No REsp 1.814.770-SP, julgado em 05/05/2020, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que no crime sexual cometido durante vulnerabilidade temporária da vítima, sob a égide do art. 225 do Código Penal com a redação dada pela Lei n. 12.015/2009, a ação penal pública é condicionada à representação (leia aqui).
Informações do inteiro teor:
Cinge-se a controvérsia acerca da natureza da ação penal pública pelo delito de estupro de vítima em estado de temporária vulnerabilidade, em que a vítima recupera suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento para decidir acerca da persecução penal do ofensor, no caso, embriaguez, cometido sob a égide da redação dada ao art. 225 do Código Penal pela Lei n. 12.015/2009.
Verifica-se que a Quinta Turma alberga a posição segundo a qual a vulnerabilidade, ainda que temporária, transforma a ação penal pelo crime de estupro em pública incondicionada.
Na Sexta Turma, de outro lado, tem-se o julgado do HC 276.510/RJ, em que se decidiu que a ação, nos casos de estupro de vítima em vulnerabilidade temporária é pública condicionada à representação.
Como se pode observar, o tema é controverso, mas a superação do estado de vulnerabilidade é uma alteração na realidade fática que não pode ser ignorada no plano jurídico. Ainda que a lei não tenha feito, de forma expressa, a distinção, nada impede que o intérprete constate a ocorrência de situações distintas, que não podem ser tratadas de forma igual, sob pena de violação à isonomia, em seu aspecto material.
A vulnerabilidade, como condição excepcional que é, geradora de situação desfavorável aos réus, tem de ser interpretada de forma restrita, em observância aos princípios da intervenção mínima do direito penal, da ofensividade, do contraditório e da presunção de inocência.
Assim, uma vez cessada a vulnerabilidade, a ação penal pelos crimes sexuais deve continuar sendo pública condicionada à representação. Isso porque a ofendida, ao se recuperar do seu estado de embriaguez, tem restabelecidas todas as condições e recupera o discernimento necessário para tomar a decisão acerca da persecução penal ou não do agente causador do delito sexual.
Confira a ementa:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. INADMISSIBILIDADE DO APELO NOBRE PELA ALÍNEA “C” DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E O PARADIGMA. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO RECURSO PELA ALÍNEA “A” DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. VÍTIMA EMBRIAGADA INCAPAZ DE OFERECER RESISTÊNCIA. VULNERABILIDADE TEMPORÁRIA. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO. EXTEMPORANEIDADE. DECADÊNCIA.
1. Na espécie, não há como conhecer do apelo nobre com base na alínea “c”, porquanto a aventada divergência jurisprudencial não foi demonstrada nos termos exigidos pela legislação processual de regência. Isso porque, as teses jurídicas manifestadas no acórdão recorrido e no paradigma são divergentes, sendo certo que a solução adotada por eles é diversa em virtude da dessemelhança entre os suportes fáticos de cada um.
2. Entretanto, subsiste a interposição do recurso pela alínea “a” do permissivo constitucional, tendo em vista o adequado apontamento de violação ao art. 225, parágrafo único, do Código Penal.
3. A vulnerabilidade, como condição excepcional que é, geradora de situação desfavorável aos réus, tem de ser interpretada de forma restrita, em observância aos princípios da intervenção mínima do direito penal, da ofensividade, do contraditório e da presunção de inocência.
4. Nos casos de vulnerabilidade temporária, em que a vítima recupera suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento para decidir acerca da persecução penal de seu ofensor, a ação penal dos crimes sexuais cometidos sob a égide da redação conferida ao art. 225 do Código Penal pela Lei n. 12.015/2009 deve ser mantida como pública condicionada à representação. Precedente da 6ª Turma.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 1814770/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/05/2020, DJe 01/07/2020)
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