criança infantil ECA

Evinis Talon

STJ: no ECA, a expressão “por qualquer meio de comunicação” não inclui a comunicação oral direta e presencial

08/10/2025

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no whatsapp

STJ: no ECA, a expressão “por qualquer meio de comunicação” não inclui a comunicação oral direta e presencial

No Processo em segredo de justiça, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “a expressão “por qualquer meio de comunicação” descrita no art. 241-D do ECA refere-se a instrumentos intermediários de comunicação, não abrangendo a comunicação oral direta e presencial”.

Informações do inteiro teor:

A questão consiste em saber se a expressão “por qualquer meio de comunicação” do art. 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente abrange a abordagem pessoal e oral à vítima, ou se limita a meios tecnológicos ou intermediários de comunicação.

O art. 241-D do ECA tipifica a conduta de “Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso”. Para a adequada compreensão da questão, impõe-se contextualizar a criação do tipo penal em comento.

Esse dispositivo foi inserido no ordenamento jurídico pela Lei n. 11.829/2008, promulgada no contexto histórico da CPI da Pedofilia no Senado Federal, que identificou a necessidade de atualização da legislação para fazer frente ao crescente fenômeno da pedofilia praticada através da internet e outros meios de comunicação eletrônicos. A ementa da referida lei expressa claramente que seu objetivo foi “aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet“.

A análise sistemática dos arts. 241-A a 241-E do ECA, todos incluídos pela mesma lei, revela a preocupação específica do legislador com a utilização de meios tecnológicos para a prática de crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. Essa interpretação é reforçada pelo fato de que condutas similares praticadas presencialmente já encontravam tipificação adequada em outros dispositivos legais, como o art. 232 do próprio ECA ou o art. 217-A do Código Penal.

Imperioso destacar também que a interpretação de tipos penais deve observar o princípio da legalidade estrita, consagrado no art. 1º do Código Penal e no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição da República, segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina. Esse postulado impõe limites à atividade interpretativa no campo penal, vedando a analogia in malam partem e a interpretação extensiva que desborde dos limites semânticos do texto legal. Além disso, a vagueza e a indeterminação são incompatíveis com o Direito Penal em um Estado Democrático de Direito, pois comprometem a segurança jurídica e abrem espaço para o arbítrio judicial.

Por certo, a expressão “por qualquer meio de comunicação” constitui elementar normativa do tipo penal, integrando a própria definição da conduta proibida. Não se trata, portanto, de uma circunstância acidental ou acessória, mas de um requisito essencial para a configuração do crime.

Nesse sentido, interpretação que melhor se coaduna com os princípios da legalidade e da taxatividade é aquela que compreende o termo “meio de comunicação” como instrumento intermediário utilizado para estabelecer contato entre pessoas que não se encontram presencialmente no mesmo ambiente, como telefone, internet, aplicativos de mensagens, cartas, entre outros.

Essa interpretação encontra respaldo não apenas na literalidade do texto legal, mas também na teleologia da norma, que visou criminalizar especificamente o aliciamento realizado à distância, por meios tecnológicos ou não, diferenciando-o do assédio praticado presencialmente, já contemplado por outros tipos penais.

A distinção é relevante, pois o legislador reconheceu a especificidade e a gravidade do aliciamento realizado por meios de comunicação, que possibilitam ao agente (i) atingir um número potencialmente maior de vítimas; (ii) ocultar sua verdadeira identidade; (iii) transpor barreiras geográficas; e (iv) criar uma falsa sensação de segurança na vítima, características que justificam um tratamento penal diferenciado.

Ademais, a comunicação oral direta, presencial, não se enquadra na concepção de “meio de comunicação”, pois não há propriamente um “meio” intermediando a interação entre as pessoas, mas sim um contato imediato, face a face. Sob o prisma linguístico, a expressão “meio” pressupõe um instrumento ou canal que medeia a comunicação entre duas pessoas separadas fisicamente. Essa interpretação é corroborada pela prática jurisprudencial consolidada, que tem aplicado o art. 241-D do ECA predominantemente a casos de aliciamento por redes sociais, aplicativos de mensagens, salas de bate-papo e e-mails.

No caso em análise, a conduta imputada ao acusado consistiu em tocar as partes íntimas da vítima, além de pedir verbalmente que ela tirasse a roupa, em contexto de interação presencial, sem a utilização de qualquer instrumento mediador da comunicação. Embora moralmente reprovável e potencialmente tipificável em outros dispositivos penais, tal conduta não se subsume ao tipo previsto no art. 241-D do ECA, por não preencher a elementar “por qualquer meio de comunicação” exigida pela norma incriminadora.

Importante ressaltar que esse entendimento não implica deixar impunes as condutas de assédio ou constrangimento praticadas presencialmente contra crianças ou adolescentes, pois o ordenamento jurídico prevê outros tipos penais aplicáveis a essas situações, como o próprio art. 232 do ECA, pelo qual o réu foi também condenado, além de diversos dispositivos do Código Penal, a exemplo do art. 217-A (estupro de vulnerável).

Por fim, cabe ponderar, ainda, que a interpretação extensiva que equipara a comunicação verbal direta a “meio de comunicação” violaria o princípio da proporcionalidade, ao conferir o mesmo tratamento penal a condutas significativamente distintas quanto ao seu modus operandi e potencial lesivo, desconsiderando a gradação de reprovabilidade estabelecida pelo legislador.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS:

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), art. 232art. 241-Aart. 241-D e art. 241-E

Lei n. 11.829/200

Código Penal (CP), art. 1º e art. 217-A

Constituição Federal (CF), art. 5º, inciso XXXIX

Falo mais sobre esse assunto no Curso Talon. Clique aqui para saber mais.

Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) –  Edição nº 860, de 02 de setembro de 2025 (leia aqui).

Leia também:

STJ: ausência de comunicação entre o acusado e seu defensor durante a audiência

STF: a audiência de custódia constitui direito subjetivo do preso

STF: Segunda Turma mantém decisão que assegurou a condenado em segunda instância o direito de recorrer em liberdade

Precisa falar conosco? CONTATO: clique aqui

Siga o meu perfil no Instagram (clique aqui). Sempre que possível, vejo as mensagens no direct.

Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

COMPARTILHE

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no whatsapp

EVINIS TALON


LEIA TAMBÉM

Telefone / Whatsapp: (51) 99927 2030 | Email: contato@evinistalon.com

× Fale com o Dr. Evinis Talon