falar em violação ao trânsito em julgado tão somente em função de ter constado no dispositivo da sentença a determinação proibitiva de se iniciar, provisoriamente, a execução da pena, uma vez que, naquela ocasião, era este o entendimento vigente na Pretória Corte, daí o porquê da aposição do comando “aguarde-se o trânsito em julgado”, ou similar teor, verificado em diversas das sentenças submetidas a exame desta Corte Superior.
Caso contrário, a despeito da evolução jurisprudencial do STF, estaria o Poder Judiciário engessado ao assinalado pela sentença de primeiro grau, afigurando-se verdadeiro paradoxo jurídico.
Um segundo argumento repousa na incompetência de o Juízo em que o feito foi desaforado proferir decisão autorizando a execução provisória da pena.
Sabe-se que, de acordo com o teor dos arts. 70 e 69, I, ambos do CPP, via de regra, a competência dar-se-á pelo local da infração, pois presume-se que no lugar dos fatos, isto é, no distrito da culpa, o acervo probatório será construído com maior robustez, adotando-se, nesse campo, a expressão latina do forum delicti comissi.
No procedimento dos crimes dolosos contra a vida, portanto, submetidos ao Tribunal do Júri, a competência ratione loci revela-se ainda mais preponderante, haja vista que os jurados do local dos fatos, frise-se, leigos sob a ótica jurídica, decidirão com base em razões pessoais, influenciadas pela cultura social circunscrita àquela localidade.
Sobre esse tema, são as ponderações de Sergio Demoro Hamilton ao assinalar in verbis:
“[…] não sendo fundamentadas suas decisões, o que pesará no veredicto serão, como é natural, os valores culturais do local, pois os jurados decidem de acordo com padrões do meio social em que vivem. A mentalidade do lugar é que irá influir – e muito! – na valoração do fato a ser apreciado. É por tal razão que, no Júri, mais que nunca, sobreleva a razão de ser a competência ratione loci”. (HAMILTON, Sergio Demoro. Estudos de Processo Penal. 4ª Série. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2012. p. 13, grifei)
Contudo, excepcionando a regra supracitada, além dos casos de atraso no julgamento e excesso de serviço (art. 428, CPP), o art. 427 do Código de Ritos Penais estabelece que, nas hipóteses em que o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvidas sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, poderá ser determinado o desaforamento do feito para comarca distinta, da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.
Com efeito, em se tratando de norma de exceção, a jurisprudência desta Corte Superior tem consagrado entendimento que sua interpretação deve se dar de forma restritiva (AgRg no REsp 1111687/RO, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 14/09/2009).
Revolvendo as lições de José Frederico Marques, corrobora-se essa conclusão ao insigne quando assevera que o desaforamento é medida de exceção, de modo que “constitui ele uma verdadeira mudança nas regras de competência territorial, justificável tão-só pelas peculiaridades do Júri”. (A Instituição do Júri. São Paulo: Bookseller, 1997. p. 258).
Perfilhando desse raciocínio, o Desembargador Paulo Rangel leciona in litteris:
“O desaforamento somente compreende o julgamento, ou seja, não inclui os atos do processo. Não se trata de medida para retirar o processamentos dos atos das mão do juiz, mas sim, única e exclusivamente, o julgamento do fato.” (Tribunal do Júri. Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 189, grifei)
Ainda sob a ótica hermenêutica e da aplicação do Direito no Tribunal do Júri, válido destacar que “cuida-se o desaforamento, portanto, de decisão jurisdicional que altera a competência inicialmente fixada pelos critérios constantes do art. 70 do CPP, com aplicação estrita à sessão de julgamento propriamente dita” (DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Competência Criminal. 2ª ed. rev., amp. e atual. Bahia: Juspodivm, 2014. p. 386, grifei).
Acerca desse tema, sempre valiosos são os ensinamentos de Carlos Maximiliano, ao afirmar, in verbis:
Estriba-se a regra numa razão geral, a exceção numa particular; aquela baseia-se mais na justiça, esta, na utilidade social, local, ou particular. As duas proposições devem abranger coisas da mesma natureza; a que mais abarca, há constituir a regra; a outra, a exceção.
[…]
O Código Civil explicitamente consolidou o preceito clássico – Exceptiones sunt strictissimoe interpretationis (“interpretam-se as exceções estritissimamente”) no art. 6º da antiga Introdução, assim concebido: “A lei que abre exceção a regras regais, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica”.
O princípio encontra nos institutos jurídicos de Roma, que proibiam estender disposições excepcionais, e assim denominavam as do Direito exorbitante, anormal ou anômalo, isto é, os preceitos estabelecidos contra a razão de Direito; limitava-lhes o alcance, por serem um mal, embora mal necessário.
[…]
Os sábio elaboradores do Codex Juris Canonci (Código de Direito Canônico) prestigiaram a doutrina do brocardo, com inserir no Livro I, título I, cânon 19, este preceito translúcido:
“Leges quoe poenam statuunt, aut liberum jurium exercitium coarctant, aut exceptionem a lege continent, strictae subsunt interpretation” (“As normas posivitas que estabelecem pena restringem o livre exercício dos direitos, ou contêm exceção a lei, submetem-se a interpretação estrita”).
[…]
As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente.
(Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 183-185, grifei.)
Ressalte-se que não se está aqui a desconhecer a incidência do instituto da perpetuatio jurisdicionais no Tribunal do Júri, conforme já pacificado pela Pretória Corte, mas apenas delimitar sua cognição para submeter a sua solução todas as questões, incidentes ou não, que surgirem no curso do feito, quando serão solucionadas pelo juízo da comarca destinatária do desaforamento, enquanto não findo o juízo popular.
Tanto assim o é que, caso adotado eventual entendimento em contrário, não seria possível o reaforamento, quando desaparecidos os motivos que culminaram com o deslocamento, ou ainda, o pedido de desaforamento subsequente, quando, mesmo alterada a comarca, os motivos permanecerem hígidos.
De igual modo, não se verifica violação ao artigo 668 do CPP, tendo em vista tratar-se de norma afeta aos julgamentos originariamente designados ao Júri, o que não se revela quando da ocorrência do instituto do desaforamento.
Diante de tais elucidações, sob o panorama da interpretação sistemática que deve ser conferida no caso sub exame, forçoso concluir que o art. 427 do Código de Processo Penal não comporta interpretação ampliativa, de modo que o deslocamento de competência dar-se-á tão somente quanto ao Tribunal Popular, ao passo que, uma vez realizado, esgota-se a competência da comarca destinatária, inexistindo, in casu, nenhuma violação quanto à execução provisória determinada pelo juízo originário da causa, em observância à exegese do art. 70 do CPP.
Por todo o exposto, denego a ordem de habeas corpus.
É o voto.
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