STJ: não se exige que a audiência seja presidida por juiz de mesma ou superior instância dos denunciados
No APn 989-DF, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “para presidir a audiência de instrução e julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, não há obrigatoriedade de convocação de magistrado de instância igual ou superior à dos denunciados (Desembargadores), pois o Juiz Instrutor atua como longa manus do Ministro Relator, sob sua supervisão”.
Informações do inteiro teor:
Cinge-se a controvérsia a definir se a condução do interrogatório dos réus, Desembargadores, por juiz instrutor do gabinete do Ministro relator afronta os princípios do devido processo legal e do juiz natural.
O art. 3º, III, da Lei n. 8.038/1990 estabelece que o relator poderá “convocar desembargadores de Turmas Criminais dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais, bem como juízes de varas criminais da Justiça dos Estados e da Justiça Federal, pelo prazo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período, até o máximo de 2 (dois) anos, para a realização do interrogatório e de outros atos da instrução, na sede do tribunal ou no local onde se deva produzir o ato.”
Na mesma linha, o art. 21-A, § 1º do Regimento Interno do STJ autoriza o Presidente do Tribunal a “convocar magistrado vitalício para a realização de atos de instrução das sindicâncias, inquéritos, ações e demais procedimentos penais originários, na sede do STJ ou no local onde se deva produzir o ato, bem como definir os limites de sua atuação”.
Além disso, nos termos do que restou assentado em julgamento da Corte Especial do STJ, o Juiz Instrutor atua como longa manus do Ministro Relator, sob sua supervisão, não havendo obrigatoriedade de convocação de magistrado de instância igual ou superior à dos denunciados (AgRg na Pet na APn 940/DF, DJe 9/9/2021).
Leia a ementa:
PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTS. 312, CAPUT, 317, §1°, 333, TODOS DO CÓDIGO PENAL, ART. 1º, § 4º, DA LEI 9.613/98 E NO ART. 2º, § 4º, II, DA LEI 12.850/2013. NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO ESTAR LASTREADA, EXCLUSIVAMENTE, EM ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. NULIDADE DE ELEMENTOS COLHIDOS NOS AUTOS DO PBAC 34/DF. CUMPRIMENTO DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO NA RESIDÊNCIA DE ADVOGADA, SEM ACOMPANHAMENTO DE REPRESENTANTE DA OAB. FISHING EXPEDITION. AUSÊNCIA DE ACESSO À ÍNTEGRA DOS DADOS COLHIDOS NOS PBAC´S 34/DF E 39/DF. EXISTÊNCIA DE MEGAPROCESSO E ABUSO DO DIREITO DE ACUSAR. VIOLAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS. NULIDADE DE JULGAMENTOS REALIZADOS SEM PRÉVIA INTIMAÇÃO DOS ACUSADOS. AUSÊNCIA DE EXPEDIÇÃO DE CARTA ROGATÓRIA PARA OITIVA DE TESTEMUNHAS. PRELIMINARES REJEITADAS. CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA, DE CORRUPÇÃO PASSIVA E DE LAVAGEM DE DINHEIRO. DELITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EMENDATIO LIBELLI. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. I. Hipótese em exame 1. Denúncia oferecida pelo MPF contra (i) Marcos Pinto da Cruz, imputando-lhe a prática dos crimes tipificados no art. 333 do Código Penal (fato 1); art. 312, caput, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal, por 4 vezes (fato 3); art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal, por 4 (quatro) vezes (fato 4); art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 (fato 5); e) art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal, por 33 (trinta e três) vezes (fato 7); art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 (fato 8); g) art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal, por 46 (quarenta e seis) vezes (fato 9); art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 (fato 10); art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal, por 16 (dezesseis) vezes (fato 11); art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 (fato 12); art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal (fato 13); e no art. 2º, § 4º, II, da Lei 12.850/2013 (fato 14); (ii) José da Fonseca Martins Júnior, imputando-lhe a prática dos crimes tipificados no art. 312, caput, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal, por 4 (quatro) vezes (fato 3); art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal, por 4 (quatro) vezes (fato 4); art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 (fatos 5); d) art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal (fato 13); e no art. 2º, § 4º, II, da Lei 12.850/2013 (fato 14); (iii) Fernando Antônio Zorzenon da Silva, imputando-lhe a prática dos crimes tipificados no art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal, por 33 (trinta e três) vezes (fato 7); art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 (fato 8); art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal, por 46 (quarenta e seis) vezes (fato 9); art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 (fato 10); art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal, por 16 (dezesseis) vezes (fato 11); art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 (fato 12); e no art. 2º, § 4º, II, da Lei 12.850/2013 (fato 14); e (iv) Antônio Carlos de Azevedo Rodrigues, imputando-lhe a prática dos crimes tipificados no art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, na forma do art. 71 do Código Penal, por 16 (dezesseis) vezes (fato 11); art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98 (fato 12); e no art. 2º, § 4º, II, da Lei 12.850/2013 (fato 14). II. Questão em discussão 2. Julgamento de mérito da ação penal de iniciativa pública. III. Razões de decidir. 3. Preliminar arguida por denunciado não merece guarida, já que, na esteira do decidido pelo Pleno do STF, em sede de repercussão geral (RE 593.727/MG, DJe 08/09/2015), o Ministério Público detém competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal (Tema 184). 4. A tese de inépcia da denúncia, suscitada na defesa prévia apresentada pelo acusado, foi rejeitada pela Corte Especial do STJ, quando do recebimento da inicial acusatória, razão pela qual os argumentos ora deduzidos não merecem guarida. 5. A denúncia narra não só os possíveis fatos delituosos, como também as condições de tempo e lugar, a qualificação do acusado, o elemento subjetivo do tipo, descrevendo, ainda, as infrações penais atribuídas ao denunciado, não havendo, portanto, que se falar em inépcia da inicial. 6. Para muito além das declarações do colaborador, a denúncia se baseia em depoimentos compartilhados, relatórios de inteligência financeira, provas documentais (decorrentes da quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático), elementos colhidos durante a fase pré-processual, dados concretos e absolutamente independentes do acordo de colaboração premiada. 7. Mandado de busca e apreensão cumprido na residência de então investigada, e não no seu endereço profissional, não havendo, à época e nem atualmente, prova efetiva de que a acusada utilizasse o referido endereço como local de trabalho, restando rejeitada a suposta violação do art. 7°, § 6°, da Lei n. 8.906/94 (com a redação vigente na data dos fatos). 8. Mandado de busca, expedido com amparo em robustos elementos indiciários de prática delitiva, que apontou os objetos de constrição, não merecendo guarida a alegação em torno da possível realização de “pescaria probatória” por parte do MPF. 9. Tese em torno da ausência de acesso à integralidade dos elementos de prova colhidos nos PBAC’s 34/DF e 39/DF que foi analisada e refutada, quando do recebimento da denúncia, por parte da Corte Especial do STJ e por decisão monocrática de Ministro do STF. 10. O fato do processo ser bastante volumoso se deve, na situação dos autos, à necessidade da adoção de variadas medidas de investigação, sempre autorizadas judicialmente, e que viabilizaram a obtenção de uma visão panorâmica acerca do funcionamento da organização criminosa e dos agentes públicos e privados envolvidos nos delitos sob apuração. Observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. 11. Preliminar de violação da cadeia de custódia que foi rejeitada por acórdão proferido pela Corte Especial do STJ e por decisão monocrática prolatada por Ministro do STF. 12. Pretendida produção probatória revela-se protelatória e sem qualquer amparo em argumentos que já não tenham sido analisados e refutados pela Corte Especial. 13. Nos termos dos arts. 91, II e 258, ambos do RISTJ, esta Corte tem firme entendimento no sentido de dispensar a prévia inclusão em pauta de questões de ordem e de agravos regimentais. 14. As testemunhas residentes no exterior não atendem ao requisito da objetividade, já que nada sabem acerca dos fatos mencionados pelo MPF. Em audiência de instrução, foram ouvidas 37 (trinta e sete) testemunhas arroladas por um dos acusados, não havendo, pois, que se cogitar de eventual cerceamento de defesa. 15. O conjunto de provas carreadas aos autos demonstra a instalação de associação criminosa de altíssimo vulto, no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, estruturalmente formada para a venda de decisões judiciais, em troca do pagamento de propina, com prejuízo do erário e de inúmeros jurisdicionados. 16. É de clareza cartesiana a associação delitiva formada entre Desembargadores, advogados e altos membros do Poder Executivo estadual, para o fim de cometer os crimes de corrupção ativa e passiva, peculato e lavagem de capitais, com intrincada mecânica de cooptação e divisão de tarefas. 17. As provas produzidas, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, são suficientes para respaldar a procedência parcial da acusação. 18. CONDENAÇÕES: 18.1. Condena-se o réu Marcos Pinto da Cruz à pena de 20 (vinte) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado (art. 33, §2°, “a”, do Código Penal), e 54 (cinquenta e quatro) dias-multa, no valor de 01 (um) salário-mínimo, vigente à época dos fatos, além da perda do cargo público de Desembargador do TRT da 1ª Região, em razão da prática dos crimes tipificados nos arts. 288, caput, 312, caput (peculato-desvio, por 04 vezes), 317, caput (corrupção passiva, por 08 vezes), 333, caput, (corrupção ativa), todos do Código Penal e no art. 1°, caput, da Lei 9.613/98 (lavagem de capitais, por 20 vezes), na forma do art. 71, caput, do citado diploma legal. 18.2. Condena-se o réu José da Fonseca Martins Júnior à pena de 16 (dezesseis) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado (art. 33, §2°, “a”, do Código Penal) e 48 (quarenta e oito) dias-multa, no valor de 01 (um) salário-mínimo, vigente à época dos fatos, além da perda do cargo público de Desembargador do TRT da 1ª Região, em virtude da prática dos delitos previstos no 288, caput, 312, caput (peculato-desvio, por 04 vezes), 317, §1° (corrupção passiva majorada, por 05 vezes), todos do Código Penal e do art. 1°, caput, da Lei 9.613/98 (lavagem de capitais), na forma dos arts. 71, caput, e 327, §2°, ambos do citado diploma legal. 18.3. Condena-se o réu Fernando Antonio Zorzenon da Silva à pena de 10 (dez) anos e 05 (cinco) meses de reclusão, em regime inicial fechado (art. 33, §2°, “a”, do Código Penal) e 27 (vinte e sete) dias-multa, no valor de 01 (um) salário-mínimo, vigente à época dos fatos, além da perda do cargo público de Desembargador do TRT da 1ª Região, em razão da prática dos crimes tipificados nos arts. 288, caput, 317, §1° (corrupção passiva majorada, por 03 vezes), ambos do Código Penal e no art. 1°, caput, da Lei 9.613/98 (lavagem de capitais, por 03 vezes), na forma dos arts. 71, caput, e 327, §2°, ambos do citado diploma legal. 18.4. Absolvição do acusado Antonio Carlos de Azevedo Rodrigues, nos termos do art. 386, VII, do CPP. 19. Mantido o afastamento dos apenados do exercício das funções até o trânsito em julgado do presente acórdão. IV. Dispositivo 20. Ação penal julgada parcialmente procedente. Dispositivos citados: arts. 288, caput, 312, caput, 317, § 1º, 327, § 2º, 333, todos do Código Penal; art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98; arts. 184, 240, § 1°, 383, 400, §1°, 563, todos do CPP. Jurisprudência citada: AgRg no REsp n. 1.883.830/PR, Quinta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022; AgRg no AREsp n. 1.630.006/DF, Quinta Turma, julgado em 25/8/2020, DJe de 31/8/2020; AgRg no AREsp n. 1.229.966/RJ, Quinta Turma, julgado em 21/8/2018, DJe de 31/8/2018; HC n. 582.678/RJ, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 21/6/2022; AgRg no HC n. 797.276/RO, Quinta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 16/8/2023; AgRg nos EDcl no HC n. 824.629/SP, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023; AgRg no HC n. 701.242/SP, Sexta Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 22/6/2023; AgRg no HC n. 412.570/SP, Quinta Turma, julgado em 11/12/2018, DJe de 19/12/2018; AgRg no RHC n. 163.700/RS, Sexta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 13/6/2022; AgRg no HC n. 675.582/PE, Quinta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 30/8/2021; AgRg no RHC n. 167.634/PA, Quinta Turma, julgado em 15/5/2023, DJe de 18/5/2023; RHC n. 157.143/PR, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 20/6/2022; AgRg no HC n. 649.365/RJ, Quinta Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 16/9/2022; AgRg no HC 327.638/PA, Quinta Turma, julgado em 14/09/2017, DJe 21/9/2017; AgRg no RHC n. 174.156/SC, Quinta Turma, julgado em 18/4/2023, DJe de 24/4/2023; QO na Pet n. 15.819/DF, Corte Especial, julgado em 19/4/2023, DJe de 28/4/2023; AgRg na PET na APn n. 940/DF, Corte Especial, julgado em 1/9/2021, DJe de 9/9/2021; RHC n. 100.406/MG, Quinta Turma, DJe de 29/8/2018; AgRg no RHC n. 105.031/SC, Sexta Turma, DJe de 3/12/2019; AgRg no AREsp n. 1.014.485/SP, Quinta Turma, julgado em 21/3/2019, DJe de 28/3/2019; REsp n. 1.257.003/RJ, Sexta Turma, julgado em 20/11/2014, DJe de 12/12/2014; AgRg no AREsp n. 1.650.032/RJ, Quinta Turma, julgado em 25/8/2020, DJe de 1/9/2020; REsp n. 1.745.410/SP, Sexta Turma, julgado em 2/10/2018, DJe de 23/10/2018. (APn n. 989/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 13/3/2025, DJEN de 4/4/2025.)
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Lei n. 8.038/1990, art. 3º, III
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ), art. 21-A, §1º
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição Extraordinária nº 27 de 29 de julho de 2025 – leia aqui.
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