Superior Tribunal de Justiça

Evinis Talon

STJ: a decisão de pronúncia exige forma lacônica e comedida, sob pena do órgão julgador incorrer no vício do excesso de linguagem

17/09/2019

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Decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 304.043/PI, julgado em 17/11/2015 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ART. 121, § 2º, INCISOS II, III E IV DO CÓDIGO PENAL. PRONÚNCIA. NULIDADES. EXCESSO DE LINGUAGEM CONFIGURADO. TESTEMUNHA. RATIFICAÇÃO DO DEPOIMENTO PRESTADO NO INQUÉRITO. ALEGADA DEFICIÊNCIA TÉCNICA DO ANTERIOR CAUSÍDICO. SÚMULA 523 DO STF. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

I – A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC n. 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC n. 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC n. 117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC n. 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC n. 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC n. 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC n. 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014).

II – Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não-conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício.

III – A prolação da decisão de pronúncia exige forma lacônica e acentuadamente comedida, sob pena do órgão julgador incorrer no vício do excesso de linguagem (precedentes).

IV – A decisão proferida em primeiro grau, no caso em exame, não se limitou a afirmar a existência de prova de materialidade e indícios de autoria, mas extrapolou a linguagem adequada, incorrendo no vício do excesso de linguagem. Assim, faz-se necessária a sua cassação, não sendo suficiente a determinação de que o r. decisum seja lacrado para que não venha a ser examinado pelos integrantes do Conselho de Sentença (precedentes do STF).

V – A eventual nulidade verificada na oitiva das testemunhas, mediante a simples leitura do depoimento prestado na fase de inquérito, indagando-se, em seguida, pela confirmação da versão inicial dos fatos, é relativa. Se o defensor do réu, presente na audiência, nada reperguntou, nem levantou qualquer objeção, não há como reconhecer qualquer vício (precedentes do STF).

VI – As alegadas nulidades (atuação do anterior causídico, que desistiu das testemunhas arroladas na defesa preliminar; e as alegações finais que, segundo o Impetrante, seriam genéricas) são relativas, o que faz incidir ao presente caso o Enunciado n. 523, da Súmula do Supremo Tribunal Federal, que afirma que “no processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu” (precedentes do STF e do STJ). Ordem não conhecida. Habeas Corpus concedido de ofício apenas para anular a decisão de pronúncia, diante do excesso de linguagem. (HC 304.043/PI, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/11/2015, DJe 26/11/2015)

Leia a íntegra do voto:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC n. 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC n. 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC n. 117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014).

As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC n. 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC n. 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC n. 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC n. 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014).

Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não-conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício.

Dessarte, passo ao exame das razões veiculadas no mandamus.

Para melhor delimitar a quaestio, transcrevo o seguinte excerto do aludido decisum:

“A certeza da materialidade está demonstrada pelo laudo de exame cadavérico e as fotografias constantes dos autos.

No que tange à autoria, restou provado que o acusado JARDEL ARAÚJO DO BONFIM efetuou disparos de arma de fogo, tipo espingarda e assassinou a vítima JOSÉ RIBAMAR. Registro que o próprio denunciado, em seu interrogatório, confirmou que ‘é verdadeira a acusação que lhe é feita’ (fls. 230). No mesmo sentido a assertiva das testemunhas e vítimas que são unânimes em afirmar que o denunciado efetuou disparos de arma de fogo contra a vítima fatal. Com efeito, as palavras do próprio acusado, sem qualquer conflito com os depoimentos colhidos, constituem indícios suficientes da autoria.

Não há outra versão nos autos. Há, portanto, o que se exige, a certeza da existência do delito e os indícios fortes de autoria que são suficientes para a pronúncia.

Através das provas apuradas não encontro elementos que me convençam de ter o denunciado agido em legítima defesa.

O fato ocorreu na presença de outras pessoas que também sofreram constrangimentos por parte do denunciado.

As qualificadoras capituladas na denúncia não são manifestas e declaradamente repelidas pelas provas colhidas nos autos. Consoante depoimento das testemunhas que presenciaram o crime, conclui-se que não havia qualquer motivação para o cometimento do crime, sendo praticado por motivo fútil, raiva do denunciado que se sentiu humilhado com os foguetes soltados pela vítima em comemoração à vitória de seu time de futebol, de emboscada, posto que esperou as vítimas no topo da ladeira com arma em punho e engatilhada, e de forma cruel, vez que, entre a abordagem e a execução da vítima, se passaram 40 (quarenta) minutos de muita pressão psicológica, sob a mira de uma arma de fogo, regular, portanto, a incidência das qualificadoras dos incisos II, III e IV, pelo que devem ser mantidas” (fls. 24-25, grifei).

A leitura do excerto acima transcrito evidencia que a decisão de pronúncia, ora impugnada, não atendeu de forma irreprochável aos ditames do art. 413 do CPP, devendo-se ter em vista que a defesa, no presente caso, sustentou a negativa de autoria, pleitando, às fls. 73-76, a impronúncia do acusado.

Cumpre ressaltar, neste aspecto, que se exige, ao prolatar a decisão de pronúncia, forma lacônica e acentuadamente comedida, sob pena do órgão julgador incorrer no vício do excesso de linguagem. Dispõe o § 1º do art. 413, do Código de Processo Penal, verbis:

Art. 413 […]
§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Nessa linha a jurisprudência firmada no âmbito desta Corte:

“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS. PRONÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO JULGADO. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. VIA INADEQUADA. EXCESSO DE LINGUAGEM. OCORRÊNCIA. ILEGALIDADE FLAGRANTE. PRISÃO CAUTELAR. MOTIVAÇÃO CONCRETA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM DE OFÍCIO. 1. Tratando-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, inviável o seu conhecimento. 2. O acórdão que mantém a sentença de pronúncia não pode se exceder de modo a prejulgar o acusado. O excesso de linguagem é evidente se o Tribunal de origem conclui que a autoria é ‘absolutamente inquestionável’, além de tecer outras considerações conclusivas sobre o mérito da causa. Deveria a Corte estadual limitar-se a verificar a existência de indícios suficientes de autoria, não lhe competindo concluir pela certeza de que o paciente seria o autor do delito. […] 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, reconhecido o excesso de linguagem, determinar o desentranhamento do aresto atacado dos autos da ação penal, bem assim a sua colocação em envelope lacrado, vedada a sua utilização na sessão de julgamento, certificando-se, todavia, nos autos, o resultado do julgamento do recurso” (HC n. 310.941/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 16/3/2015, grifei).

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. NÃO CABIMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA PRONÚNCIA. NULIDADES. DIREITO AO SILÊNCIO INTERPRETADO EM DESFAVOR DO ACUSADO. EXCESSO DE LINGUAGEM CONFIGURADO. ILEGALIDADE MANIFESTA. 1. Não é cabível a utilização do habeas corpus como substitutivo do meio processual adequado. […] 3. A fundamentação do acórdão confirmatório da pronúncia extrapolou a demonstração da concorrência dos pressupostos legais exigidos, encerrando juízo de certeza quanto à responsabilidade do paciente, notadamente por afirmar que as provas são robustas e convergem para a culpabilidade do acusado, que ele praticou o delito com dolo homicida e que as qualificadoras do motivo fútil e do meio cruel são, respectivamente, ‘evidente’ e ‘desmascarada’. Excesso de linguagem configurado. Ilegalidade manifesta. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício” (HC n. 265.967/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 12/3/2015, grifei)

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CONHECIMENTO. TRIPLO HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM NO ACÓRDÃO QUE JULGOU O RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. OCORRÊNCIA. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. INADMISSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL. DESENTRANHAMENTO DO ACÓRDÃO. ARQUIVAMENTO EM PASTA PRÓPRIA. CERTIFICAÇÃO DO RESULTADO DO JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. INTELIGÊNCIA DO ART. 563 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA EX OFFICIO. […]V – Integrando o procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, a pronúncia corresponde à decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação, remetendo o caso à apreciação do Conselho de Sentença. Referida decisão encerra, portanto, simples juízo de admissibilidade da acusação, não se exigindo a certeza da autoria do crime, mas apenas a existência de indícios suficientes da autoria e prova da materialidade, imperando, nessa fase final da formação da culpa, o brocardo in dubio pro societate. VI – O magistrado deve expor os motivos que o levaram a, por exemplo, manter eventuais circunstâncias qualificadoras descritas na denúncia, fazendo-o, contudo, de forma comedida, sob pena de caracterização de excesso de linguagem capaz de influir no posterior convencimento dos jurados. O mesmo raciocínio estende-se à 2ª instância. VII – In casu, o Tribunal a quo, ao julgar o recurso em sentido estrito interposto pela Defesa, durante a análise dos indícios de autoria, usurpou competência exclusiva do Tribunal do Júri, valendo-se de expressões peremptórias, reveladoras de convicção acerca da autoria do delito, que excedem os limites legais, incorrendo em evidente eloquência acusatória. VIII – O fato do art. 478, I, do Código de Processo Penal vedar, sob pena de nulidade, que as partes façam referências à decisão de pronúncia ou às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação como argumento de autoridade, seja para beneficiar, seja para prejudicar o réu, não afasta a possibilidade dos jurados serem influenciados pelo excesso de linguagem contido no ato impugnado, ante as disposições dos arts. 472, parágrafo único, e 480, § 3º, do Diploma Processual Penal. IX – Desse modo, ‘Reconhecido o excesso de linguagem no acórdão que confirmou a sentença de pronúncia, é vedado entregar aos jurados, após prestarem juramento, cópia da referida peça processual, sob pena nulidade do julgamento pelo Conselho de Sentença’ (HC 193.734/SP, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 21.06.2013). Adotada tal providência, em consonância com os preceitos do art. 563 do Código de Processo Penal, não existirá prejuízo efetivo capaz de justificar o reconhecimento da nulidade pretendida. X – Assim, não obstante o reconhecimento do excesso, em homenagem ao princípio da economia processual e tendo em vista que os jurados formam o seu livre convencimento com base na prova contida nos autos, impõem-se determinar que o Juízo de primeiro grau providencie o desentranhamento do acórdão que julgou o recurso em sentido estrito, arquivando-o em pasta própria, determinando seja certificado nos autos a conclusão do julgamento. XI – Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para determinar que o Juízo de 1º grau providencie o desentranhamento do acórdão que julgou o recurso em sentido estrito, arquivando-o em pasta própria, mandando certificar nos autos a condição de pronunciado do Paciente, com a menção dos dispositivos legais nos quais incurso, prosseguindo-se no andamento do processo” (HC n. 184.522/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Regina Helena Costa, DJe de 25/4/2014).

Assim, diante do reconhecimento da mácula no r. decisum reprochado, faz-se necessária a sua cassação, não sendo suficiente a determinação de que este seja lacrado para que não venha a ser examinado pelos integrantes do Conselho de Sentença. Esse é o recente entendimento adotado pelo eg. Supremo Tribunal Federal, conforme se depreende dos seguintes julgados:

“RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM HABEAS CORPUS – EXCESSO DE LINGUAGEM NA PRONÚNCIA – ENVELOPAMENTO – INSUFICIÊNCIA. Reconhecido o excesso de linguagem da pronúncia, causa de nulidade absoluta, cumpre anulá-la, determinando-se que outra seja prolatada, não sendo suficiente o desentranhamento e o envelopamento da decisão, em atenção ao parágrafo único do artigo 472 do Código de Processo Penal e à vedação aos pronunciamentos ocultos” (RHC n. 127.522/BA, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 27/10/2015).

“Processo Penal. Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário. Descabimento. Análise das razões da impetração para verificar a possibilidade de conceder a ordem de ofício. Triplo homicídio duplamente qualificado – art. 121, § 2º, I e IV. Acórdão do Tribunal a quo que reconheceu o vício de excesso de linguagem no acórdão do recurso em sentido. Desentranhamento e envelopamento do ato viciado. Impossibilidade. Anulação, como consectário lógico. 1. O excesso de linguagem posto reconhecido acarreta a anulação da decisão de pronúncia ou do acórdão que incorreu no mencionado vício; e não o simples desentranhamento e envelopamento da respectiva peça processual, sobretudo em razão de o parágrafo único do artigo 472 do CPP franquear o acesso dos jurados a elas, na linha do entendimento firmado pela Primeira Turma desta Corte no julgamento de questão semelhante aventada no HC n. 103.037, Rel. Min. Cármen Lúcia, restando decidido que o acórdão do Superior Tribunal de Justiça ‘… representa não só um constrangimento ilegal imposto ao Paciente, mas também uma dupla afronta à soberania dos veredictos do júri, tanto por ofensa ao Código Penal, conforme se extrai do art. 472, alterado pela Lei n. 11.689/2008, quanto por contrariedade ao art. 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘c’, da Constituição da República’. 2. In casu, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu no acórdão proferido nos autos do recurso em sentido estrito qual o excesso de linguagem apto a influenciar o ânimo dos jurados; todavia, em vez de anular o ato judicial viciado, apenas determinou o seu desentranhamento, envelopamento e a certificação de que o paciente estava pronunciado. 3. Habeas corpus extinto, por ser substitutivo de recurso ordinário; ordem concedida, de ofício, para anular o acórdão proferido nos autos do recurso em sentido estrito, a fim de que outro seja prolatado sem o vício do excesso de linguagem” (HC n. 123.311/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 14/4/2015, grifei).

“HABEAS CORPUS. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. OCORRÊNCIA. PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO ANTES DA DEVOLUÇÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS, MAS DEPOIS DE ESCOADO O PRAZO FIXADO PARA O SEU CUMPRIMENTO. POSSIBILIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. É possível o afastamento da Súmula 691 desta Corte, se verificada a ocorrência de flagrante ilegalidade que possa repercutir na liberdade de locomoção do paciente. Tanto a antiga redação do art. 408, quanto o atual art. 413 (na redação dada pela Lei 11.689/2008), ambos do CPP, indicam que o juiz, ao tratar da autoria na pronúncia, deve limitar-se a expor que há indícios suficientes de que o réu é o autor ou partícipe do crime. Todavia, o texto da pronúncia afirma que o paciente foi o autor do crime que lhe foi imputado, o que, à evidência, pode influenciar os jurados contra o acusado. Em casos como esse, impõe-se anulação da sentença de pronúncia, por excesso de linguagem (HC 93.299, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJe de 24.10.2008). Por outro lado, ficou esclarecido que o prosseguimento da instrução ocorreu após o término do prazo conferido para o cumprimento das cartas precatórias expedidas para a oitiva de testemunhas arroladas pela defesa, o que está de acordo com o disposto no art. 222, §§ 1º e 2ª, do Código de Processo Penal. Habeas corpus parcialmente concedido, para anular a sentença de pronúncia” (HC n. 99.834/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 16/3/2011, sem grifos no original).

Passo ao exame da alegada nulidade acerca do procedimento utilizado pelo MM. Juiz a quo na inquirição das testemunhas.

Com efeito, sustenta o Impetrante que o d. magistrado teria lido o depoimento da testemunha perante a autoridade policial e indagado se esta confirmava ou não o seu conteúdo, o que, no seu entender, consistiria ofensa ao art. 203 do CPP.

A impetração, no ponto, não merece prosperar.

O fato de o juiz, na audiência de oitiva de testemunhas, fazer a leitura do depoimento prestado na fase de inquérito, indagando em seguida se o depoente confirmava aquela versão, constitui nulidade relativa, cujo reconhecimento demanda a comprovação do prejuízo para a parte, bem como a necessidade de ser alegada na primeira oportunidade. No caso em tela, nem um nem o outro requisito está preenchido.

Nos termos de depoimento das testemunhas da acusação (fls. 55, 56, 57 e 59), consta apenas a afirmação de que os depoentes confirmaram os depoimentos anteriormente prestados. No entanto, o ilustre advogado do réu, presente à audiência, nada reperguntou, nem apresentou qualquer objeção.

Nessas condições, não há como se reconhecer a alegada nulidade, tendo em vista que, por ser relativa, deveria ter sido levantada de imediato. Nesse sentido há precedentes do colendo Supremo Tribunal Federal:

“Recurso ordinário em habeas corpus. 2. Roubo duplamente majorado (concurso de agentes e emprego de arma de fogo). Condenação. Pena reduzida em apelação. 3. Alegações: a) ocorrência de nulidade processual, ante a ofensa ao disposto no art. 203 do CPP, devido à leitura de depoimentos colhidos na fase inquisitorial na audiência de inquirição de testemunhas; e b) o STJ, no recurso da defesa, emitiu decisão em reformatio in pejus, devendo, portanto, a pena-base ser reduzida ao mínimo legal. 4. A ratificação em juízo dos depoimentos colhidos na fase inquisitorial não configura a ilegalidade pretendida, na medida em que se franqueou à defesa a plena intervenção no ato, mediante realização de perguntas e reperguntas, com isso prestigiando-se a ampla defesa e o contraditório. 5. Reformatio in pejus na decisão do STJ. Inocorrência. Pena do recorrente não agravada. A Corte de Justiça não complementou indevidamente a fundamentação, apenas se valeu dos fundamentos utilizados pelas instâncias ordinárias. 6. Ausência de constrangimento ilegal. Recurso ordinário a que se nega provimento” (RHC n. 123.894/MS, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 17/3/2015, grifei).

“HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRIPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. TESES COLIDENTES. INEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE DE FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS PELAS PARTES, APÓS QUESTIONAMENTOS DOS JURADOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 467 DO CPP. RATIFICAÇÃO DE DEPOIMENTOS PRESTADOS EM JUÍZO (ART. 204 DO CPP). POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO CONCRETO AO ACUSADO. ORDEM DENEGADA. […] 3. O parágrafo único do art. 204 do CPP apenas impede que ‘a testemunha leve tudo por escrito, adredemente preparado, sem sinceridade ou veracidade’. Possibilidade de ratificação de depoimento prestado, em Juízo, sob o crivo do contraditório. Precedentes. 4. Habeas corpus indeferido” (HC n. 89.467/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 29/8/2008, grifos nossos).

O Impetrante aduz, por fim, deficiência da defesa técnica do ora Paciente, aos argumentos de que o anterior causídico teria desistido da oitiva das testemunhas de defesa; teria pleiteado, nas alegações finais, apenas a sua absolvição, sem apresentar qualquer prova em seu favor; e, por fim, ainda interpôs recurso em sentido estrito intempestivo.

Na presente hipótese, consta à fl. 72 petição do advogado da defesa, em que pleiteou a desistência da inquirição das testemunhas arroladas na defesa preliminar. Não se vislumbra, in casu, flagrante ilegalidade, até porque, conforme bem elucidado pela d. Subprocuradora-Geral da República, Maria Silvia de Meira Luedemann, “não se constatou qualquer prejuízo para o paciente no fato da renúncia de oitiva das testemunhas de defesa, porquanto é livre ao patrono da causa utilizar da estratégia que melhor lhe aprouver para atuar em favor de seu cliente. Ademais, não se pode esquecer que a recusa de oitiva das testemunhas se deu em fase de pronunciamento, não importando em renúncia definitiva de oitiva das testemunhas de defesa, porquanto elas poderão ser inquiridas quando do Tribunal do Júri, nos termos do art. 422 do Código de Processo Penal” (fl. 122).

Nas alegações finais (fls. 73-76), o nobre advogado, após relatar os fatos, afirmou que a denúncia não teria descrito, “de forma concreta, o fato criminoso e as circunstâncias constitutivas das qualificadoras” (fl. 75).

Asseverou, ainda, que “o conjunto probatório colhido não autoriza a pronúncia do acusado, nos termos da denúncia de folhas 02/05, haja visto (sic) não haver provas ou indício de que o mesmo tenha cometido o crime como descreve a r. denúncia” (fl. 76). Nesse contexto, pleiteou a improcedência da denúncia, por ausência de suporte probatório. Não se vislumbra, no ponto, qualquer nulidade, uma vez que incide para o caso o Enunciado n. 523, da Súmula do Supremo Tribunal Federal, que afirma que “no processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu’

Do mesmo modo, no que tange à interposição de recurso intempestivo pelo anterior advogado, já que este foi regularmente nomeado pelo próprio Paciente, e tal circunstância, por si só, não configuraria inércia do causídico. Por outro lado, segundo consulta ao sítio eletrônico do eg. Tribunal de origem, consta a informação de que o recurso em sentido estrito teria sido conhecido, após o julgamento do HC n. 2014.0001.008200-3.

Sobre o tema, por fim, cito os seguintes precedentes do eg. Supremo Tribunal Federal:

“Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Nulidade da condenação imposta ao paciente. Cerceamento de defesa no curso do processo criminal não caracterizado. Prejuízo não demonstrado. Incidência da Súmula n. 523/STF. Precedentes. Cerceamento de defesa ocasionado pela não apresentação por parte da defesa de diligências do antigo art. 499 do Código de Processo Penal. Matéria não apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância. Precedentes. Conhecimento parcial do writ. Ordem denegada. 1. O alegado cerceamento de defesa não encontra respaldo nos autos, pois a impetrante não logrou demonstrar eventual prejuízo causado ao paciente em decorrência da suposta atuação deficiente da defesa, de modo a justificar a concessão da ordem. 2. O Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas ao analisar o apelo defensivo bem demonstrou que a instrução processual teria sido realizada com o apego necessário aos postulados do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, inciso LV). 3. A jurisprudência da Corte é no sentido de que a nulidade por deficiência na defesa só deve ser declarada se comprovado o efetivo prejuízo. Esse entendimento está, ainda, preconizado na Súmula nº 523/STF, que assim dispõe: ‘No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu’. 4. O apontado prejuízo ocasionado pela não apresentação por parte da defesa de diligências do antigo art. 499 do Código de Processo Penal deixou de ser analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Portanto, a apreciação desse tema, de forma originária, no presente momento, configuraria verdadeira supressão de instância, o que é inadmissível. 5. Habeas corpus denegado” (HC n. 121.994/AL, Primeira Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 21/11/2014, sem grifos no original).

“HABEAS CORPUS. PACIENTE PRONUNCIADO POR HOMICÍDIO QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO-CRIME. SUPOSTA DEFICIÊNCIA NAS ALEGAÇÕES FINAIS. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. SÚMULA 523/STF. ORDEM DENEGADA. 1. Naquelas situações em que a deficiência da defesa evidencia descaso, falta de iniciativa ou mesmo desinteresse pela realização de diligências cabíveis, é possível equiparar esse tipo de deficiência à total ausência de defesa técnica. O que, todavia, não ficou demonstrado na concreta situação dos autos. Caso em que o defensor então nomeado pelo Juízo, para além de apontar a falta de prova para a condenação, pugnou pela absolvição do acusado, em sede de alegações finais, embora fazendo-o sucintamente. Mais: tal como consignado pela autoridade apontada como coatora, ‘é comum a falta de exposição dos argumentos defensivos em sede de alegações finais; pois, quando conveniente, a defesa reserva suas teses para o julgamento plenário’. 2. A nulidade processual argüida pela impetração não se fez acompanhar da comprovação do efetivo prejuízo suportado pelo pronunciado. O que atrai a incidência da Súmula 523/STF. Precedente específico: HC 92.207, da relatoria da ministra Cármen Lúcia. 3. Ordem denegada” (HC n. 103.842/MT, Segunda Turma, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 13/6/2011, grifei).

No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. (1) DEFICIÊNCIA DE DEFESA. NÃO RECONHECIMENTO (2) ADVOGADO NOMEADO. ANTERIOR DEFESA CRIMINAL REALIZADA EM FAVOR DA VÍTIMA. IMPEDIMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. (3) PRETENSÃO DE COTEJO DAS DUAS DEFESAS (A REALIZADA, EM ANTERIOR AÇÃO PENAL, EM FAVOR DA VÍTIMA, E A ENCETADA EM BENEFÍCIO DO RECORRENTE) E DE EXISTÊNCIA INTERESSE DO DEFENSOR NOMEADO EM PREJUDICAR O RECORRENTE. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (4) RECURSO IMPROVIDO. 1. Não há deficiência de defesa quando ela é razoavelmente realizada, mediante o comparecimento do advogado nomeado a todas as audiências, com a apresentação de defesa prévia e alegações finais, além de profícuo requerimento de liberdade provisória. A ausência de pedido de realização de perícias, a desistência de oitiva de testemunha arrolada ou a formulação de alegações finais sucintas não têm o condão de, per si, invalidar o processo. 2. Não existe impedimento do advogado que, em anterior ação penal, foi defensor da vítima, e, ulteriormente, é nomeado como dativo para patrocinar os interesses do recorrente. 3. Extravasa os limites de cognição do writ, e respectivo recurso ordinário, por demandar dilação probatória, a pretensão, destinada a ver reconhecido cerceamento de defesa, de se cotejar a defesa empreendida pelo defensor nomeado em anterior ação penal e aquela promovida no processo ora em foco. Igual obstáculo se levanta ao reconhecimento de existência de interesse do aludido defensor dativo em prejudicar o recorrente. 4. Recurso improvido” (RHC n. 30.570/MT, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24/3/2014, grifei).

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. […] DEFICIÊNCIA DE DEFESA. NULIDADE RELATIVA. SÚMULA 523 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADVOGADOS DATIVOS. DILIGÊNCIA NA ATUAÇÃO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Consolidou-se no âmbito dos Tribunais Superiores o entendimento de que apenas a falta de defesa técnica constitui nulidade absoluta da ação penal, sendo certo que eventual alegação de sua deficiência, para ser apta a macular a prestação jurisdicional, deve ser acompanhada da demonstração de efetivo prejuízo para o acusado, tratando-se, pois, de nulidade relativa. Enunciado 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 2. Não se pode qualificar como defeituoso o trabalho realizado pelos advogados nomeados para patrocinar o recorrente, pois atuaram de acordo com a autonomia que lhes foi conferida por ocasião da habilitação ao exercício da advocacia, nos termos do artigo 7º, inciso I, da Lei 8.906/1994. 3. Diante de um insucesso, para o crítico sempre haverá algo a mais que o causídico poderia ter feito ou alegado, circunstância que não redunda, por si só, na caracterização da deficiência de defesa, a qual, conforme salientado, depende da demonstração do prejuízo para o acusado, não verificado na hipótese. […] 4. Recurso improvido” (RHC n. 54.042/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 6/4/2015, grifei).

Ante o exposto, não conheço da ordem. Todavia, concedo habeas corpus de ofício tão somente para anular a r. decisão de pronúncia, que deverá ser também desentranhada dos autos, de modo que outra seja proferida sem excesso de linguagem.

É o voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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