STJ7

Evinis Talon

STJ: a Justiça Federal é competente para tratar de infrações previstas em tratados ou convenções internacionais

10/11/2019

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Decisão proferida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no CC 150.564/MG, julgado em 26/04/2017 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL. INQUÉRITO POLICIAL. DIVULGAÇÃO DE IMAGEM PORNOGRÁFICA DE ADOLESCENTE VIA WHATSAPP E EM CHAT NO FACEBOOK. ART. 241-1 DA LEI 8.069/90. INEXISTÊNCIA DE EVIDÊNCIAS DE DIVULGAÇÃO DAS IMAGENS EM SÍTIOS VIRTUAIS DE AMPLO E FÁCIL ACESSO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. A Justiça Federal é competente, conforme disposição do inciso V do art. 109 da Constituição da República, quando se tratar de infrações previstas em tratados ou convenções internacionais, como é caso do racismo, previsto na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, da qual o Brasil é signatário, assim como nos crimes de guarda de moeda falsa, de tráfico internacional de entorpecentes, de tráfico de mulheres, de envio ilegal e tráfico de menores, de tortura, de pornografia infantil e pedofilia e corrupção ativa e tráfico de influência nas transações comerciais internacionais.
2. Deliberando sobre o tema, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 628.624/MG, em sede de repercussão geral, assentou que a fixação da competência da Justiça Federal para o julgamento do delito do art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (divulgação e publicação de conteúdo pedófilo-pornográfico) pressupõe a possibilidade de identificação do atributo da internacionalidade do resultado obtido ou que se pretendia obter. Por sua vez, a constatação da internacionalidade do delito demandaria apenas que a publicação do material pornográfico tivesse sido feita em “ambiência virtual de sítios de amplo e fácil acesso a qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, que esteja conectado à internet” e que “o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes tenha estado acessível por alguém no estrangeiro, ainda que não haja evidências de que esse acesso realmente ocorreu.” (RE 628.624, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-062 DIVULG 05-04-2016 PUBLIC 06-04-2016)
3. Situação em que os indícios coletados até o momento revelam que as imagens da vítima foram trocadas por particulares via Whatsapp e por meio de chat na rede social Facebook.
4. Tanto no aplicativo WhatsApp quanto nos diálogos (chat) estabelecido na rede social Facebook, a comunicação se dá entre destinatários escolhidos pelo emissor da mensagem. Trata-se de troca de informação privada que não está acessível a qualquer pessoa.
5. Diante de tal contexto, no caso concreto, não foi preenchido o requisito estabelecido pela Corte Suprema de que a postagem de conteúdo pedófilo-pornográfico tenha sido feita em cenário propício ao livre acesso.
6. A possibilidade de descoberta de outras provas e/ou evidências, no decorrer das investigações, levando a conclusões diferentes, demonstra não ser possível firmar peremptoriamente a competência definitiva para julgamento do presente inquérito policial. Isso não obstante, tendo em conta que a definição do Juízo competente em tais hipóteses se dá em razão dos indícios coletados até então, revela-se a competência do Juízo Estadual.
7. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal e Execução Penal de São Sebastião do Paraíso/MG, o Suscitado. (CC 150.564/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/04/2017, DJe 02/05/2017)

Leia a íntegra do voto do Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):

O conflito merece ser conhecido, uma vez que os Juízos que suscitam a incompetência estão vinculados a Tribunais diversos, sujeitando-se, portanto, à jurisdição desta Corte, a teor do disposto no art. 105, inciso I, alínea “d”, da Constituição Federal.

Questiona-se, nos autos, se compete à Justiça Federal ou à Justiça Estadual a condução de inquérito policial que investiga o cometimento, em tese, de crime de compartilhamento de material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (art. 241-A da Lei 8.069/90) por meio da rede mundial de computadores (internet).

O Boletim de ocorrência, de 31/01/2014, visto às e-STJ fls. 6/8, assim narra a ocorrência:

“Segundo Arlete, na data de 30 de janeiro, por volta de uma hora da manhã, recebeu uma ligação de Orlando, que é seu ex-namorado, e este a ameaçava dizendo que iria destruir sua vida, devido ele achar que ela tinha o (sic) traído, inclusive ela chamou seus pais para ouvirem a conversa, colocando o telefone no viva-voz. Na data de hoje, o irmão de Arlete, Gleidison, recebeu em seu telefone, via WhatsApp, cinco fotografias de sua irmã, sendo que em duas delas ela aparece usando roupas íntimas, uma com seios à mostra, uma tampando o seio com as mãos e uma totalmente nua.”

Do depoimento do pai da vítima (e-STJ fls. 9/11), extrai-se:

(…) QUE na data de 30/01/14, por volta das 1h da manhã, ARLETE entrou desesperada no quarto do depoente, dizendo que ORLANDO estava de posse de fotos nuas suas e que iria colocar as fotos na internet; (…) QUE na data dos fatos (31/01/2014), o filho mais velho do depoente recebeu, em seu celular, 05 (cinco) fotos de ARLETE, sendo que (em) duas delas ARLETE estava usando roupas íntimas, outra com os seios à mostra, outra tapando os seios com as mãos e outra totalmente nua; QUE quem enviou as fotos para o filho do depoente foi uma colega de trabalho deste, que havia recebido de outra pessoa; QUE não sabe dizer onde essa pessoa arrumou as fotos da filha; QUE além de ORLANDO, um ex-namorado de ARLETE possuía as fotos, pois fora para este que ARLETE havia enviado, quando namoravam; QUE ORLANDO conseguiu as fotos com o ex-namorado de ARLETE e passou a ameaçá-la, dizendo que iria colocá-las na internet; (…) QUE, além disso, ORLANDO possui a senha da rede de relacionamento do Facebook e do e-mail de ARLETE e esta não consegue mais acessar, pois ORLANDO alterou a senha “ele colocou ela de refém dele, porque ele tem as senhas aí quando ele quer falar com ela, ela vai”;

Já do Termo de Declaração da própria vítima (e-STJ fls. 12/14), colhem-se os seguintes trechos de interesse:

QUE na madrugada do dia 30/01/14, ORLANDO ligou para a declarante, muito nervoso, acusando a declarante de ter destruído sua vida e que também iria destruir a vida da declarante; QUE ORLANDO ainda disse que conversou com um rapaz chamado GUILHERME LEMOS, se passando pela declarante, através do Facebook, o qual ORLANDO possuía a senha; QUE GUILHERME LEMOS disse que possuía fotos da declarante com roupas íntimas e nuas e que iria mostrá-las para o pai da declarante; QUE ORLANDO acusava a declarante de o ter traído; QUE nos dias em que sucederam, a declarante e ORLANDO não conversaram, QUE na sexta-feira (31/01/14), o irmão da declarante recebeu em seu celular através do WhatsApp, fotos da declarante com roupas intimas e nuas; QUE o irmão da declarante não quis dizer para a declarante quem enviou as fotos “ele falou que uma amiga dele ficou sabendo por outra pessoa e mandou as fotos pra ele, mas ele não quis dizer o nome”;

Com efeito, a Justiça Federal é competente, conforme disposição do inciso V do art. 109 da Constituição da República, quando se tratar de infrações previstas em tratados ou convenções internacionais, como é caso do racismo, previsto na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, da qual o Brasil é signatário, assim como nos crimes de guarda de moeda falsa, de tráfico internacional de entorpecentes, de tráfico de mulheres, de envio ilegal e tráfico de menores, de tortura, de pornografia infantil e pedofilia e corrupção ativa e tráfico de influência nas transações comerciais internacionais.

Isso não obstante, a Terceira Seção desta Corte vinha entendendo que deveriam estar presentes também indícios de transnacionalidade do delito de forma a justificar o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Para tanto, fazia-se necessária a demonstração de que houve publicação ou divulgação de imagens de pornografia infantil na internet, alcançando efetivamente destinatários fora do país.

Nesse sentido, entre outros o seguinte precedente:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ARTS. 241-A E 241-B DO ECA. CRIMES PRATICADOS POR MEIO DA INTERNET. INDÍCIOS DE TRANSNACIONALIDADE. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Para firmar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso V, da Constituição Federal, faz-se necessária a presença de indícios da transnacionalidade do crime previsto em tratados ou convenções internacionais, não bastando a potencialidade do dano internacional. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Estadual, o suscitante. (CC 127.419/GO, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 02/02/2015)

No entanto, em 29/10/2015, a matéria foi posta a exame do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 628.624/MG, em sede de repercussão geral, ocasião em que ficou assentado que a fixação da competência da Justiça Federal para o julgamento do delito do art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (divulgação e publicação de conteúdo pedófilo-pornográfico) pressupõe a possibilidade de identificação do atributo da internacionalidade do resultado obtido ou que se pretendia obter.

Por sua vez, a constatação da internacionalidade do delito demandaria apenas que a publicação do material pornográfico tivesse sido feita em “ambiência virtual de sítios de amplo e fácil acesso a qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, que esteja conectado à internet”, independentemente da ocorrência efetiva de acesso no estrangeiro.

Confira-se o exato teor da ementa do julgado:

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME PREVISTO NO ARTIGO 241-A DA LEI 8.069/90 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). COMPETÊNCIA. DIVULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE IMAGENS COM CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE. CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA. DELITO COMETIDO POR MEIO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES (INTERNET). INTERNACIONALIDADE. ARTIGO 109, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL RECONHECIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. À luz do preconizado no art. 109, V, da CF, a competência para processamento e julgamento de crime será da Justiça Federal quando preenchidos 03 (três) requisitos essenciais e cumulativos, quais sejam, que: a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e no estrangeiro; b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter ocorrido no exterior, ou reciprocamente. 2. O Brasil pune a prática de divulgação e publicação de conteúdo pedófilo-pornográfico, conforme art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. Além de signatário da Convenção sobre Direitos da Criança, o Estado Brasileiro ratificou o respectivo Protocolo Facultativo. Em tais acordos internacionais se assentou a proteção à infância e se estabeleceu o compromisso de tipificação penal das condutas relacionadas à pornografia infantil. 4. Para fins de preenchimento do terceiro requisito, é necessário que, do exame entre a conduta praticada e o resultado produzido, ou que deveria ser produzido, se extraia o atributo de internacionalidade dessa relação. 5. Quando a publicação de material contendo pornografia infanto-juvenil ocorre na ambiência virtual de sítios de amplo e fácil acesso a qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, que esteja conectado à internet, a constatação da internacionalidade se infere não apenas do fato de que a postagem se opera em cenário propício ao livre acesso, como também que, ao fazê-lo, o agente comete o delito justamente com o objetivo de atingir o maior número possível de pessoas, inclusive assumindo o risco de que indivíduos localizados no estrangeiro sejam, igualmente, destinatários do material. A potencialidade do dano não se extrai somente do resultado efetivamente produzido, mas também daquele que poderia ocorrer, conforme própria previsão constitucional. 6. Basta à configuração da competência da Justiça Federal que o material pornográfico envolvendo crianças ou adolescentes tenha estado acessível por alguém no estrangeiro, ainda que não haja evidências de que esse acesso realmente ocorreu. 7. A extração da potencial internacionalidade do resultado advém do nível de abrangência próprio de sítios virtuais de amplo acesso, bem como da reconhecida dispersão mundial preconizada no art. 2º, I, da Lei 12.965/14, que instituiu o Marco Civil da Internet no Brasil. 8. Não se constata o caráter de internacionalidade, ainda que potencial, quando o panorama fático envolve apenas a comunicação eletrônica havida entre particulares em canal de comunicação fechado, tal como ocorre na troca de e-mails ou conversas privadas entre pessoas situadas no Brasil. Evidenciado que o conteúdo permaneceu enclausurado entre os participantes da conversa virtual, bem como que os envolvidos se conectaram por meio de computadores instalados em território nacional, não há que se cogitar na internacionalidade do resultado. 9. Tese fixada: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de computadores”. 10. Recurso extraordinário desprovido. (RE 628.624, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-062 DIVULG 05-04-2016 PUBLIC 06-04-2016) – negritei.

Ora, no caso concreto, como bem ponderou o Juízo suscitante (da Justiça Federal), não há, até o momento, indícios de que o conteúdo pornográfico tenha sido divulgado em sítios virtuais de amplo e fácil acesso, na internet. As imagens da vítima foram trocadas por particulares via Whatsapp e por meio de chat na rede social Facebook.

Como se sabe, tanto no aplicativo WhatsApp quanto nos diálogos (chat) estabelecido na rede social Facebook, a comunicação se dá entre destinatários escolhidos pelo emissor da mensagem. Trata-se de troca de informação privada que não está acessível a qualquer pessoa.

Assim sendo, tenho que não foi preenchido, no caso concreto, o requisito estabelecido pela Corte Suprema de que a postagem de conteúdo pedófilo-pornográfico tenha sido feita em cenário propício ao livre acesso.

Não se descarta, entretanto, a possibilidade de surgimento de evidências, ao longo das investigações, que demonstrem a divulgação internacional das imagens da adolescente nua em sítios virtuais de amplo e fácil acesso. Portanto, não parece ser possível firmar, neste momento, a competência definitiva para processamento e julgamento do presente inquérito policial. Isso não obstante, deve-se ter em conta que a definição do Juízo competente em tais hipóteses se dá em razão dos indícios coletados até então, o que revela a competência da Justiça Estadual.

Ante o exposto, conheço do conflito de competência, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal e Execução Penal de São Sebastião do Paraíso/MG, o Suscitado.

É como voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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