Decisão proferida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no CC 147393/RO, julgado em julgado em 14/09/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO DE ORIGEM FLORESTAL – DOF E VENDA DE MADEIRA SEM LICENÇA VÁLIDA OUTORGADA PELA AUTORIDADE COMPETENTE. COMPETÊNCIA ESTADUAL. 1. A preservação do meio ambiente é matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal. 2. A competência do foro criminal federal não advém apenas do interesse genérico que tenha a União na preservação do meio ambiente. É necessário que a ofensa atinja interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais. 3. Além disso, o Supremo Tribunal Federal firmou posicionamento no sentido de que não caracteriza interesse direto e específico da União, a firmar a competência da Justiça Federal, o exercício da atividade de fiscalização ambiental pelo IBAMA (RE 300.244/SC, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 19.11.2001; HC 81.916/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 11.10.2002; RE 349.189/TO, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 14.11.2002; RE 349.191/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 07.03.2003). 4. “A atividade lesiva ao meio ambiente é que deve nortear, portanto, a existência de interesse direto da União ou de sua autarquia e, na hipótese, não há nenhum elemento que aponte, com segurança, qual seria o interesse específico do investigado que pudesse atrair a competência federal.” (CC 141.822/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 21/09/2015) 5. Conquanto o Sistema DOF tenha sido instituído e implantado pelo IBAMA (art. 1º da Portaria/MMA n. 253/2006, c/c Instrução Normativa n. 112/2006 do IBAMA), o mero fato de o Sistema estar hospedado em seu site não atrai, por si só, a competência federal para o julgamento de delito de falsificação de Documento de Origem Florestal. Precedente: CC 141.822/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 21/09/2015. 6. Ausentes indícios de que a madeira irregularmente comercializada tivesse sido extraída de alguma das áreas de interesse da União descrita no art. 7º, XIV e XV, da Lei Complementar n. 140/2011 ou de que o licenciamento ambiental da empresa ré tivesse sido concedido pela União, não há nem prejuízo nem interesse diretos do IBAMA ou da União que tenham sido feridos seja em decorrência da falsificação do DOF, seja em decorrência de sua eventual apresentação à fiscalização da autarquia. 7. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Ariquemes/RO, o Suscitado. (CC 147.393/RO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2016, DJe 20/09/2016)
Leia a íntegra do voto:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O conflito merece ser conhecido, uma vez que os Juízos que suscitam a incompetência estão vinculados a Tribunais diversos, sujeitando-se, portanto, à jurisdição desta Corte, a teor do disposto no art. 105, inciso I, alínea “d”, da Constituição Federal.
Questiona-se nos autos se é da Justiça Federal ou Estadual a competência para julgar ação penal na qual os réus foram denunciados por falsificação de Documento de Origem Florestal – DOF.
Como se sabe, a Justiça Federal somente detém competência para julgar crimes ambientais quando praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais, hipóteses que se inserem no âmbito da competência genérica que lhe foi atribuída pelo art. 109, IV, da CF/88. Isso porque a preservação do meio ambiente é matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal.
Consequência disso é que a competência do foro criminal federal não advém apenas do interesse genérico que tenha a União na preservação do meio ambiente. É necessário que a ofensa atinja interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais. Ou seja, inexistindo lesão a bens, serviços ou interesses da União ou de seus entes, afasta-se competência da Justiça Federal.
Instituído pelo art. 1º da Portaria/MMA n. 253, de 18 de agosto de 2006, em substituição à Autorização para Transporte de Produtos Florestais – ATPF, o Documento de Origem Florestal – DOF tornou-se documento obrigatório para o controle do transporte e armazenamento de produtos e subprodutos de origem nativa com a edição, pelo IBAMA, da Instrução Normativa n. 112, de 21 de agosto de 2006, que, em seu art. 1º prevê:
Art. 1°. O Documento de Origem Florestal – DOF, instituído pela Portaria/MMA/ n° 253, de 18 de agosto de 2006 constitui-se licença obrigatória para o controle do transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa, inclusive o carvão vegetal nativo, contendo as informações sobre a procedência desses produtos e subprodutos, gerado pelo sistema eletrônico denominado Sistema DOF, na forma do Anexo I desta Instrução Normativa. Parágrafo único O controle do DOF dar-se-á por meio do Sistema DOF disponibilizado no endereço eletrônico do Ibama, na Rede Mundial de Computadores – Internet.
Ao tempo em que ficou encarregado da implantação do Sistema DOF, o art. 31 desta última Portaria também resguardou ao IBAMA o direito de realizar, a qualquer tempo, vistorias e atos de fiscalização para verificar o cumprimento das disposições contidas na Instrução Normativa.
Como bem pontuou o Juízo suscitante (da Justiça Federal), no Estado de Rondônia, a partir de 17 de janeiro de 2011, por força da Portaria 002/GAB/SEDAM, de 12 de janeiro de 2011, o sistema SISFLORA foi substituído pelo Sistema DOF.
Isso não obstante, assiste razão ao Juízo suscitante quando afirma que, conquanto o Sistema DOF tenha sido instituído pelo IBAMA e esteja hospedado no site dessa Autarquia Federal, as atividades florestais empresariais que estão sujeitas ao licenciamento pelos Estados, à fiscalização e ao controle dos saldos de empreendimento no Sistema DOF também são de atribuição dos Estados.
Com efeito, a Lei Complementar n. 140/2011 dividiu as atribuições dos órgãos ambientais federais, estaduais e municipais para o licenciamento de atividades que de algum modo possam resultar em lesão ao meio ambiente, inclusive as de aprovação de manejo florestal e/ou supressão de vegetação.
Em se tratando de áreas particulares, o art. 8º da Lei Complementar n. 140/2011 atribuiu ao Estado a competência para o licenciamento e a fiscalização da exploração de madeira, como se vê dos seguintes excertos de seu texto:
Art. 8º- São ações administrativas dos Estados: (…) XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuia atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida aos Estados; (…) XVI – aprovar o maneio e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessoras em: a) (…) b) imóveis rurais, observadas as atribuições previstas no inciso XV do art. 7 º; e c) atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Estado;
Foi resguardada à União, em seu art. 7º, a competência para licenciamento e autorização para exploração de madeira essencialmente em terrenos considerados bens da União, áreas de proteção ambiental instituídas pela União e áreas limítrofes entre dois Estados, como se vê a seguir:
XIV – promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar n; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; Regulamento XV – aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessoras em: a) florestas públicas federais, terras devolutas federais ou unidades de conservação instituídas pela União, exceto em APAs; e b) atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pela União;
Assim sendo, o mero fato de o Sistema DOF estar hospedado no site do IBAMA não atrai, por si só, a competência federal para o julgamento de delito de falsificação de Documento de Origem Florestal.
É de se lembrar, inclusive, que, sobre a competência para processar e julgar ilícito penal ambiental previsto na Lei 9.605/98, o Supremo Tribunal Federal firmou posicionamento no sentido de que não caracteriza interesse direto e específico da União, a firmar a competência da Justiça Federal, o exercício da atividade de fiscalização ambiental pelo IBAMA (RE 300.244/SC, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 19.11.2001; HC 81.916/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 11.10.2002; RE 349.189/TO, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 14.11.2002; RE 349.191/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 07.03.2003).
Examinando situação em tudo similar à dos autos na Ação Civil Ordinária n. 1.962/DF, envolvendo conflito de atribuições entre o Ministério Público Estadual e o Federal para investigação e persecução penal exatamente dos mesmos delitos ocorridos no Pará, o Relator do feito, Min. CELSO DE MELLO afirmou, inclusive, “que a apresentação de documentos falsos à autarquia federal, no caso ‘sub examine’, revela somente interesse federal indireto, inexistindo, ‘exempli grati’, qualquer ação executiva fiscal ou a comprovação de débitos pendentes no âmbito federal.”
Vê-se, assim, que não há nem prejuízo nem interesse diretos do IBAMA ou da União que tenham sido feridos seja em decorrência da falsificação do DOF, seja em decorrência de sua eventual apresentação à fiscalização da autarquia, como ocorreu no caso concreto, pelo que se lê do Relatório de Constatação n. 32/2011 (e-STJ fls. 3/7).
Não há, nos autos, nenhum indício de que a madeira irregularmente comercializada tivesse sido extraída de alguma das áreas de interesse da União descrita no art. 7º, XIV e XV, da Lei Complementar n. 140/2011 ou de que o licenciamento ambiental da empresa ré tivesse sido concedido pela União.
Ora, sem a identificação de ofensa atinja interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais não há nada que autorize o deslocamento da competência para a Justiça Federal, devendo o feito permanecer na Justiça Estadual.
Nesse mesmo sentido já decidiu a Terceira Seção desta Corte, como se vê do seguinte precedente:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME AMBIENTAL. TRANSPORTE DE CARVÃO VEGETAL. FALSIFICAÇÃO DE DOF (DOCUMENTO DE ORIGEM FLORESTAL). COMPETÊNCIA ESTADUAL. 1. Em regra, eventual delito perpetrado contra o meio ambiente é da competência da Justiça estadual, haja vista que a sua proteção cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. A hipótese que atrairia a competência da Justiça Federal restringe-se àquelas situações em que os crimes ambientais são cometidos em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas (ex vi do art. 109, IV, da Constituição Federal). 2. Embora a emissão e o controle o DOF (Documento de Origem Florestal) recaiam sobre o IBAMA, isso não pode significar, tout court, que qualquer prática delitiva que envolva a inserção de dados no sistema dessa autarquia (em qualquer de suas unidades) que armazena os registros, contenha, em si, elemento suficiente para caracterizar o interesse da União ou da própria autarquia. Isso porque a proteção ao meio ambiente é de competência comum e, em alguns casos, embora o registro seja feito no Ibama, o interesse envolvido é nitidamente estadual. Vale dizer, irregularidades no registro, oriundas de prática criminosa, por si, não têm o condão de atrair a competência federal. Raciocínio diverso ensejaria a competência federal para todo e qualquer caso, haja vista que a proteção, a fiscalização e a conservação ambiental são propósitos ínsitos à própria existência (criação) do Ibama. 3. A atividade lesiva ao meio ambiente é que deve nortear, portanto, a existência de interesse direto da União ou de sua autarquia e, na hipótese, não há nenhum elemento que aponte, com segurança, qual seria o interesse específico do investigado que pudesse atrair a competência federal. Em princípio, mostra-se salutar que a competência se estabeleça no Juízo comum estadual, à mingua de elementos seguros que apontem o interesse direto da União ou de sua autarquia, ressalvando-se, evidentemente, a possibilidade de sua modificação se verificados elementos novos que indiquem a necessidade de remessa do feito à Justiça Federal. 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da Vara Criminal de Guaíra – PR, ora suscitado. (CC 141.822/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 21/09/2015)
Ante o exposto, conheço do conflito para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Ariquemes/RO, o Suscitado.
É como voto.
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