STJ: é lícita a gravação clandestina produzidas por enfermeiras em caso de estupro praticado por médico
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no HC n. 812.310/RJ, decidiu que é lícita a gravação clandestina produzida por enfermeiras em caso de estupro praticado por médico contra paciente na sala de parto, uma vez que, ao sopesar os interesses das partes envolvidas na captação ambiental, os direitos fundamentais da parturiente se sobrepõem às eventuais garantias fundamentais do ofensor.
Confira a ementa relacionada:
HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. CAPTAÇÃO AMBIENTAL. REALIZAÇÃO POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM CONHECIMENTO DO OUTRO. PACOTE ANTICRIME. REGULAMENTAÇÃO. PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DISPENSA. RESTRIÇÃO A DIREITO FUNDAMENTAL DO ACUSADO. POSSIBILIDADE. CRITÉRIO DA PROPORCIONALIDADE. NECESSIDADE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL PARA PROVA DA CONDUTA CRIMINOSA. ADEQUAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE MEIO MENOS GRAVOSO. PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO. COLISÃO DE INTERESSES. BENS JURÍDICOS DE MAIOR RELEVÂNCIA. LEGÍTIMA DEFESA PROBATÓRIA. LICITUDE DA PROVA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. A inserção do art. 8º-A à Lei n. 9.296/1996 pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) se deu com o fim de regulamentar a “captação de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos”, para fins de investigação ou instrução criminal. Para tanto, geralmente, exige-se prévia autorização judicial e outros requisitos na concretização da proporcionalidade em suas três dimensões: idoneidade para produzir prova da prática do crime (adequação), inexistência de outro meio menos gravoso de obtenção da prova (necessidade) com pena superior a 4 anos (proporcionalidade em sentido estrito). 2. O art. 8-A, da Lei n. 9.296/1996 garante, em seu § 4º, a utilização, em matéria de defesa, da prova obtida por meio da captação ambiental realizada por um dos interlocutores, quando demonstrada a integridade da gravação. O art. 10-A, da Lei n. 9.296/1996, por sua vez, também incluído pela Lei n. 13.964/2019, previu a figura típica da captação ambiental sem autorização judicial, mas ressalvou, em seu § 1º, os casos em que esta é realizada por um dos interlocutores, situação que pode ser equiparada à atuação de terceiro quando o agente reduzir totalmente a possibilidade de agir da vítima. 3. Os precedentes mais recentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal têm validado o uso das gravações clandestinas como meio de prova, excluindo da incidência típica as captações feitas por um dos interlocutores. A questão não é nova, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 583.937, em 19 de novembro de 2009, em rito de repercussão geral, já havia decidido pela validade probatória da gravação de áudio ou vídeo realizada de forma oculta, por particular, sem conhecimento do outro interlocutor. 4. Não obstante alguns posicionamentos contrários à utilização da gravação clandestina produzida pelas vítimas de crime como meio de prova, há situações em que é forçoso se concluir pela sua licitude, considerando justamente a necessidade de defesa dos direitos fundamentais da vítima. 5. Especificamente com relação à sua utilização como forma de proteção aos direitos fundamentais da vítima de ações criminosas, a proporcionalidade em sentido estrito se aplica como verdadeira causa excludente de ilicitude da prova toda vez que o direito à integridade e à dignidade da vítima prevalece sobre o direito de imagem e privacidade do ofensor. Em outras palavras, é imprescindível que os bens jurídicos em confronto sejam sopesados, dando-se preferência àqueles de maior relevância. 7. Na colisão de interesses, o uso de captações clandestinas se justifica sempre que o direito a ser protegido tiver valor superior à privacidade e à imagem do autor de crime, utilizando-se da legítima defesa probatória, a fim de se garantir a licitude da prova. É exatamente nesse contexto que se insere a conduta daquele que realiza uma gravação ambiental clandestina, inicialmente praticando a conduta típica descrita no art. 10-A da Lei n. 9.296/1996, amparado, no entanto, pela excludente de antijuridicidade, pois sua conduta, embora cause lesão a um bem jurídico protegido, no caso a privacidade ou a intimidade da pessoa alvo da gravação, é utilizada para a defesa de direito próprio ou de terceiro contra agressão injusta, atual e iminente. 8. No presente caso, os funcionários da equipe de enfermagem de um hospital suspeitaram do comportamento incomum apresentado pelo denunciado no centro cirúrgico e registraram em vídeo a ação criminosa, considerando a vulnerabilidade da vítima que estava sedada sem qualquer possibilidade de reação ou mesmo de prestar depoimento sobre os fatos. 9. Ao sopesar os interesses das partes envolvidas na captação ambiental, obviamente que os direitos fundamentais da parturiente se sobrepõem às eventuais garantias fundamentais do ofensor que agora tenta delas se valer para buscar impedir a utilização do único meio de prova possível para a elucidação do crime por ele perpetrado, praticado às escondidas em ambiente hospitalar e em proveito à situação de extrema vulnerabilidade que ele mesmo impôs à parturiente com a utilização excessiva de sedação e de anestésicos, impedindo qualquer tipo de reação. 10. Não há ilicitude a ser reconhecida, devendo a ação penal ter o seu normal prosseguimento, a fim de elucidar os fatos adequadamente narrados pela acusação. 11. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 812.310/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 28/11/2023.)
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